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3.24.2012

Nunca dormimos tão pouco


Estilo de vida moderno causa redução de horas de sono; aposta deve ser em qualidade dizem especialistas


Danielle Senna, analista de RH, precisa de dez horas de sono: se dormir menos do que isso, sente seu rendimento cair
Foto: Gustavo Stephan
Danielle Senna, analista de RH, precisa de dez horas de sono: se dormir menos do que isso, sente seu rendimento cair Gustavo Stephan
RIO — Iluminação artificial eficiente e generalizada, tecnologia conectando 24 horas o mundo globalizado, e pressa, muita pressa, porque há sempre muito a ser feito. O ritmo frenético da vida contemporânea vem levando o homem a reduzir seu tempo de sono. Um adulto saudável, dorme hoje, em média, sete horas por dia; há 50 anos, eram nove. Os especialistas divergem em torno do tempo de descanso ideal, mas alguns dados são eloquentes: a insônia é um mal que aflige ou afligirá em algum momento um 1/3 da população mundial — sendo as mulheres cinco vezes mais afetadas que os homens —, e, no Brasil, pelo menos 40% das pessoas têm alguma queixa relativa ao sono, segundo a Associação Brasileira do Sono (ABS). Além disso, recentemente, um estudo do Instituto do Sono revelou que, nas pessoas mais longevas, há uma determinada etapa do sono, a do sono profundo, que tem pouca variação durante a vida — comprovando que dormir bem é essencial para a saúde.
— As fotos de satélite mostram que a Terra está totalmente clara. Tudo parece funcionar 24 horas, e nós dormimos cada vez menos. A luz elétrica mudou nosso estímulo para dormir, até porque o hormônio promotor do sono é inibido por ela — diz Andréa Bacelar, vice-presidente da ABS, referindo-se à melatonina, um potente antioxidante. — Mas não dá para abrir mão de uma boa noite de sono: melhora o humor e o rendimento e previne doenças. Às vezes, a pessoa vai a mil especialistas e não sabe que, se dormir bem, já resolve seu problema. Uma criança que parece ter transtorno do déficit de atenção pode só estar precisando descansar mais. E há pessoas com pressão alta que, se tratarem a apneia, podem suspender o remédio.
De acordo com Luciano Ribeiro, neurologista do Instituto do Sono, de São Paulo, estudos americanos mostram que quem dorme de mais ou de menos têm problemas futuros como obesidade e redução do tempo de vida. O problema é determinar quanto é muito e quanto é pouco. Ele diz que o padrão muda de indivíduo para indivíduo, e questiona até a “obrigação” de se dormir à noite. Um de seus argumentos é a muito pesquisada interferência do gene PER3, que regula o sistema circadiano, na quantidade de sono necessária para cada pessoa: ele pode explicar a existência de 5% de pessoas vespertinas e 5% de pessoa matutinas encontradas em qualquer população. Para Ribeiro, se a pessoa está satisfeita com seu padrão de sono e não tem qualquer problema de saúde que possa afetá-lo — ou pareça decorrente dele —, não há com o que se preocupar.
— O problema maior é o preconceito. Tenho pacientes que vêm aqui achando que há algo errado com eles, porque estão certos de que precisam dormir à noite. Mas, se seu padrão é diferente, o organismo se adapta e você vai produzir melatonina em outro horário — afirma Ribeiro, referindo-se ao hormônio que auxilia a iniciar o sono, age como um potente antioxidante e é inibido pela luz. — Cada um tem que dormir a quantidade adequada de sono para si. O mais importante é a qualidade do sono: se a pessoa dorme oito horas, mas tem apneia, vai se sentir mal, porque não está aprofundando seu sono, não está passando por todas as fases.
O gerente de suprimentos Rafael Thomé, de 30 anos, sabe bem o que isso quer dizer. Desde que se entende por gente, conta, bastam-lhe quatro horas de sono para que se sinta bem. Ele é o que se chama de dormidor curto. Hoje, ele costuma dormir de 3h às 7h. No resto do dia, pratica esportes e se divide entre os muitos grupos sociais — inclusive de fora do Brasil — que conseguiu formar com tanto tempo à sua disposição. Mas, preocupada com possíveis prejuízos à sua saúde, a mãe, que já o havia levado a um médico na adolescência para tratar do assunto, voltou a pedir-lhe que procurasse um especialista.
— A minha vida toda foi assim: mais novo, eu deitava mais cedo e ficava horas rolando na cama. Descanso muito rápido e, quando acordo, estou bem-disposto, bem-humorado. Então, quando fui ao médico, ele disse que eu não precisava me preocupar, que esse é o meu padrão de sono. Na verdade, a consulta tinha que ter sido para a minha família — brinca.
O caso da analista de RH Danielle Senna, de 27 anos, é diametralmente oposto: dormidora longa, ela precisa de cerca de dez horas de sono para ficar realmente descansada. Geralmente, vai se deitar à 21h, 22h, e acorda às 7h30m, 8h, cheia de energia. Se isso não for possível, o efeito é desastroso. Por isso, ela evita sair durante a semana à noite, para não atrapalhar seu rendimento no trabalho.
— Se dormir menos, eu fico com o raciocínio lento, tenho dor de cabeça. No início, minha família estranhava, mas, depois que eu fiz polissonografia, entendeu que meu ritmo é este — diz Daniele, referindo-se ao exame em que o paciente se passa a noite no laboratório para que especialistas analisem seu padrão de sono. — No convívio social é que é um pouco ruim. Quando eu chego a sair à noite durante a semana, sempre vou para casa cedo, o que faz muita gente dizer: “Ai, não acredito! Você já vai?”.
Para Andréa Bacelar, o sono noturno é sempre melhor que o diurno. Mas ela concorda que, se o atraso ou avanço de fase (dormir mais tarde ou mais cedo) não incomoda a pessoa, não há problema. A situação se complica se ela é obrigada a modificar seu horário, em função de um novo emprego ou de um filho em idade escolar, por exemplo:
— Aí ocorre privação de sono crônica, que causa uma série de problemas.
Dormir menos do que o necessário, ou dormir mal, traz complicações a longo e a curto prazo. De irritabilidade à fadiga crônica, de hipertensão a problemas cardiovasculares, de alterações no sistema imunológico a diabetes. A obesidade — o mal do século — tem efeito de mão dupla: quem engorda aumenta a circunferência do pescoço, propiciando a obstrução da faringe. E, quem tem apneia dificilmente perde peso, porque a falta de oxigênio altera o metabolismo. Pior: segundo estudo que reuniu especialistas de instituições como a Universidade de Columbia e o Centro de Pesquisa de Nutrição e Obesidade de Nova York, dormir menos faz aumentar a ativação das regiões do cérebro sensíveis ao apelo da comida.
A lista de problemas é imensa, e varia de acordo com a idade. Crianças com distúrbios de sono são mais propensas a ter distúrbios comportamentais, como hiperatividade e agressividade, além de ter o rendimento escolar prejudicado e dificuldade de relacionamento, comprovou um estudo americano feito com mais de 11 mil voluntários, acompanhados por mais de seis anos. E homens na faixa dos 40 anos têm mais problemas respiratórios como o ronco, precursor da apneia, a interrupção momentânea e aflitiva da respiração. Nas mulheres, este tipo de problema costuma ocorrer após a menopausa, quando há interrupção da produção de estrogênio. Em compensação, elas têm até cinco vezes mais insônia e depressão (males intrinsecamente relacionados) que eles, em decorrência de alterações hormonais, múltiplas atividades, estresse e, acredita-se, predisposição genética.
— Nas mulheres, questões genéticas e sociais se misturam: alterações de humor, a entrada no mercado de trabalho e as múltiplas tarefas podem gerar transtorno de ansiedade, depressão e insônia, que está diretamente ligada a estes distúrbios mentais — diz Andréa.
A boa notícia é que, se tratados, os problemas relativos ao sono tendem a desaparecer ou ser bastante minimizados. O problema, diz a ABS, é que, no Brasil, não há o hábito de se procurar médicos para relatar problemas ligados ao sono. Apenas 15% das pessoas fazem isso, sendo que apenas 20% consultam especialistas no assunto.
A primeira providência para dormir bem é levar uma vida saudável e regrada, dizem os especialistas, o que significa apostar no velho tripé exercício físico, boa alimentação e horário (razoavelmente) certo para dormir. Se tudo falhar, recorra-se à medicina.
— Deve-se tentar primeiro o tratamento não farmacológico, chamado de terapia comportamental cognitiva, que, em seis sessões, uma por semana, promove o reaprendizado do sono — explica Luciano Ribeiro. — Mas, quando isso não é possível, já há fármacos indutores do sono menos perigosos que os benzodiazepínicos, que viciam facilmente. Hipnóticos e antidepressivos sedativos, como zolpiden, zolpiclona ou eszopiclone, atuam mais diretamente no mecanismo do sono e causam menos dependência, podendo ser usados por longo prazo.

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