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4.10.2012

UM BRASILEIRO QUE GOSTA DE OUVIR AS PESSOAS

O homem que pode mudar a justiça brasileira

O ministro Carlos Ayres Britto pode ficar apenas sete meses na presidência do Supremo Tribunal Federal. Mas este período é suficiente para que conclua o esperado julgamento do mensalão e dê início a uma nova era na corte

Izabelle Torres

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A imagem de um Judiciário sisudo, onde os integrantes se comportam como se fossem deuses intocáveis, está prestes a ser enterrada. A partir do dia 19 de abril, o comando do Supremo Tribunal Federal passa para as mãos de um ministro popular, sorridente e sensível às mudanças do mundo. Carlos Ayres Britto é o retrato de uma nova fase da Justiça, que tem se aproximado cada vez mais da sociedade. Apaixonado pelos mistérios do ser humano, como ele diz, Britto é poeta desde os tempos de faculdade. Em plena ditadura militar, fazia poesias sociais enquanto dividia seu tempo entre o expediente no Banco do Brasil da cidade sergipana de Propriá, sua terra natal, e a faculdade de Direito de Aracaju. “Eu vivia na estrada. Eu aproveitava as idas e vindas e fazia poemas, não tinha tempo para me engajar nos movimentos”, contou à ISTOÉ. A atração pelas questões sociais o levou a se filiar ao PT na juventude. Ayres Britto não se envolvia diretamente com política, mas gostava de participar das reuniões em que sempre estava em pauta o sonho de construir um Brasil melhor. Em junho de 2003, quando foi indicado para o STF, ele “virou a página partidária” e deu início à trajetória do ministro que pode ajudar a mudar o perfil do Judiciário.

O sergipano de conversa fácil e gentil no trato com as pessoas não come carne, pratica caminhadas e é adepto da meditação. Seu estilo apaziguador é notado sempre que dois ministros discutem no plenário do STF. Quem o vê em seu gabinete admirando a paisagem de Brasília e reclamando que sua amada Aracaju está tomada por prédios, que ofuscam a beleza da cidade, nem imagina que nas mãos daquele homem de 1,58m de altura estará o destino de alguns dos mais importantes casos da história recente do País. O primeiro deles deve ser o mensalão do PT, no qual será julgado o maior esquema de corrupção dos últimos anos. Ayres Britto diz que tratará a ação contra 38 réus com a “atenção que um processo de tamanha proporção merece”. Ele conta que assim que assumir a presidência pretende conversar com o relator Joaquim Barbosa e com o ministro revisor Ricardo Lewandowski para fazer uma previsão sobre o dia do julgamento Ayres Britto é considerado linha-dura com políticos corruptos. Foi dele a relatoria do processo que resultou na primeira condenação pelo STF de um deputado federal em exercício, depois de 1988. Em 2010, ao defender punição para o deputado José Gerardo Oliveira por desvio de recursos públicos, Ayres Britto revelou o que pensava sobre a exigência de um currículo probo para os homens públicos. Dois anos depois, foi o principal defensor da Lei da Ficha Limpa, que afasta da vida pública candidatos que tenham sofrido algum tipo de condenação judicial por órgão colegiado. “Pode um político que já desfilou em toda a extensão do Código Penal ser candidato?”, questionava.

Em outros temas, o Judiciário também teve de se render a votos históricos do ministro sergipano. Foi assim durante o julgamento sobre união homoafetiva em maio de 2011, quando Ayres Britto deixou seus colegas desconcertados ao afirmar que o “órgão sexual é um ‘plus’, um bônus, um regalo da natureza”. Seu liberalismo também impressionou quando defendeu que concubina e esposa deveriam dividir a pensão do falecido, pois em vida ele havia se dividido entre as duas. “A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo confirma é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois”, defendeu.
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Seus votos repletos de citações e trechos de poesia costumam ser elaborados na semana dos julgamentos. Geralmente, Ayres Britto reúne dois ou três assessores no gabinete para discutir as teses e procurar argumentos. Não é raro a equipe e o ministro vararem a madrugada. “Gosto de ouvir as pessoas”, diz. Na verdade, o ministro quer transformar o diálogo em marca da sua gestão. Planeja convocar reunião para discutir com os colegas uma pauta de consenso, que dê ênfase a processos que tratem de improbidade administrativa. “Minha ideia é fazer uma administração compartilhada”, prevê.

Se os votos de Ayres Britto deixam claro esse estilo, sua paixão pela literatura também fica mais do que evidente. “Quando enxergo em uma frase uma lição de vida, nunca mais esqueço. Tenho uma memória milimétrica para ditos e frases e uso essas mensagens em meus votos.” Nos últimos anos, o ministro relatou casos que requeriam profundo conhecimento técnico. Por suas mãos passaram as ações sobre a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias e a demarcação integral e contínua da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. À frente de um Supremo ainda adepto de hábitos elitistas, ele terá trabalho redobrado. Na garagem do STF, por exemplo, um tapete vermelho leva aos elevadores e evita que os ministros pisem no chão cimentado. No plenário, seguranças barram sem constrangimento homens e mulheres em trajes que considerem inadequados. Não se admite a falta de gravata ou calça preta que lembre jeans. Ele não liga para isso. Não raro, quebra o protocolo e vai cumprimentar visitantes.“Se alguém se dispuser a debater isso, estarei aberto ao diálogo”, promete o futuro presidente.

O perfil simples do único nordestino a compor o plenário do Supremo é interpretado no mundo jurídico como um sinal de que a sociedade será ouvida. O sergipano de Propriá, que vem de uma família de dez filhos e cujo pai era advogado com ideias modernas para seu tempo, pode até não mudar totalmente a Justiça brasileira. Mas sua chegada ao mais alto posto do STF certamente deve aproximar o Judiciário do pulsar das ruas.

Infelizmente  o  ministro Carlos Ayres Britto do STF tem que conviver com pessoas tão antagônicas como Gilmar Mendes

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