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5.18.2012

Martinica bacana: uma ilha onde inverno é pleno verão

Território francês no Caribe tem belas paisagens, forte herança cultural e cores inesquecíveis


Praia em Sainte-Anne, litoral sul da Martinica
Foto: Eduardo Maia / O Globo
Praia em Sainte-Anne, litoral sul da Martinica Eduardo Maia / O Globo

FORT-DE-FRANCE, MARTINICA - O compositor Braguinha nunca visitou a terra da tal Chiquita, aquela que se vestia com uma casca de banana-nanica. Perdeu uma grande oportunidade, com certeza. Pedaço de França cercada de Caribe por todos os lados, a Martinica é bacana mesmo, onde existencialistas, com ou sem razão, podem se dar ao luxo de fazer o que manda seus corações. Apelidada de fleur do Caribe — Madinina, seu nome pré-colombiano, significa "ilha das flores" — a Martinica é um jardim à beira-mar. E com cores vibrantes que surgem de onde não se imagina, do tecido de madras, usado para confeccionar de vestidos a toalhas de mesa; do mar, que ora se apresenta azul-turquesa, ora "verde-Paraty"; da exuberante fauna marinha, escondida entre recifes e navios naufragados; do som do zouk, primo-irmão da lambada paraense; do povo, orgulhoso da cidadania francesa sem nunca deixar de reafirmar sua origem africana e suas peculiaridades caribenhas. As chiquitas de lá podem até não se vestir de banana-nanica, mas a fruta é onipresente, nos pratos, nas feiras e na paisagem, assim como a cana-de-açúcar, da qual é feito o único rum com denominação de origem do mundo. A Martinica parece ter sido projetada para encantar e relaxar, inclusive no clima: a temperatura não costuma passar muito dos 26 graus Celsius e a temporada de chuva (e possíveis furacões) vai apenas de julho a setembro. A alta temporada é entre novembro e abril, quando a Europa está toda agasalhada. Mesmo nunca ter ido à Martinica, Braguinha acertou nessa: lá inverno é pleno verão.
Belezas fora e dentro d’água marcam o litoral da Martinica
O melhor da Martinica está no litoral. Praticar atividades náuticas, mergulhar ou simplesmente relaxar na areia são os programas mais populares entre os visitantes que desembarcam no Aeroporto Internacional Aimé Césaire. O grande atrativo da costa da ilha é sua variedade. No sul, praias com areias e águas claras. No norte, areia escura, vegetação densa e mergulho entre naufrágios.
Aquele "azul-Caribe" dos cartões postais está presente na parte sul da ilha, banhada pelo Canal de Santa Lúcia, que liga o Mar do Caribe e o Oceano Atlântico, e tem praias com areia clarinha, coqueiros balançando constantemente com a brisa suave, e pouca ou nenhuma interferência humana. Praia mais ao sul do território martinicano e considerada a melhor, Salines deve estar no topo da lista de qualquer visitante. Vizinha de uma área de produção de sal, não tem nenhuma construção na beira da areia, apenas um paredão de palmeiras e árvores litorâneas, que dão sombra e servem para amarrar as redes dos locais e dos visitantes mais bem equipados. Ao contrário de outros pontos no litoral, onde o mar é belíssimo, mas raso, Salines é ideal para um ótimo mergulho.
Ela faz parte do município de Sainte-Anne, que reúne outras belíssimas praias, como a homônima. Com simpáticos restaurantes pé na areia, é frequentada basicamente por moradores, apesar de (ou por isso mesmo) estar colada à praia "privativa" do Club Med Bucaniers, um dos hotéis mais bem localizados da ilha. É comum presenciar ali aulas de natação para crianças ou hidroginástica para idosos, além dos onipresentes barquinhos ancorados.
Anse Michel, na região de Cap Chevalier, no mesmo município, é um exemplo de praia deserta, onde só se pode chegar por uma pequena e fácil trilha. Ao programar uma visita ao local, considere almoçar no Le Paradisio, um aconchegante restaurante praiano, na entrada para a pequena trilha que dá acesso à praia. A culinária crioula baseada em frutos do mar frescos, com toques modernos, é ótima. Mas imperdível mesmo é a porção de accras, o bolinho de bacalhau, mais leve que o português, que é a entrada oficial de toda refeição na Martinica.
Cap Chevalier fica na costa leste, voltada para o Atlântico. Essa região, mais protegida por barreiras de recifes, tem uma série de belas e tranquilas praias, onde banhistas lagarteiam na areia e praticantes de kitesurfe tomam conta da água. Nesse sentido, as praias da cidade de Le François e da península de La Caravelle têm destaque.
A área total da ilha é de 1.100 quilômetros quadrados, um pouco menor que a cidade de Nova York, mas, por conta de sua geografia acidentada, leva-se muito tempo para percorrê-la de carro. É possível chegar a quase todas as praias por terra. Mas passeios de barco sempre dão a oportunidade de conhecer melhor o litoral. Os dois lugares que concentram a maior parte desse serviço são Le Marin, ao norte de Sainte-Anne, e Point du Bout, no município de Trois-Îlets, no sudoeste da ilha e o local com mais infraestrutura turística. Ali funciona o Zandoli, um dos melhores restaurantes da Martinica, conhecido por sua cozinha moderna e por usar seu espaço como uma grande galeria de arte para artistas franceses e caribenhos. Trois-Îlets também tem a Village de la Poterie, um pequeno complexo onde artesãos produzem e vendem suas obras, com destaque para a cerâmica.
Point du Bout fica num dos lados da baía de Fort-de-France. Boa parte de seu movimento se dá pelo transporte hidroviário para a capital da Martinica. Mas sua fama se fez pelos roteiros que exploram a costa oeste da ilha, voltada para o Mar do Caribe. Uma das melhores companhias é a Kata Mambo, cujo carro-chefe é o passeio de observação de golfinhos. O catamarã sai às 8h30m e pouco tempo depois, na altura da Praia de Bellefontaine, os cetáceos começam a aparecer. Tímidos, a princípio, logo já estão cercando o barco, se exibindo aos turistas.
A bordo é possível notar as gritantes diferenças do litoral sul para o norte. Acima de Fort-de-France, as praias começam a ficar mais escuras, por causa da areia de origem vulcânica. Grandes hotéis e construções dão lugar a vilas mais simples e, de certa forma, mais autênticas. Uma das mais bonitas é a de Le Carbet, onde o pintor francês Paul Gauguin passou longas temporadas. Após uma parada em Saint-Pierre, a embarcação faz o caminho de volta, com direito a almoço a bordo e muito ti punch (rum, xarope de cana, limão) e planteur punch (rum com suco de frutas), os drinques nacionais, oferecidos pela animadíssima tripulação.
A areia preta, decorrente de anos de atividade do vulcão Mont Pelée, pode até afugentar o banhista a princípio, ainda que haja ótimas praias entre Saint-Pierre e Le Carbet. Mas não afasta os mergulhadores, que vão a este pedaço da Martinica em busca de seus maiores tesouros submarinos, seus naufrágios. São 18 navios afundados no litoral noroeste da ilha. A maioria foi levada às profundezas no mesmo dia, na última erupção do vulcão, há 110 anos.
O naufrágio mais famoso é o do Roraima, que já foi até tema de filme de Jacques Costeau. O que torna essa embarcação canadense tão popular é que está praticamente intacta, além de ser a maior da região. Os outros destaques são o Raisinier, o naufrágio em menor profundidade de todos (40 metros), e o Teresa Lo Vico, um veleiro onde a carga de azulejos ainda está empilhada. Vale ressaltar que apenas mergulhadores com treinamento e certificação podem mergulhar na área dos naufrágios.
Os mergulhos de batismo costumam ser feito em duas áreas mais ao sul. Em Les Anses-D’Arlet, há grande variedade de espécies de peixes, coloridos e de médio e pequeno porte, em sua maioria. A região é de bancadas de areia, o que torna a visibilidade muito boa. O principal ponto de mergulho de iniciantes da ilha, no entanto, é a Rocher du Diamant. A pedra arredondada, vista de quase todos os pontos do sudeste da ilha, é famosa por seus paredões e arcos rochosos. Não há peixes em tanta quantidade, mas sobram esponjas e corais.
Essa variedade de opções de mergulho é o grande atrativo da ilha, na opinião do presidente da associação dos clubes de mergulho da Martinica, Walter Wargnier:
— O mergulhador pode passar uma ou duas semanas aqui e não faltará opções. Temos uma diversidade que poucos lugares do Caribe oferecem.
Mesmo para quem não se arrisca a mergulhar, a Praia de Diamant, a mais extensa da ilha, em frente à famosa pedra, é uma ótima opção para passar o dia.
De ‘Pequena Paris’ a ‘Pompeia das Antilhas’
Saint-Pierre dormiu "Pequena Paris das Índias Ocidentais" e acordou "Pompeia das Antilhas". Foi na manhã de 8 de maio de 1902, quando uma erupção do Mont Pelée destruiu a então maior cidade da Martinica e uma das mais importantes de todo o Caribe. O desastre prendeu a cidade no passado e faz dela visita obrigatória na ilha.
A chegada a Saint-Pierre já é um bom cartão de visitas. Pela estrada litorânea N2, saindo de Le Carbet, há um mirante logo após o túnel de onde é possível ver as antigas construções, com a catedral em destaque, espremidas entre a praia de areia escura e o Mont Pelée. Quem chega pela N3, a antiga estrada que corta o interior, também tem uma vista privilegiada, com o mar em destaque.
Fundada em 1635 no litoral norte da ilha, Saint-Pierre cresceu graças a seu movimentado porto. Toda relação comercial com as ilhas vizinhas, como Domenica, Guadalupe e Santa Lúcia, era feita por ali. O dinheiro trouxe sofisticação, presente nas grandes construções, como o teatro, de 800 lugares, inspirado no de Bordeaux (sobraram apenas as escadas de acesso), e nos elaborados jardins. A força econômica também era simbolizada pelo Quartier du Figuier, um conjunto de prédios comerciais onde funcionava todo tipo de comércio, bancos, cafés e galpões. Disso tudo, não restaram mais que algumas paredes de pedra, mas ainda é possível subir da via litorânea à rua mais alta por suas escadarias.
Segundo relatos da época, a erupção que jogou cinzas, pedras e lava na cidade arrasou a pequena metrópole e matou seus 30 mil habitantes em poucos minutos. O desastre atingiu também as embarcações que estavam ancoradas em frente à cidade, afundando todas. O único sobrevivente foi um prisioneiro, conhecido como Cyparis. Trancado numa cela minúscula e isolada do resto da cadeia, ele teve apenas queimaduras superficiais e seu nome hoje em dia batiza um passeio realizado em uma espécie de trenzinho pelos pontos de interesse turístico da cidade, o Cyparis Express.
Toda essa história está documentada no pequeno mas eficiente Museu Frank A. Perret, com fotos tiradas antes e depois da tragédia, reproduções de jornais da época, material recolhido nas casas, relógios marcando as 8h, horário da erupção, e um sino gigantesco, totalmente retorcido, da antiga catedral, hoje restaurada. Perto do museu funcionam restaurantes com preços convidativos e há sempre barraquinhas vendendo artesanato. Sem falar no belo mirante, com uma pracinha que tem até canhões centenários, esquecidos como ferramentas antigas.
Além da destruição física, o desastre de 1902 esvaziou para sempre Saint-Pierre. As poucas pessoas que haviam deixado a cidade meses antes da erupção, quando outra de menor escala destruiu plantações no entorno, nunca mais voltaram para tentar reconstruir seus lares. Nem parentes das vítimas. Durante décadas, St. Pierre foi praticamente uma cidade fantasma, até que martinicanos mais pobres começaram a ocupá-la. Partes de construções parcialmente destruídas foram usadas para erguer novas casas e alguns espaços foram readaptados.
Hoje em dia a cidade tenta recuperar a importância de tempos passados. Está longe da época de glória, mas já há bastante movimento nas ruas. O mercado, que funciona diariamente em frente ao píer onde chegam barcos de turistas e pesqueiros, é uma boa opção para conhecer a Martinica como ela é. Há um certo charme na decadência de Saint-Pierre, nas casas antigas, com jeito de sobreviventes, mesmo que tenham sido construídas bem depois da erupção.
O lugar todo rende ótimas fotos, mas é bom saber que os insulanos em geral, e os mais velhos em particular, não são muito adeptos da fotografia. Muitos acreditam na crença local de que a câmera é um objeto de vudu. Outros simplesmente acham falta de educação tirar foto sem pedir autorização. Para evitar transtornos, sempre peça permissão antes de apontar a câmera para alguém.
Com tempo, um dos programas mais interessantes é caminhar pela Rue Abbé Gregoire. Batizada em homenagem ao padre abolicionista francês, a via é tomada por uma série de painéis que lembram a história da presença negra na ilha. A vida dos escravos é tratada desde o princípio, com a captura nas tribos natais na África, as viagens pelo Atlântico, o trabalho nas fazendas, os castigos, os levantes e finalmente a abolição, em 1848. Os painéis são compostos por traços e cores simples, mas bastante marcantes. Um desfecho perfeito para um mergulho na história da Martinica.
SERVIÇO:
COMO CHEGAR
De avião: Apenas uma empresa, a Air Caraïbes, voa do Brasil para a Martinica, com frequências às quartas e sextas-feiras, entre Belém e Fort-de-France, com escala em Caiena (Guiana Francesa). American Airlines (saindo de Nova York e Miami, via Porto Rico) e Air France (saindo de Paris e Miami) são as maiores companhias que chegam à Martinica.
ONDE COMER
Le Petibonum: O excêntrico chef Guy Ferdinand prepara pratos da culinária criola neste restaurante na praia de Le Carbet. petibonum@wanadoo.fr
Le Paradisio: Praia de Anse Michel, Cap Chevalier, Sainte-Anne. leparadisio@wanadoo.fr
Zandoli: Funciona no La Suite Villa. Route du Fort D’Arlet, Anse Mitan, Trois-Îlets. la-suite-villa.com
PASSEIOS
De catamarã: A Kata Mambo, na marina de Pointe du Bout, oferece passeios de avistamento de golfinhos e snorkel de dia inteiro, com com almoço e bebidas, a 78 euros por pessoa. kata.mambo@only-enterprise.fr
Museu Frank A. Perret: Aberto todos os dias, das 9h às 17h. Entrada: 3. Rue Victor Hugo, Saint-Pierre.
IDIOMA E MOEDA
O idioma oficial é o francês e a maior parte da população fala crioulo. São poucos os falantes de inglês, mesmo em restaurantes e no comércio. A moeda corrente é o euro, como na França, e nem todos os lugares aceitam dólares.
FEBRE AMARELA
Passageiros procedentes do Brasil devem apresentar o certificado internacional de vacina contra febre amarela.
DOCUMENTAÇÃO
Brasileiros não precisam de visto de entrada, apenas passaporte válido e seguro de viagem no valor mínimo de 30 mil euros, como é comum na Europa.
Eduardo Maia viajou a convite do Comitê de Turismo da Martinica e da Atout France

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