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3.11.2013

Consumo de sal e as doenças autoimunes

Células de defesa do corpo se tornaram agressivas quando expostas à substância em laboratório

Crescimento de males como esclerose múltipla, psoríase e artrite reumatoide pode estar relacionado ao aumento do consumo de industrializados


Consumo excessivo de sal pode estar ligado ao aumento de casos de doenças autoimunes
Foto: Alice Edward / Agência O Globo
Consumo excessivo de sal pode estar ligado ao aumento de casos de doenças autoimunes 
Um grupo de três estudos feitos por importantes pesquisadores de universidades americanas e instituições alemãs associaram o consumo excessivo de sal às doenças autoimunes. Em testes de laboratório, foi descoberto um gene que ativa a agressividade de uma célula de defesa do organismo chamada TH17, de acordo com o consumo de sal. Este glóbulo branco, ao agir de forma descontrolada, pode desencadear uma série de doenças autoimunes, entre as quais esclerose múltipla, artrite reumatoide, doença de Crohn, retocolite ulcerativa e psoríase.
Não à toa, sugerem os estudos, o aumento do número de diagnósticos de doenças autoimunes acompanha o crescimento do consumo de alimentos industrializados. É questão de saúde pública a carga extra de sal que alguns produtos ganham na sua formulação, quase sempre para prolongar a validade. Mas, até então, a maior ameaça trazida pela ingestão exagerada de sal era a hipertensão.
— É bastante surpreendente que a descoberta tenha sido sobre um elemento que está bem debaixo do nosso nariz — comenta Cláudio Ribeiro, imunologista do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio. — As reações imunológicas são resultado de um equilíbrio muito delicado e os estudos mostram que o consumo de sal deve ser um dos fatores a serem estudados daqui em diante.
Fator genético é indispensável
Assim como destaca Ribeiro, as pesquisas sobre o sal publicadas na revista “Nature” nem de longe podem explicar sozinhas por que as doenças autoimunes — em que o corpo reage inadequadamente contra ele mesmo — se manifestam. Tais males ocorrem, em primeiro lugar, por causa de características genéticas especiais. Apenas com o defeito no DNA que, depois, devido a uma série de fatores ambientais, o indivíduo pode desenvolver a doença. O sal, segundo concluem os pesquisadores, manifesta-se como mais um fator neste conjunto. De acordo com especialistas, há chances de que uma pessoa nunca manifeste os sintomas da doença mesmo com gene defeituoso, caso seja poupada de certas características do ambiente em que vive, seja um determinado alimento, o tabagismo ou o estresse, por exemplo.
— A maioria das doenças autoimunes funcionam como numa prova de salto em altura. Cada fator ambiental vai aumentar a altura do sarrafo, até que o saltador não consiga mais ultrapassá-lo — compara o reumatologista Luis Eduardo Coelho Andrade, professor da Universidade Federal de São Paulo. — Estudou-se muito até hoje sobre o que pode desencadear este tipo de doença, o que faz subir o sarrafo, mas ainda se sabe muito pouco. O estudo sobre o sal parece ser inédito, mas é bem preliminar.
Teste feito em camundongos
Na publicação feita pela “Nature”, os cientistas dizem que o gene ativado pelo consumo de sal é o SGK1. Hongkun Park, de Harvard, conseguiu identificar o gene depois de desenvolver um método de pesquisa em que pode isolar, um por um, o efeito de cada gene na produção das células TH17. Em conjunto com os departamentos de física e bioquímica da universidade americana, Park conseguiu desenvolver uma estrutura eletrônica, ligada a agulhas microscópicas feitas de silicone, capazes de perfurar as células sem danificá-las e identificar a função de cada gene.
Já Markus Kleinewietfeld, pesquisador das universidades americanas de Yale, Harvard e MIT e Dominik Müller, do Centro de Pesquisas e Experimentos Clínicos da Experimental (ECRC), com laboratório em Berlim, descobriram que o consumo exagerado de sal pode aumentar em até 10 vezes a ação nociva da célula TH17. A constatação veio a partir do cultivo da célula do sistema imunológico em laboratório.
Além disso, no teste feito em camundongos, a dieta com mais sal levou os roedores a desenvolverem uma forma mais voraz de uma doença autoimune semelhante à esclerose múltipla. A doença é conhecida pela reação inflamatória do corpo contra a bainha de mielina, um grupo de células do sistema nervoso que, se afetadas pela esclerose, começa a bloquear a comunicação dos neurônios.
Além da esclerose múltipla, Müller e seus colegas querem estudar os efeitos do sal na psoríase, doença autoimune conhecida pelas lesões causadas na pele. Jens Titze, da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha, que assina um três estudos, descobriu recentemente que a pele tem importância no armazenamento de sal no nosso corpo. Por isso, há o interesse em investigar como o consumo de sal pode fazer a psoríase se manifestar.
No Brasil, um acordo entre a Associação Brasileira da Indústrias de Alimentação e o Ministério da Saúde prevê metas de redução de sal para nove categorias de alimentos, que devem resultar na retirada de mais de 20 mil toneladas de sódio (sal) dos produtos até 2020, segundo anunciou o ministério no ano passado. Na dúvida, as autoridades sanitárias ganham mais um motivo para cortar o sal da mesa do brasileiro.

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