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6.03.2013

Riscos do ‘papo gordo’

  • Autodepreciação da imagem para agradar as amigas afeta meninas, não importa o que marca a balança

Problema pode não estar no tamanho da calça, mas na forma como meninas descrevem sua imagem para as amigas: ‘papo gordo’ é fator de risco para transtornos alimentares
Foto: Latinstock
Problema pode não estar no tamanho da calça, mas na forma como meninas descrevem sua imagem para as amigas: ‘papo gordo’ é fator de risco para transtornos alimentares Latinstock
O mal estar ronda qualquer rodinha feminina, página de rede social, ou mesmo a sua casa. Capaz de acometer 93% de um grupo de alunas de uma universidade do Centro-Oeste americano, o assunto é contagioso no contato social e tem potencial de ser mais frequente que a epidemia de obesidade: é o “papo gordo”, tradução livre do “fat talk”. Psicólogos que recebem meninas com transtornos alimentares e rejeição à própria imagem dizem que o “papo gordo” surge da necessidade de se integrar ao grupo de amigas, dilema tão comum na adolescência. Ocorre quando uma pessoa, na maioria das vezes menina, se autodeprecia apenas para não desagradar uma amiga insatisfeita com o próprio corpo.
Problema comum a gordas e magras
O problema é quando a garota passa a acreditar na distorção que faz da própria imagem para criar uma identidade que seja aceita por seus pares. Uma pesquisa da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, feita com 168 estudantes mulheres de uma faculdade de Illinois, mostrou que 93% delas praticavam o “papo gordo” em diferentes intensidades. No trabalho, publicado pela revista “Psychology of Women Quartely”, os autores transcrevem o diálogo padrão entre duas amigas esguias, mas contaminadas pelo autoflagelo moral:
“— Hum, me acho tão gorda!
— Tá falando sério? Você não está gorda!
— Estou. Repare nas minhas coxas.
— Então veja as minhas!
— Ah, por favor. Você é um palito!
— E você também.”
Para aliviar o desconforto da amiga, ela acaba por fazer uma depreciação das próprias coxas. Não há caminho mais rápido para aprofundar a amizade e se inserir no grupinho. Por outro lado, a solução fácil pode cobrar seu preço. Um outro estudo americano, desta vez da Universidade Notre Dame, entrevistou 139 estudantes do equivalente ao nosso Ensino médio e mediu a “aprovação” das meninas entre suas colegas. As gordinhas confiantes tendem a ser mais populares em comparação com as magrinhas que acham que as pernas devem se adaptar aos jeans da vitrine — e não que as calças têm que acompanhar o formato do corpo.
— Mulheres de todas as formas e tamanhos aderem ao “papo gordo”. Há consequências negativas para meninas e mulheres, não tem nada a ver com o peso do corpo — explica a psicóloga Alexandra Corning, do Departamento de Psicologia da Universidade Notre Dame. — Em experimentos, pesquisadores revelaram que o “papo gordo” faz que as mulheres sintam insatisfação exagerada com seus corpos.
Alexandra, que fez o estudo em parceria com a psicóloga Michaela Bucchianeri, conclui que o fato de as gordinhas confiantes terem tido melhor classificação é um sopro de esperança numa sociedade que valoriza a magreza e pode ajudar em políticas que previnam os transtornos alimentares.
Afinal de contas, ser magra e alta é o padrão de beleza das mais recentes gerações, e tal cultura é disseminada como se fosse a única beleza possível. A estudante Luisa Ferreira tem 12 anos e vive o início de sua adolescência de forma saudável: tem amigas, vai a festinhas, estuda e diz não ter problemas com seu corpo. Ela conta que o “papo gordo” é frequente, mas sem ter lido a pesquisa da Notre Dame, confirma que as magrinhas com mania de falar de dieta são de longe as chatas da turma:
— Uma colega mais velha é muito magra, mas se achava gorda e depois precisou de ajuda porque teve bulimia. Quase todo mundo reclama do tamanho da barriga, mas não estou nem aí — conta Luisa, que conta que na sala dela as meninas se identificam com o a beleza da atriz Bruna Marquezine, a namorada do Neymar.
Se as meninas não admiram o “papo gordo” mas não conseguem fugir dele, Joana de Novaes, coordenadora do Núcleo de doenças da Beleza da PUC-Rio, conta como quebrar essa corrente :
— Tem que mostrar ao jovem outros modelos de sucesso, que não sejam só os do corpo perfeito. Os jovens são mais suscetíveis e, na maioria das vezes, não têm pais que filtrem o discurso da ditadura da magreza, pois a geração deles tem a mesma mentalidade.
O psicólogo Adriano Segal, Diretor de Psiquiatria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, explica que, a depender da vulnerabilidade do jovem, esta espécie de bullying pessoal pode desencadear em depressão e transtorno do pânico:
— É remar contra uma tsunami vindo da mídia, colegas e médicos falando sobre a importância de ser magro. O corpo não é um objeto de consumo imediato, mas desde os anos 90, é esse o valor que se dissemina.
Para fugir do ‘papo gordo’
Modelos de sucesso
A psicóloga Joana de Novaes explica que os pais devem mostrar aos filhos exemplos de sucesso em outras áreas, como ciência e artes, e mostrar que são felizes mesmo sem acompanhar modelos de beleza.
Não ache que é bobagem
Joana acrescenta que os pais não devem achar que a menina fala bobagem ao dizer que se acha gorda, mesmo sendo magra. Tenha uma conversa mediada por um espelho, destacando partes do corpo que ela goste.
Atividades físicas prazerosas
Tente se engajar em levar os filhos para atividades físicas que sejam lúdicas e não as que estão associadas só com perda de peso.
Tome a iniciativa
A pesquisadora Michaela Bucchianeri explica que a menina deve se fazer três perguntas: Você se sente insegura e precisa do apoio de colegas?; Você se sente insatisfeita, de verdade, com seu corpo?; O “papo gordo” é simplesmente a regra no seu círculo social?
Se a resposta é sim para todas, buscar fazer atividades que realmente goste, mudar o foco e se concentrar naquilo que gosta do seu corpo, e ser sincera a ponto de dizer que falar de magreza lhe incomoda.

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