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4.21.2014

Medicamentos isentos de prescrição devem ser ingeridos com cautela


Anti-inflamatório para um incômodo no pé; analgésico para a dor de cabeça; antialérgico para afastar a rinite; antitérmico para abaixar a febre. É fato: milhares de pessoas mundo afora usam medicamentos cotidianamente para se livrar de um mal-estar. Sem orientação e sem receita médica. Muitos remédios oferecidos em farmácias, principalmente os que têm maior procura, não necessitam de prescrição e são comercializados à vontade. São os chamados medicamentos isentos de prescrição (MIPs) ou OTCs, na sigla em inglês para over the counter ou “sobre o balcão”. Ocorre que muitos desses produtos têm o poder de curar uma doença, assim como causar um problema. O perigo é que muitos consumidores não estão cientes disso e usam e abusam do fato de alguns produtos não precisarem de receita para adquiri-los, principalmente os analgésicos, e vão tomando o medicamento à revelia. O que muitos desconhecem é que esses podem causar lesões hepáticas ou gastrointestinais, resultantes da superdosagem ou do uso excessivo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, os MIPs são os aprovados pelas autoridades sanitárias para tratar sintomas e males menores, comercializados sem prescrição médica, devido à sua segurança e eficácia, desde que utilizados conforme as orientações disponíveis nas bulas e rotulagens. Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são medicamentos que podem ser adquiridos sem a receita. Esses medicamentos podem ser produzidos, distribuídos e vendidos com a intenção de serem usados para combater sintomas e algumas moléstias facilmente identificáveis por leigos.
Para a Anvisa, eles devem ter uma relação favorável entre benefício e risco; ser eficazes e seguros; ter a incidência de efeitos colaterais bem caracterizados; não devem apresentar problemas de interação medicamentosa, ou seja, não podem afetar a absorção e o metabolismo com o uso de outros medicamentos; não devem mascarar sintomas que possam impedir o diagnóstico e o tratamento adequado; e devem apresentar baixo grau de dependência e potencial de abuso. Além disso, sua propaganda tem veiculação liberada para o público em geral.
O gastroenterologista, cirurgião geral e professor assistente de cirurgia geral e do trauma da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro (SP), Silvio Gabor, alerta: “Muitos adultos supõem que, como os medicamentos isentos de prescrição não necessitam de receita médica, eles podem ser tomados casualmente, sem ao menos a leitura da bula. Mas, isso não é verdade. A ingestão inadequada e o abuso no uso desses medicamentos de venda livre podem resultar em hemorragia gastrointestinal ou insuficiência hepática, dependendo do princípio ativo do medicamento.”

Gabor esclarece que existe um número muito grande de efeitos colaterais nesse tipo de medicação. “É bom lembrar que nenhum medicamento é isento de efeitos colaterais ou reações adversas. Nem mesmo os chamados naturais, fitoterápicos ou homeopáticos. Mais comumente, encontramos alergias aos princípios ativos, como à dipirona, um medicamento sabidamente com elevado índice de reações alérgicas, de superficiais até o choque anafilático e a morte. Essa reação depende do usuário e não do medicamento. Sintomas gastrointestinais, como queimação, vômitos, alterações de hábito intestinal, entre outros, são encontrados com alguma frequência, porém sem causar grandes danos aos usuários. Alguns anti-inflamatórios, analgésicos e antiálgicos (que protegem contra dor), vendidos livremente, aumentam a possibilidade de sangramentos pelo aparelho digestório. Esses são só alguns exemplos de um sem número de efeitos colaterais e reações adversas dos MIPs”, cita o professor.

Breno Figueiredo Gomes, clínico geral do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, ressalta que todas as medicações podem causar efeitos colaterais, sem exceção, sendo algumas de maneira mais leve e imperceptível, e outras de forma mais grave, inclusive com risco de óbito. O médico esclarece que os maiores efeitos colaterais causados pelos MIPs são proporcionados pelo analgésico simples, como o paracetamol, e os antibióticos, como a amoxicilina e o clavulanato, que podem levar à hepatite medicamentosa grave, inclusive com necessidade de transplante hepático. Já os anti-inflamatórios podem causar insuficiência renal aguda (às vezes com necessidade de hemodiálise), sangramentos digestivos (gastrite e úlceras) e reações alérgicas.
Gomes acredita que toda medicação precisa ser indicada por um profissional que tenha conhecimento dos potenciais riscos e das condições de tratar qualquer complicação associada. “O custo/benefício de cada medicação deve ser sempre calculado antes da sua prescrição. Assim, a prescrição adequada para a causa específica com a dosagem certa do medicamento é imperiosa. A diferença do medicamento para o veneno é a dose”, alerta.
TUDO DEPENDE DA DOSE E DA SITUAÇÃO CLÍNICA
Victor de Barros Koehne, mestre em gastroenterologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sócio-titular das sociedades brasileiras de Hepatologia, Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva e preceptor da Clínica de Gastroenterologia do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte, explica que esses medicamentos são razoavelmente seguros se usados com indicação, dose e tempo corretos. “Tudo depende da dose, situação clínica e predisposição genética de quem os toma. Sabemos, por exemplo, que pacientes com dengue podem ter seus fenômenos hemorrágicos agravados pelo uso de ácido acetilsalicílico, devendo optar, nesses casos, pela dipirona ou pelo paracetamol. Esse último, contudo, pode causar graves problemas hepáticos se usado em doses altas (4g diários ou mais) dependendo do paciente, sendo mesmo usado em altas doses como forma de suicídio em alguns países. Sendo assim, mesmo os medicamos isentos de prescrição devem ser usados com moderação, pesando-se risco e benefício para cada caso.”
Gastroenterologista e cirurgião, Silvio Gabor alerta:"Ingestão inadequada e abuso no uso de medicamentos de venda livre podem resultar em problemas graves, dependendo do princípio ativo do medicamento"
Koehne esclarece que, tomando-se como grupos os anti-inflamatórios e o ácido acetilsalicílico, muito usados como analgésicos e antitérmicos, eles são responsáveis por milhares de casos de hemorragias digestivas, alergias e insuficiência renal em todo o mundo, contudo, não devem ser banidos por isso. “O mesmo ácido acetilsalicílico pode ajudar a prevenir inúmeros eventos cardiovasculares fatais, salvando outro tanto de vidas, não se cogitando assim sua proibição. Os anti-inflamatórios também têm papel muito importante em doenças reumatológicas, melhorando a qualidade de vida de muitas pessoas. Mais uma vez, tudo deve ser colocado na balança antes de fazer uso indiscriminado dos remédios.”
O que diz a lei
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip), os medicamentos isentos de prescrição (MIPs) foram mencionados pela primeira vez na legislação sanitária brasileira na Lei 5.991, de 17 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o controle sanitário de medicamentos. Em 2003, a Anvisa publicou a Resolução 138, de 29 de maio (republicada em 6 de janeiro de 2004), que é o principal regulamento dos MIPs. Baseada em critérios como índice terapêutico, toxicidade, legislações internacionais e a lista de medicamentos essenciais (Rename), a resolução estabelece quais medicamentos são considerados isentos de prescrição por meio da lista de Grupos e Indicações Terapêuticas Especificadas (GITE). Se um medicamento apresenta indicações que se enquadram dentro do GITE, ele será considerado um MIP.

Augusto Pio -
 Estado de Minas

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