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4.21.2014

Você confiaria nestes futuros médicos babacas que aplicam este tipo de trote?

‘Vivi os piores momentos da minha vida’, diz jovem sobre trotes

Luiz Fernando desistiu do curso na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Ele sofreu um trote brutal, passa por tratamento psicológico e ainda não conseguiu retomar os estudos.

Um jovem sofre um trote brutal na faculdade. A violência é tanta que ele foge dali, desiste do curso e volta para a cidade natal. Agora, ele recebe um comunicado da faculdade: precisa voltar urgentemente para ocupar a vaga. Mas o trauma é tão grande que ele não consegue retomar os estudos.
Hoje, protegido e longe do terror que viveu no primeiro dia do curso de medicina, Luiz Fernando mostra o rosto pela primeira vez. Vítima de trote violento, ele ficou um mês escondido com medo de ameaças e agressões.
“Chutes, garrafadas, chutes de pontapé. Muitas vezes alguém dava tapa quando eu estava andando”, conta Luiz Fernando.
Aos 22 anos, Luiz Fernando passou em um vestibular muito disputado. Órfão de pai, vive com a mãe e um irmão em uma cidade da periferia de Belo Horizonte. Ele tinha um sonho: “Queria fazer medicina porque eu tenho um irmão deficiente, queira ajudar ele a ter melhor condições de vida”, revela.
Entrou na respeitada Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. “Vivi os piores momentos da minha vida. Com o tempo fui percebendo que o sonho virou terror na minha vida. Tudo foi só sofrimento”, conta Luiz Fernando.
Luiz Fernando tem autismo, um transtorno que dificulta o convívio social. No caso dele, a doença tem um grau leve. “Então, ele é um autismo de alto funcionamento. É um rapaz muito inteligente, mas tem prejuízos na linguagem”, explica a pedagoga Ozana Leal.
O estudante foi morar sozinho em São José do Rio Preto. A vida dele parecia tranquila até o dia 18 de março: o dia da festa dos calouros.
A festa aconteceu em um clube, o Centro do Professorado Paulista, conhecido como CPP, que fica a 500 metros da faculdade de Medicina. Durou três dias, tinha música, muita bebida e momentos de agressão e humilhação dos calouros, que mesmo assim, tiveram que pagar, cada um, R$ 750 para participar da festa.
Luiz Fernando foi o único calouro que teve coragem de contar o que sofreu dentro do clube. “Eles entraram antes de a festa começar na sala e avisaram: ‘aqui a gente segue uma hierarquia e a gente apanhou há seis anos atrás. O povo do sexto ano da faculdade. Hoje é o dia de vocês apanharem, porque você são bichos da faculdade e vocês vão apanhar hoje para bater amanhã’”, lembra.
Lá dentro, o que deveria ser comemoração logo saiu do controle. “E quanto mais eles iam ficando embriagados, os veteranos, mais as coisas ficavam pesadas para o lado da gente. De ficar de joelho, levando a cerveja, a gente seria agredido, muitas vezes chutavam a gente. Eu fiquei com roxo na perna, fiquei com um machucado no lábio. Algumas vezes eles estavam tacando cerveja na gente, pegavam a garrafa de cerveja e batia na gente. E chegou uma situação em que eles pegaram a gente, colocaram, nus, cima de um palco. Eu já estava completamente passando mal, não estava aguentando. Fiquei pelado em cima do palco, com todo mundo olhando, junto com outros calouros também, homens. Enquanto isso eles tacavam copos de cerveja gelada no corpo da gente, com a gente morrendo de frio, tremendo muito. Depois que a gente desceu, eu comecei a reclamar que estava com frio, sentindo muito frio. Estava tremendo, passando muito mal. Levaram para um canto, tacaram de joelho no cimento e começaram a urinar, umas oito pessoas em volta de mim começaram a urinar em cima da minha cabeça”, conta Luiz Fernando.
Luiz Fernando conseguiu fugir da chácara da festa. Foi ajudado por um professor da faculdade. “A gente deduz que ele estivesse vindo do local de alguma festa de calouros que tinha ocorrido em um ambiente fora da instituição”, afirma o professor Kazuo Nagamine.
Durante os dias do trote, a turma de Luiz Fernando trocou mensagens de celular.
- Jogar refri de limão em cima de bolha de queimadura.
- Gente, eu não vou. Passei muito mal ontem. Não sei se aguentaria tudo de novo hoje.

E mostram o receio sobre os próximos dias.
- Hoje a gente morre de hipotermia.
- Vai ficar muito ruim 15 pessoas tomarem trote que era para 80.
- Eles, o sexto ano, matam a gente. Não sei o que eles podem fazer, mas é melhor não testá-los.

Luiz Fernando decidiu não ir ao segundo dia de trotes. E recebeu ameaças dos veteranos.
“’A gente sabe onde você mora. A gente tem o seu telefone. Ou você cancela a sua matrícula aqui ou a gente vai atrás de você e te mata agora’. Ameaçaram de morte. Foi uma ligação feita de um telefone público’”, conta.
Com medo, ele procurou a polícia para registrar as agressões e decidiu voltar para a casa da mãe, em Minas. “Já tinha achado que a minha vida tinha acabado. Eu estava em um apartamento, se eu não fosse embora naquele dia de madrugada do apartamento, eu ia me matar. Era o que eu estava pensando na hora”, conta.
O Ministério Público de Rio Preto quer acabar com a Lei do Silêncio que envolve os trotes violentos na faculdade de Medicina na cidade. Como a polícia não fez nada em relação às denúncias do estudante Luiz Fernando, um promotor entrou na história e quer agora que o caso seja investigado imediatamente.
“A expectativa é que as outras vítimas compareçam à delegacia e digam o que foi que houve, afirma o promotor José Heitor dos Santos.
“Instalamos uma comissão apuratória, comissão de sindicância para apurar os fatos. Nós sabemos que existem festas. Essa festa se deu fora dos muros da faculdade”, declara Dulcimar Donizete de Souza, diretor da faculdade.
“A faculdade, de uma forma ou de outra, é conivente com esse tipo, nem é trote isso, isso é tortura”, afirma Eupídio Donizete, advogado de Luiz Fernando.
Luiz Fernando quer ser transferido para outra faculdade. “Não tenho condição física nem psicológica de voltar para lá. Eu estou em tratamento, fazendo tratamento psicológico, estou tomando medicamento. Só consigo estudar, só consigo tocar a minha vida porque eu estou sendo medicado e com ajuda. E a faculdade me deu um prazo de 30 dias para voltar para lá”, diz.
Trotes violentos são frequentes no Brasil. Na internet, muitos vídeos mostram abusos cometidos contra os calouros. No da turma de 2013 do curso de direito da UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o conteúdo de uma garrafa que parece ser de vinagre é derramado no rosto dos novatos, que se protegem.
Na época, a comissão que organiza o trote publicou uma nota na internet: "tentamos evitar ao máximo que qualquer coisa acontecesse, tanto que liberávamos os calouros que não queriam mais beber ou que não queriam mais estar ali."
Em 2010, alunos da Fundação Educacional de Barretos, no interior de São Paulo, sofreram queimaduras ao serem pintados com tinta e creolina, um desinfetante corrosivo.
Em 2009, na Universidade Anhanguera Educacional da cidade de Leme, também em São Paulo, mais um exemplo de abuso. “Os calouros tiveram que passar por uma mistura de esterco e fezes de vários animais. E várias outras coisas”, diz uma testemunha.
A faculdade expulsou dois alunos e suspendeu sete.
O caso mais marcante dos absurdos cometidos nessas festas aconteceu em 1999, na Universidade de São Paulo. O calouro de medicina Edison Hsueh morreu afogado na piscina da Associação Atlética da Faculdade de Medicina da USP. O corpo foi encontrado no dia seguinte. Sete anos depois, o caso foi arquivado pelo Superior Tribunal de Justiça por falta de provas.
Além de expulsos da faculdade, veteranos que promovem trotes violentos podem ser presos e responder a crimes como injúria, que significa ofensa à dignidade da vítima, com pena mínima de um mês de cadeia; constrangimento ilegal, pena mínima três meses chegando a dois anos; e lesão corporal, também três meses de prisão, pelo menos.
Desde 1999, trotes violentos são proibidos por lei nas universidades públicas de São Paulo.
“Não vão ser esses monstros que vão destruir a minha vida, não. Lutei quatro anos para passar em uma faculdade. Não vai ser por causa de gente assim que vai acabar com o meu sonho, não. Eu estou disposto agora a lutar até o fim por justiça. Eu quero justiça”, afirma Luiz Fernando.

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