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5.15.2014

Dieta paleolítica: a volta aos alimentos do homem das cavernas

A nova moda é comer o que nossos ancestrais consumiam há dezenas de milhares de anos para emagrecer. Funciona?

FLÁVIA YURI OSHIMA E NATÁLIA SPINACÉ

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Num primeiro momento, a reação é de risos, seguida de incredulidade. Não raro, seguem-se comentários sobre as loucuras que as pessoas fazem para emagrecer. Alguns ficam extremamente curiosos, outros se espantam com tamanha bobagem e não querem prosseguir a conversa. Ninguém fica indiferente à forma de emagrecer mais falada do momento. A dieta paleolítica, ou dieta neandertal, ou, ainda, dieta dos homens da caverna propõe a volta da alimentação de nossos ancestrais, bem antes da agricultura, para evitar (ou curar!) diabetes, distúrbios metabólicos, problemas do coração, obesidade e perder peso –  muito peso.

Para justificar a viagem no tempo, afirmam que essa é a alimentação para a qual nosso organismo foi moldado por milhões de anos de evolução. As doenças são respostas do corpo ao excesso de carboidrato, açúcar e alimentos processados impostos pela dieta contemporânea, afirmam os neoneandertais.
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A máxima da dieta paleolítica é comer alimentos naturais de fonte animal e vegetal. O cardápio paleolítico inclui carne de qualquer tipo, legumes, verduras, tubérculos (como inhame e batata-doce, de preferência), frutas e nozes – estas com moderação. Estão excluídos quaisquer vegetais que cresçam dentro de vagens (feijão, soja, ervilha, amendoim), cereais (como milho, aveia e trigo), carboidratos de produtos processados e açúcar. Deve-se evitar cozinhar a temperaturas muito altas, com panelas diretamente no fogo. O recomendado são alimentos assados em fornos a, no máximo, 180 graus centígrados.  Há variações entre os páleos. Alguns permitem leite e derivados, ou bebidas alcoólicas, com moderação.

Só pela Marisol, ai em baixo, já vale a pena experimentar e dietinha paleolítica, só não vale arrastá-la pelos cabelos, é melhor carregá-la no colinho
 


A dieta paleolítica (Foto:  Marcos Lopes/ÉPOCA Produção: Felipe Monteiro  e Jairo Billafranca para  Studio Bee Produções  e Opa!Hair  Agradecimentos:  Breshow Fantasias )

Marisol Ramirez (Foto: ÉPOCA)
A turma dos neandertais radicais é minoria. A maior parte dos seguidores defende uma dieta paleolítica adaptada às características de cada um. “Recomendamos a retirada de feijão, soja e outras leguminosas, porque podem favorecer doenças autoimunes, como rinites ou psoríase, em quem tem propensão a elas”, diz o urologista gaúcho José Carlos Souto. Ele mantém um blog sobre o assunto e estuda a dieta há quatro anos. “Quem não apresenta problemas relacionados à imunidade e gosta muito de algum desses alimentos, pode manter.”

A febre está chegando ao Brasil. Quem a segue fica tão maravilhado que vira catequizador, com blog, fotos que mostram o corpo antes e depois e conselhos aos neófitos. Há até crianças entre os seguidores. Nos Estados Unidos, a tese angaria fãs (ou discípulos) há cerca de dez anos. Nos últimos cinco, com mais força. Os atores Matthew McConaughey, Megan Fox e Jessica Biel e a cantora Miley Cyrus (ex-Hanna Montana) estão entre os famosos que seguem a dieta. Não há um lugar que conte o número de seguidores. Mas o barulho em torno dessa moda dá uma ideia do tamanho. Na livraria on-line Amazon, há mais de 2 mil  títulos sobre a dieta paleolítica (a favor e contra). Há gurus com blogs incrementados, programas de treinamento e exercícios físicos (prepare-se para fugir de mastodontes imaginários), livros de receita, programas de cozinha na internet, além de uma revista, a Paleo Magazine, todos os meses nas bancas americanas.

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Os dois gurus multimídias com maior número de seguidores são os americanos Robb Wolf e Mark Sisson. Ambos são tolerantes com as adaptações de comida natural para o estilo de vida moderno. Para eles, ser “páleo”, como dizem, é um modo de vida, não só uma dieta. Afirmam que é essencial incluir um programa de exercícios físicos com a dieta, para ter o corpo tão malhado quanto acreditam que os homens das cavernas tinham. A atividade física segue a mesma filosofia ancestral. Imagine que, de uma hora para a outra, seja preciso escapar de um tigre-dentes-de-sabre faminto e feroz, sem nenhuma arma de fogo na área. Nada de longas caminhadas, que só servem para deixar você com fome, ou de uma hora de programas graduais de musculação. O segredo é intercalar picos breves de corrida com levantamento de peso e outros exercícios que exigem força (imagine-se levando sua caça de mais de 20 quilos para a caverna). Não é coincidência que muitos praticantes de crossfit, ou ginástica funcional, tenham aderido à dieta páleo. Essa modalidade de exercícios mistura picos aeróbicos com musculação pesada.

Foi o crossfit que transformou a professora de educação física Marisol Ramirez, de 37 anos, em seguidora da paleolítica. Marisol já se alimentava com produtos naturais e proteínas. Recorreu à dieta para melhorar seu desempenho no treino. Cortou os cereais. No lugar, entraram raízes, como batata e mandiocas. Aumentou a ingestão de carne vermelha e ovos. Diminuiu o consumo de frutas muito doces, como uvas e morangos. Feijão e lentilha foram reduzidos, mas não excluídos. “Conquistei um corpo mais saudável e mais preparado para treinar. Estou melhor que aos 30 anos”, diz.

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A dieta paleolítica alimenta-se, sobretudo, de observação empírica. Quase todos emagrecem – como ocorre com outras dietas que dispensam o carboidrato. Há depoimentos de quem parou de tomar insulina para o diabetes e de quem resolveu disfunções cardíacas.  Há até os que afirmam ter se livrado da doença de pele psoríase. A dieta se ampara em algumas pesquisas sobre os efeitos de tirar o açúcar e o carboidrato. Isso porque eles aumentam a produção de insulina, o hormônio ligado ao armazenamento de gordura no organismo. Muitas pesquisas atribuem à ingestão de carboidrato e açúcar a profusão de casos de diabetes e obesidade, entre outros problemas do metabolismo. Daí a popularização de um grande número de dietas com restrição desses alimentos nas últimas décadas. A páleo difere dessas outras dietas, como a preconizada nos anos 1960 pelo cardiologista americano Robert Atkins (que morreu de infarto aos 72 anos em 2002) e suas derivadas, por algumas características. A principal delas é eliminar produtos industrializados, açúcar e alimentos com glúten (como trigo). Outra diferença é que o número de calorias não conta. A gordura animal é  bem-vinda.

Eles dizem, sobretudo, que a gordura foi injustamente crucificada. No início da década de 1980, pesquisadores americanos compararam por nove anos 12 mil homens com tendência à hipertensão. Eles foram divididos em dois grupos. Um comia o mínimo de gordura. Para o outro a gordura era liberada. Nove anos depois, os dois grupos apresentavam níveis similares de pressão. Um dos maiores estudos feitos sobre dieta até hoje, o americano Women health initiative (WHI), de 1990, acompanhou 50 mil mulheres ao longo de nove anos. Metade delas seguiu uma dieta de baixo teor de gordura. Não houve melhora nos índices de colesterol em relação ao grupo que seguiu uma dieta normal.
 


Carla Mayumi (Foto: Estúdio Triz e arq. pessoal)
Desde 2007, foram feitos quatro levantamentos estritamente sobre a dieta páleo em comparação a outras. Neles, os grupos que a seguiram obtiveram resultados melhores.  Uma delas, feita em 2009 e publicada na revista científica britânica Nutrition & Metabolism, liderada pelo médico Goransson  Lindeberg, comparou os efeitos da páleo aos da dieta recomendada para pacientes com diabetes tipo 2 – que ocorre em adultos e tem origem em hábitos de vida. Um grupo encarou um cardápio com poucos alimentos de origem animal, muitas frutas, legumes, verduras, pães integrais, cereais e laticínios desnatados. Treze pacientes comeram essa dieta por três meses. Outros 13 seguiram a páleo. Os grupos inverteram as dietas por mais três meses. A receita primitiva resultou em maior perda de peso, diminuição do diâmetro da cintura e queda nas taxas de pressão sanguínea, colesterol e triglicérides.

A primeira tentativa de restabelecer os hábitos neandertais surgiu no artigo publicado na revista americana New England Journal of Medicine, em 1985. Nele, os médicos Boyd Eaton e Melvin Konner defendiam a nutrição paleolítica. Naquela versão, ela consistia em comer somente alimentos disponíveis antes do surgimento da agricultura (cerca de 10 mil anos a.C.). Proposta bem mais radical que a adotada hoje pelos atuais seguidores. O artigo não teve grande repercussão fora do ambiente acadêmico. A popularização da dieta se deu mesmo há cerca de cinco anos nos Estados Unidos.

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A internet e as redes sociais foram responsáveis pela volta do cardápio das cavernas. Alguns livros incentivam o registro em fotos do abdome de perfil, para que os seguidores da dieta percebam e documentem a mudança rápida em sua aparência. Isso serve como motivação para seguir o plano. Publicadas em redes sociais e blogs, as fotos ajudam a dieta a conquistar mais público. Outro motivo é cultural. A páleo vem na esteira de mais de três décadas de dietas que mostram que retirar o carboidrato e o açúcar é bom negócio para quem quer emagrecer.

O analista de sistema Hilton Bruno de Souza, de 37 anos, sofreu um acidente no mar, que o levou a operar o ombro duas vezes. Parou de se exercitar e engordou 15 quilos. Quando leu na internet sobre a dieta, ficou desconfiado. “A ideia de ingerir uma quantidade grande de gordura assusta”, diz. “Decidi fazer a dieta por dois meses e refazer meus exames de sangue. Se piorassem, eu pararia com o regime.” Em dois meses, Hilton viu sua barriga e as taxas de glicose e colesterol diminuírem. Ele passou a comer proteína animal em todas as refeições. Aboliu grãos e açúcar. Levou sete meses para  Hilton perder 15 quilos. Há quatro meses, ele faz caminhadas e treinamento funcional. Criou um diário na web sobre sua dieta.
 


Famosos que se agarraram ao tacape (Foto: CHR/The Grosby  Group (2), Kevin Mazur/WireImage e AKM Images/GSI Media)
Carla Mayumi Ishii também conheceu a dieta pela internet, e procurou acompanhamento médico antes de adotá-la. Com 1,59 metro de altura, Carla pesava 80 quilos. Resolveu aderir depois que as dietas indicadas por nutricionistas, recheadas de grãos integrais e produtos light, não surtiram efeito. Recebeu a orientação do médico José Carlos Souto. Hoje, come nata batida com óleo de coco no café da manhã. No almoço, salada com alguma carne gordurosa, como cupim ou costela. No jantar,  salada acompanhada de omelete. Em seis meses, perdeu 25 quilos. Diz que a dieta lhe trouxe mais saúde. “Parei de tomar remédios para dormir, minha menstruação ficou regulada, e as crises de enxaqueca sumiram”, diz. Sua filha de 5 anos, Melissa Emiko Ishii, também sofria com a balança. Pesava 35 quilos com 1,18 metro de altura. A menina tinha altas taxas de colesterol. Carla procurou orientação para a filha entrar na mesma dieta. “Para ela, a dieta é mais leve e tem exceções”, diz. Melissa passou a comer mais proteínas e diminuiu o consumo de carboidratos. No lugar dos doces, entraram frutas. “Em poucos meses, ela emagreceu 6 quilos, e seu colesterol baixou”, diz Carla.
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Não faltam críticas à dieta neandertal. Os argumentos vão desde o princípio em si, passando por cada uma das restrições, até o aumento da gordura de proteína animal. Considerar que nosso metabolismo não se adaptou a novos alimentos é quase como passar uma borracha em Charles Darwin e sua teoria da evolução.  Os exemplos de adaptação do organismo passam pelo aumento do número de enzimas específicas para a digestão de alimentos como laticínios e grãos e pela diferença entre o tipo de carne que comemos hoje e o de nossos antepassados. Os animais antigamente se alimentavam de plantas e viviam soltos. A carne de hoje vem de bichos que ingerem rações feitas de grãos, vivem confinados e tomam medicamentos. “As mudanças na carne são uma boa razão para considerarmos que ingerir carne da forma s como o homem das cavernas fazia não teria o mesmo efeito hoje”, diz Loren Cordain, do Departamento de Ciência da Universidade do Colorado. 

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Médicos dizem que essa dieta não é indicada para quem já tem índices altos de colesterol. De acordo com a Associação Americana do Coração, uma dieta rica em gordura tende a aumentar drasticamente os níveis de colesterol e eleva o risco de doenças cardíacas. “O estilo de vida da era paleolítica era outro. O homem fazia muito mais esforço físico, e isso justificava uma alimentação rica em gordura”, afirma Mário Kedhi Carra, presidente da área de obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia.
 


Hilton Bruno (Foto: Rodrigo Lima / Nitro/ÉPOCA,  Leo Drumond/Nitro/ÉPOCA e arq. pessoal)
Outro ponto de discórdia é a ausência de grãos. Sem eles, o funcionamento do intestino fica prejudicado. Uma pesquisa da Universidade de Granada, na Espanha, constatou que o consumo regular de grãos integrais reduz entre 20% e 30% as chances de ter diabetes tipo 2  e câncer de intestino. Outro estudo, da Faculdade de Medicina de Harvard, concluiu que a ingestão de grãos integrais colabora para a prevenção de doenças cardíacas, pois suas fibras  contribuem para baixar o colesterol.
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Não há ainda pesquisas sobre a dieta páleo que demonstrem que ela faz mal a quem não tenha problemas prévios relacionados à alimentação. Isso não quer dizer que essa dieta não tenha nenhum efeito negativo. Apenas que eles podem ainda não ter sido identificados. “Ainda é cedo para termos uma pesquisa de amostragem confiável, com milhares de pessoas acompanhadas por anos”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, da Associação de Estudo da Obesidade (Abeso). “Ainda é difícil fazer afirmações contundentes contra ou a favor dessa dieta.”

Num ponto, todos os médicos concordam: qualquer mudança alimentar que exclua grupos alimentares inteiros, como a paleolítica, pede acompanhamento médico. A quantidade de gordura de alguém que consome muita carne pode subir em até 30%. É importante acompanhar os níveis de colesterol a cada três meses. “O preço de se arriscar numa dieta radical, com consequências ainda desconhecidas, é ficar vigilante”, diz Giovanna Medina, médica do esporte do instituto Vita de São Paulo. Se você quiser voltar às cavernas, melhor levar seu médico junto.
 


DORES DE CABEÇA A professora  Fernanda  não aguentou a enxaqueca (Foto: Leo Drumond/Nitro/ÉPOCA)
"Não funcionou comigo"
A professora Fernanda Colcerniani, de 30 anos, conheceu a dieta paleolítica por meio de um amigo. As informações vieram de um grupo do Facebook. Ela chegou a pedir a opinião de uma amiga nutricionista, que a desaconselhou a cortar os carboidratos do cardápio. “Ainda assim, quis tentar”, diz. Depois de trocar os carboidratos por mais carnes na alimentação diária, passou a ter crises de enxaqueca e tontura. Segundo os seguidores da dieta páleo, são sintomas comuns nas primeiras semanas de adaptação. “Persisti por um mês e meio”, afirma. Fernanda emagreceu 5 quilos. A perda de peso não foi suficiente para fazê-la seguir com o novo cardápio. “As crises de enxaqueca continuaram.” Fernanda flexibilizou a dieta. Só manteve o hábito de comer menos carboidratos e mais proteína. Depois, desistiu. Exames de sangue posteriores revelaram um aumento na taxa de colesterol.
 


Na trilha dos homens das cavernas (Foto: ÉPOCA)
 



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