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6.22.2014

O perigoso caminho do ódio


Debate pautado pela raiva, xingamentos e divisão entre pobres e ricos prejudicam o debate político e afastam ainda mais o eleitor da campanha presidencial

Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)

É natural que partidos e candidatos testem os limites da campanha eleitoral antes de seu início. Explorar o debate em torno de temas que mais cativam o eleitorado ajuda os marqueteiros a calibrarem a estratégia para a disputa nas urnas em outubro. Seria razoável, portanto, uma discussão ampla em torno das tantas demandas sociais reivindicadas pelas ruas desde junho de 2013. Mas o que se vê até agora é um embate agressivo apoiado em argumentos rasteiros e pautado pelo ódio, com acusações e xingamentos mútuos. No equívoco de tomar o desejo geral de mudança pelas vaias e xingamentos à presidenta Dilma Rousseff na abertura da Copa, PT e PSDB passaram a jogar literalmente para a torcida. Sequestram o necessário debate em torno de planos concretos de governo e se arriscam num jogo que não convence o eleitor.

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"A elite brasileira está conseguindo fazer o que nós
nunca conseguimos: despertar o ódio de classes"
Luiz Inácio Lula da Silva

O vale-tudo começou no submundo da internet, viralizou pelas redes sociais afora até desembarcar nos estádios... e nos palanques. No fim de semana passado, dois atos partidários sintetizaram essa campanha do ódio: a convenção nacional do PSDB, que confirmou Aécio Neves como candidato à Presidência, no sábado 14, e a convenção estadual do PT, no dia seguinte, que oficializou o nome de Alexandre Padilha na corrida pelo governo de São Paulo. No evento petista, o ex-presidente Lula aproveitou o clima para apostar em dividir o País ideologicamente: “A elite brasileira está conseguindo fazer o que nós nunca conseguimos: despertar o ódio de classes”. Na convenção tucana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elevou o tom.“Não queremos mais os corruptos, os ladrões que ficam empulhando o Estado. Esses nós não queremos”, bradou, para um coro eufórico de cinco mil militantes. Além de Aécio e FHC, discursaram o ex-governador José Serra e o presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força, que no dia 1º de maio – Dia do Trabalhador – disse que Dilma deveria estar no presídio da Papuda em Brasília com os demais condenados do mensalão. “Vamos enfrentar um governo que o povo nem vaia mais, esculhamba, como aconteceu no jogo do Brasil”, declarou na convenção tucana.

No domingo, no ato de apoio a Padilha, o ex-presidente Lula acusou os adversários de semearem o ódio e alegou que a presidenta Dilma Rousseff é vítima do preconceito de uma elite conservadora. “Se em 2002 fizemos uma campanha da esperança contra o medo, agora é a da esperança contra o ódio”, disse, em referência ao slogan da campanha que o levou ao poder. Para o ex-presidente, essa será uma campanha perigosa, com “boa dosagem de debate ideológico”. “Não será uma simples campanha de quem vai fazer mais metrô, mais ponte, mais médicos”, afirmou. O candidato do PSB, Eduardo Campos, considerado a terceira via na polarização entre tucanos e petistas, também não poupou o governo. Chamou os petistas de “raposas que já roubaram o que tinham para roubar”. O socialista tinha sido uma das primeiras vítimas da campanha do ódio, ao ser chamado de “playboy mimado” em texto publicado na página oficial do PT.
Após a troca de ofensas, Aécio pôs panos quentes, mas criticou o PT por resgatar a velha cantilena da luta de classes. “Não vamos cair nessa armadilha do debate que apequena a política, do nós contra eles, da disputa de classes”, disse. E divulgou nota em nome da Executiva Nacional do PSDB conclamando a militância a não responder às ameaças e agressões. Para o presidenciável, os petistas “tentam atribuir a uma ‘elite conservadora’ o desejo de mudança” e ignoram “que cerca de 70% dos brasileiros ouvidos pelas pesquisas de opinião exigem uma nova maneira de governar”. “A perspectiva de perder o poder está levando o PT a aumentar a agressividade e a intolerância no seu discurso, apostando cada vez mais na divisão do País”, concluiu.

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"Não queremos mais os corruptos, os ladrões que ficam
empulhando o Estado. Esses nós não queremos" diz
Fernando Henrique Cardoso, como se o PSDB não tivesse também  envolvido com a corrupção em São Paulo e o mensalão mineiro.

É de se notar que discursos feitos para a militância em eventos partidários tendem a alcançar um tom de agressividade maior do que os dirigidos à população em geral. O governo, na toada que vem adotando nos últimos meses, culpa a grande mídia por extravasar o palavrório partidário para o resto da sociedade – como se fosse possível simplesmente desconhecer as ofensas. Já a oposição acha que a responsabilidade é da militância virtual, incentivada a propalar o ódio pelos candidatos e sua entourage. Ao ponderar sobre as vaias à Dilma no Itaquerão, dizendo que não vieram apenas “da elite branca”, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, reiterou o argumento petista. Disse que o governo tem sofrido uma “pancadaria diária” na imprensa. “Essa história de que somos um bando de aventureiros que veio aqui para se locupletar pegou na classe média, na elite, e vai descendo, porque não conseguimos fazer contraponto.”

Carvalho ecoou argumentos usados pelo vice-presidente do PT, Alberto Cantalice. Em texto com pinta de peça acusatória, publicado no site do partido, chamou colunistas de diferentes veículos de comunicação de “profetas do apocalipse”, “arautos do caos” e “pit bulls”. “Suas pregações estimulam setores reacionários e exclusivistas da sociedade a maldizer os pobres. São contra as cotas sociais e raciais, as reservas de vagas para negros nos serviços públicos, as demarcações de terras indígenas, o Bolsa Família, o Prouni e tudo mais”, acusou. O petista coordena as redes sociais do partido. É justamente no ambiente da internet que os ataques recíprocos ganham volume, por meio da circulação de notícias falsas, boatos, vídeos com paródias e ofensas de ambos os lados, alimentando um ciclo vicioso que empobrece o debate e decepciona o eleitor.

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"No Itaquerão não tinha só elite branca, não. No metrô vi muito
moleque que não tinha nada a ver com elite branca gritando palavrão"
Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência

Na quinta-feira 19, pesquisa CNI/Ibope indicou nova queda na popularidade de Dilma, de 36% para 31%. A consulta foi feita entre os dias 13 e 15, depois das vaias e dos xingamentos no Itaquerão. Dos entrevistados, 39% votariam na presidenta, enquanto 21% apoiariam Aécio Neves e 10% o pernambucano Eduardo Campos (PSB). A pesquisa confirmou ainda o grande número de indecisos. Votos brancos e nulos somados aos que não sabem ou não responderam atingem 21% e 30%, no primeiro e no segundo turno, respectivamente. Esse índice, porém, pode aumentar em consequência da campanha do ódio. Especialistas garantem que a radicalização afasta o eleitor do processo eleitoral. “Essa disseminação do ódio mútuo e a polarização excessiva entre certo e errado não colaboram com o debate político e afastam o eleitor”, avalia o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP. Concorda com ele o sociólogo Aldo Fornazieri, ligado ao PT. “O eleitor quer saber quem vai resolver o seu problema, e não ficar entre as trocas de acusações”, diz.

O cientista político Gaudêncio Torquato, da USP, acha que o eleitor não cai mais nas fórmulas batidas pelos marqueteiros, especialmente no campo petista, que insiste em polarizar ricos e pobres, nós e eles. “Esse é um discurso do passado”, afirma. Ele lembra que o mesmo PT que acusa o PSDB de disseminar o ódio, também incentivou o ódio como arma política ao longo de sua história. “Lula tenta recuperar o apoio das massas, pois percebe que a oposição, especialmente os tucanos, tem chances reais de vencer em outubro”, afirma. David Fleischer, professor da UnB, corrobora a avaliação de Torquato. “A campanha está se tornando cada vez mais polêmica, porque o Aécio está estacionado nas pesquisas”, afirma. “Isso vai incrementar ainda mais o ódio do PT e ao PT.”

Com reportagem de Ludimilla Amaral
Fotos: Juliana Knobel/Frame; Marlene Bergamo/Folhapress

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