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3.02.2015

Solitários ainda que juntos

O primeiro livro escrito por Sherry Turkle, uma senhora de 66 anos, foi um ensaio sobre a psicanálise francesa após Lacan. Americana, passara o fim dos anos 1960 e o início dos 70 em Paris, onde respirou o ar de mudanças intensas. Nada, naquele início de sua trajetória acadêmica, parecia sugerir que dedicaria tanto de sua vida à tecnologia. E, no entanto, foi parar em uma das duas mecas digitais americanas. Não o Vale do Silício, mas o Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT), no outro lado do país. Seu segundo livro, lançado em 1984, já falava da relação entre pessoas e computadores. Turkle foi capa da “Wired”, a bíblia da cultura digital. Foi a socióloga e psicóloga que veio à frente de todos os outros para estudar, desde cedo, esta nova e ainda mais intensa mudança.
Recentemente, Sherry Turkle começou a ter dúvidas.
O título de seu último livro: “Alone, Together”. Numa tradução livre, “Solitários ainda que juntos”. A professora do MIT não se tornou uma ludita, alguém intolerante a novas tecnologias. Tem o último iPhone e seu escritório na universidade é semelhante ao de todos seus colegas: cheio de cacarecos eletrônicos novos e velhos. Ela se interessa pelas possibilidades do convívio futuro com robôs. Mas acredita que temos um problema que começa com um dado: o número de acidentes envolvendo crianças pequenas, nos parques americanos, aumentou. Seus pais estão distraídos com o celular.
O argumento não passa pelos arranhões ou braços quebrados mas pelo que estamos ensinando a nossos filhos. Solitários, ainda que juntos: todos à mesa, cada um com os olhos em sua própria tela. Crianças fazem hoje o que sempre fizeram no passado. Buscam imitar os adultos, têm fascínio por aquilo que nos atrai. Mas, conforme as máquinas começam a dominar mais a atenção das crianças, menos elas convivem com outras pessoas.
Brincar com argila, com blocos de montar ou com tinta ensina muito. As possibilidades de arranjo são infinitas, qualquer coisa pode sair dali. Sozinhas, crianças se concentram, calam-se dentro de si mesmas, imersas numa experiência lúdica e lenta na qual aprendem alguns pontos fundamentais sobre a experiência humana. É deste silêncio absorto que nasce compreensão a respeito de si mesmo e, daí, criatividade. Os joguinhos no celular promovem o oposto, são nervosos. Exigem constante interação, mobilizam o cérebro para reflexos ágeis, calam o silêncio.
No passo seguinte, das redes sociais, a promessa é mais tentadora. Seduz crianças mais velhas assim como adultos. Estamos, parece, sempre juntos. On-line, nos fabricamos: somos aquilo que desejamos ser. Construímos uma identidade ideal e convivemos com as identidades ideais dos outros. Conforme as relações via redes se tornam compulsivas, a ilusão de companhia nos torna em verdade mais solitários. E está aí um paradoxo: na infância, deveríamos sozinhos aprender sobre como é ser gente; na idade adulta, passamos a substituir verdadeira companhia por sua ilusão.
Chegamos em casa à noite e, cada um com sua tela, nos afastamos de quem nos deveria ser mais próximo.
A palavra chave é compulsão. O mundo digital está ocupando os momentos de reflexão. À fila do banco, na sala de espera do dentista, sacamos a máquina e calamos nossas mentes.
Não olhem para mim: sou igualmente culpado. E a professora Turkle já está escrevendo um livro novo. É sobre a arte da conversa.


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