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5.03.2015

Radiografia do crime no Rio

 

Na hierarquia da violência, Chapadão é o novo Alemão

Ponto de migração de traficantes, região é temida por bairros vizinhos e até a polícia tem dificuldade para entrar

GABRIEL SABÓIA
Rio - Barricadas de fogo nos principais acessos e tiros vindos do alto, de labirintos inacessíveis para veículos blindados, recepcionam policiais militares em incursões ao Complexo do Chapadão, na Zona Norte. Considerado o ‘quartel-general’ do Comando Vermelho (CV) por autoridades de Segurança Pública, e porto seguro para traficantes egressos de várias favelas ocupadas pela polícia, o conjunto de 24 favelas tem hoje para os criminosos o papel estratégico que já pertenceu ao Complexo do Alemão.
Pelas migrações de traficantes, o Chapadão já dá sinais do excesso de mão de obra a serviço do crime. A partilha do lucro faz com que os ganhos já não sejam os mesmos. Com isso, bairros do entorno e cidades próximas, na Baixada Fluminense, sofrem com roubos de cargas e veículos, que complementam a renda de traficantes dispostos a espalhar o terror entre moradores do asfalto. 

Foto:  Arte: O Dia

Seu posicionamento ‘privilegiado’ entre as Avenidas Brasil, Monsenhor Félix e a proximidade com as Vias Light e Dutra — que liga a região à Baixada Fluminense —, favorece o movimento de entrada e saída de entorpecentes e os grandes saques. Comandante do 41º BPM (Irajá), o tenente-coronel Antônio Marcos dos Santos afirma ter no resgate de veículos roubados uma de suas prioridades e reconhece que trabalha no “local mais crítico do Brasil.” 
“A maioria dos carros roubados no Rio e na Baixada é encontrada no Chapadão. Muitos veículos, mesmo monitorados por GPS, uma vez lá dentro, não são mais resgatados. A geografia do local dificulta incursões. Com becos estreitos, construções verticais e áreas de mata, o acesso se torna impossível. Crescem também os índices de assaltos à mão armada nos bairros Irajá, Guadalupe e Pavuna”, reconhece o comandante. 
E se drogas e os produtos roubados entram com facilidade na região, armas também podem ser encontradas com fartura por lá. Entre fuzis e granadas, o batalhão é o segundo colocado no quesito apreensões de material bélico, só ficando atrás do 14º BPM (Bangu). As 22 armas recuperadas este ano não chegam nem perto do que abriga o local, apontado como o principal paiol do Rio atualmente.
FB,, Marcinho VP, Claudinho da Mineira, Binho do Engenho e Fu da Mineira
Foto:  Reprodução
“Não acessamos localidades como o Final Feliz, Parque Esperança e Gogó da Ema. Como podemos acreditar que atingimos números realmente combativos ao crime?”, desabafa um policial lotado no 41º BPM. “Esse aqui é o batalhão da tensão constante”, conclui.
Traficante preso ainda dá as cartas 
De acordo com policiais da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), no topo da hierarquia da favela, ainda se encontra Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP. Preso na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR) desde 2008, ele ainda daria as cartas na região, segundo a polícia. Seu homem forte por lá, Fabiano Atanásio da Silva, o FB, também encontra-se preso em presídio federal. 
Atualmente, as ordens para combate partem de Robson de Aguiar Oliveira, o Binho do Engenho, e Ricardo Chaves de Castro Lima, o Fú da Mineira. Ambos chegaram ao Chapadão após a pacificação do Complexo do Lins e comunidades do Centro. O Disque-Denúncia (2252-1177) oferece recompensa por informações que levem a eles.
Polícia foca trabalho na retirada de barricadas e prisão do bando
A captura dos principais chefes do tráfico ainda parece distante para quem vivencia o terror diário no Complexo do Chapadão. Trilhos de trem concretados no chão, com pneus incandescentes à sua volta, recepcionam policiais. Os veículos blindados fream, mas os PMs não conseguem fazer a retirada das barricadas, por conta da alta temperatura. Muitas vezes, são obrigados a recuar pela ‘chuva de tiros’. 
Em abril, moradores queimaram cinco ônibus na Estrada Rio do Pau em represália à morte de um jovem no Chapadão, durante confronto
Foto:  Carlos Eduardo Cardoso / Agência O Dia
O alerta aos traficantes é, de acordo com o comandante, dado por mototaxistas coniventes. “Focamos os trabalhos, atualmente, na retirada total das barricadas, apreensão de motos irregulares e roubadas, além da identificação dos ‘olheiros’”, explica. Na última terça-feira, 32 motos irregulares foram aprendidas. O local virou um uma espécie de ‘pouso tranquilo’ para criminosos.
“Vários traficantes da Baixada e de comunidades ocupadas do Rio exercem o comando de pontos altos do Chapadão. Poucos são aqueles do Comando Vermelho que não têm casa na região, atualmente”, confirma um agente da Dcod. 
Além de tirar a paz da comunidade, traficantes ainda se valem de armas para ocupar outros pontos, inclusive no asfalto. Um exemplo disso é o conjunto residencial Village Pavuna, onde criminosos armados vendem drogas e transitam sem se preocupar com a possibilidade de serem presos. Moradores contam que são obrigados a conviver com a venda de entorpecentes na porta de casa e que têm medo até de sair. “Não posso nem mais receber uma visita”, contou um morador que pensa em mudar, mas não consegue comprador para seu apartamento.
Rotina de tiros, roubos e medo para a população 
O anúncio de implantação de Unidades de Política Pacificadora (UPPs) nos Complexos do Chapadão e da Pedreira, feito na última semana pelo secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame — ainda sem data ainda definida — é o sonho antigo de moradores de bairros como Guadalupe, Irajá, Acari, Costa Barros, Barros Filho, Pavuna e Anchieta. 
A rotina de tiroteios e roubos nas ruas próximas apavora a população e empresários da região. Entre 16 de janeiro e 23 de fevereiro, a disputa entre traficantes do CV e Amigos dos Amigos (ADA) pelo Morro do Juramento, fechou comércio e escolas locais várias vezes. 
Roubos são as queixas mais recebidas pelo Disque-Denúncia (2253-1177). Os registros de veículos abandonados continuam no topo do ranking das denúncias, confirmando a informação da polícia de que o local é o destino final da maioria dos carros roubados no Grande Rio.
Em seguida, os saques à veículos de carga se destacam. Peculiarmente, no Chapadão aportam os grandes lotes de caminhões contendo refrigerantes, cervejas, carnes e frango. As mercadorias são usadas como pagamento à donos de comércios que contribuem com o tráfico. Já no vizinho Morro da Pedreira, são encontradas cargas de cigarros, medicamentos e eletromédicos. 
Empresas de frete e logística localizadas na Rodovia Presidente Dutra, temem a proximidade com o conjunto de favelas e a Pavuna. Apesar da escolta dobrada, em muitos casos, os assaltos são invevitáveis. A Polícia Civil investiga a colaboração de funcionários das empresas com informações privilegiadas à criminalidade. 
Segundo o 41º BPM (Irajá), de dezembro até 29 de abril, foram 27 presos, além de 10 mortos por intervenção policial. O batalhão é responsável pelo patrulhamento de 46 quilômetros quadrados, 32 favelas, e a segurança de 600 mil moradores da região. As investigações esbarram na dificuldade de acesso: “Para entrar no Chapadão, é necessário um grande aparato. Fica difícil surpreender a criminalidade”, explica o comandante.

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