Com Mendonça Filho, ministério sinaliza para privatização na educação
Trabalhadores do setor veem com "surpresa e preocupação" indicação do parlamentar do DEM para comando do MEC
por Tiago Pereira, da RBA
Câmara dos Deputados
Mendonça Filho: afinidades com entidades privadas e setores empresariais
"O ponto mais preocupante de tudo isso é a diminuição dos recursos para a Educação", afirma o presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), João Ferreira de Oliveira, em referência à proposta de desvinculação de recursos orçamentários para a área, constante do programa oficioso do PMDB "Uma ponte para o futuro", desobrigando estados e municípios, bem como a União, a cumprirem com percentuais mínimos em gastos como a Educação, como determina a Constituição.
Representantes de importantes entidades que atuam na formulação de políticas públicas para a Educação dizem que a nomeação de Mendonça Filho para o ministério da Educação sinaliza um viés privatizante a ser adotado nos próximos anos, com o enfraquecimento da proposta inclusiva que vinha sendo adotada até então, com programas como o Fies, o ProUni e a expansão das universidades federais. A meta de aplicação dos 10% do PIB no ensino público a ser alcançada em 2024, conforme definição do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, também deve ficar ainda mais distante.
Heleno Araújo, pernambucano como o novo ministro, destaca que durante a gestão do governador Jarbas Vasconcelos, com Mendonça Filho como vice, e mais especificamente em 2005, quando Jarbas sai do governo para se candidatar ao Senado, e Mendonça assumiu o governo, ganhou força o processo de privatização das escolas estaduais do estado, projeto "experimental" que alcançou 14 unidades e depois foi alterado e expandido por Eduardo Campos.
Iniciador dessa experiência que envolvia parceria com a iniciativa privada, o Ginásio Pernambucano, um dos maiores e mais tradicionais colégios de Recife, que recebia em torno de 2.200 alunos até então, passou por reforma financiada por empresas como a Philips e o EuroBank, e reabriu atendendo a apenas 300 alunos. Os outros 1.900 alunos foram "reorganizados" e transferidos para outras unidades.
Para Heleno, o caso é ilustrativo do tipo de política de Educação acreditada por Mendonça Filho, de "políticas focalizadas" e "atendimento restrito". Além de reformar as unidades, as empresas privadas reunidas no Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) indicavam os gestores e selecionavam os alunos. Além de apresentar resultados questionáveis do ponto do desempenho, a implementação das 14 "escolas experimentais" mascarava a realidade das mais 1.200 escolas do estado, em condições muito piores de infraestrutura.
Para João Ferreira (Anpae), a tendência é que entidades privadas como a Fundação Lehman e o Instituto Ayrton Senna passem a ter maior protagonismo na gestão da Educação. Ou ainda, como ocorre em Goiás, estado natal de Ferreira, em que a administração de uma parte das escolas públicas deverá ficar a cargo de organizações sociais, modelo amplamente em voga na administração dos hospitais por todo o país.
"A tendência é fortalecer a presença de setores e entidades privadas na condução e realização efetiva de programas, o que seria uma espécie de privatização da educação, com o enfraquecimento da educação pública", diz.
Ferreira afirma que essa orientação traz impactos negativos que vão desde a formação de professores, currículos, sistema de avaliação, além do próprio padrão de gestão das escolas. "A gente estava num processo de construção social em que a educação estava assumindo um protagonismo, com ampliação de recursos, de metas, de desenvolvimento da sociedade. Isso tudo tende a ser abortado", diz o presidente da Anpae.
Sobre as propostas de adoção de um modelo de bonificação atrelado ao desempenho dos professores, João Ferreira aponta contradição, e diz que, em vez de tal modelo "meritocrático", o caminho para a valorização da carreira do magistério passa, dentre outras coisas, pela aplicação da Lei do Piso Nacional dos Professores.
Com a carreira cada vez menos atrativa, por conta dos baixos salários e da falta de condições adequadas de trabalho, a Anpae alerta para o risco de um "apagão" na formação de professores, ainda mais no momento em que a Emenda Constitucional 59/09 passa a garantir a obrigatoriedade do ensino para crianças e jovens de 4 a 17 anos.
"Precisamos urgentemente de um crescimento da formação dos professores para atender à demanda da educação infantil e do ensino médio. É uma carreira que precisa se tornar interessante, senão o país não tem futuro. Isso não se resolve com bônus, se resolve com salário digno que torne a profissão mais atraente. O professor não funciona assim. Ele trabalha engajado, num projeto coletivo da escola. Precisa ser valorizado não por bônus, mas por salário e condições de trabalho. Escola não é empresa. É outra coisa", detalha João Ferreira.
O coordenador do FNE comenta que, durante as Conferências Nacionais de Educação, ocorridas em 2010 e 2014, os debates e deliberações apontavam para a necessidade de ampliação dos recursos para a educação, com o aumento da vinculação de impostos e contribuições. "Aí vem o PMDB propor a desvinculação desses recursos, na contramão daquilo que foi apontado em amplo debate nacional", destaca Heleno.
O documento final da Conferência realizada em 2014 apontava para a necessidade de aumentar os gastos obrigatórios da União, que passaria de 18% para 25%, e de estados e municípios, de 25% para 30%. João Ferreira lembra que foi justamente um parlamentar do PMDB o autor da emenda constitucional que determinava os gastos mínimos de cada ente federado.
Heleno Araújo frisa ainda que, no ano em que assumiu o governo de Pernambuco, Mendonça Filho nem sequer cumpriu a obrigação constitucional e terminou o ano de 2006 com gastos de 24,67%, segundo dados do Tribunal de Contas. Ele lembra ainda que o DEM se opôs de maneira sistemática a políticas de democratização do acesso ao ensino superior, como o ProUni, o Fies e a política de cotas.
Os especialistas também temem que a falta de diálogo com o novo ministério possa enfraquecer iniciativas como o Fórum Nacional de Educação e as conferências da área, com etapas de organização prévia e conferências municipais e estaduais que se iniciam neste ano, com vistas à realização da Conferência Nacional de Educação em 2018.
"Infelizmente, temos uma elite que não só quer ganhar mais, mas quer impedir que outros passem a ter direitos. Pessoas que têm muito, mas que não basta ter. Também querem impedir que o outro tenha. O mundo viu, durante a votação (que aprovou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados), como é a postura dessas pessoas que pensam só no privado. Não pensam no público, apesar de assumirem um cargo em que juraram defender a Constituição Federal e o povo, mas, na verdade, a sua atuação é bem privada", diz Heleno
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