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12.05.2016

"Investigadores da Lava Jato estão agindo como lobistas"

Cientista político diz que a figura de "justiceiro", defendida em manifestações, enfraquece a democracia

5 dez 2016 
Cientista político critica "ativismo político" do Judiciário e diz que a figura de "justiceiro", defendida em manifestações, enfraquece a democracia e flerta com grupos que pedem intervenção militar. Milhares de pessoas protestaram neste domingo (04/12) em defesa da Operação Lava Jato e contra o pacote de medidas anticorrupção que tramita no Congresso. Vestidos de verde e amarelo, manifestantes lotaram as ruas de mais de 200 cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, para defender, abertamente, o Judiciário.
Ato em apoio à Operação Lava Jato no Rio de Janeiro
Ato em apoio à Operação Lava Jato no Rio de Janeiro
Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil
Em entrevista à DW Brasil, o cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva (Nepac), da Unicamp, Wagner de Melo Romão criticou o "ativismo político" do Judiciário e a figura de "justiceiro", muito defendida nos protestos de domingo.
Para Romão, a crise na relação entre Legislativo e Judiciário só enfraquece a democracia brasileira. "O ativismo político do Judiciário, apoiado pelas manifestações das ruas, pode agravar o cenário já ruim de instabilidade do Brasil."
DW Brasil: Como o senhor avalia as manifestações deste domingo?
Wagner de Melo Romão: Apesar de as manifestações do último domingo terem sido muito menos expressivas do que as que antecederam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, elas foram capazes de recolocar na cena pública o anseio da população pelo fim da corrupção, vista por muitos como o grande mal do país. A atual crise política está afetando a forma como as instituições políticas do Brasil se relacionam.
As manifestações de domingo estiveram muito comprometidas não apenas com a continuidade das investigações da Operação Lava Jato, mas também com a imagem de "justiceiro" do poder Judiciário. Este "justiceiro" corre o risco de passar por cima de garantias constitucionais para conquistar seus objetivos. O Brasil vive um período político muito difícil. Há uma tendência de reduzir a situação a uma simples luta de justiceiros contra os corruptos, mas a realidade brasileira é muito mais complexa que isso.
Que objetivos seriam esses?
Ao participar do jogo da barganha da política, o Judiciário passa a agir como um ator político qualquer em busca de seus próprios interesses. Os investigadores da Lava Jato estão se portando como lobistas em relação ao Legislativo. No contexto das investigações envolvendo políticos, o Judiciário corre o risco de não julgar os processos com objetividade, mas de maneira parcial. Isso é muito prejudicial ao processo democrático. Os investigadores deveriam se manter no seu devido lugar institucional. Eles acabam colocando em risco a própria legitimidade da Lava Jato. É absurdo, por exemplo, ameaçarem a renúncia às investigações (caso as mudanças do projeto sejam sancionadas). Eles estão colocando uma faca no pescoço do Congresso Nacional. E não precisam disso.
O novo projeto de lei anticorrupção fere a Constituição?
Muitas das mudanças aprovadas pela Câmara no projeto de lei anticorrupção foram para salvaguardar direitos constitucionais de defesa. Parte das propostas originais da campanha Dez Medidas contra a Corrupção fere o direito constitucional de defesa e o Estado de Direito. Por exemplo, o texto original permitia que provas ilícitas pudessem ser usadas em julgamento. Isso é um desrespeito.
O combate à corrupção é importante, desde que não agrida o Estado democrático de Direito. Não é porque houve mais de 2 milhões de assinaturas em apoio a essas medidas que elas não podem receber críticas dos representantes eleitos - por pior que, infelizmente, eles sejam. A grande discussão que deveria estar sendo feita na sociedade, no momento, é como combater a corrupção sem ferir os direitos de defesa, garantidos pela Constituição.
Qual é o perfil de quem foi às manifestações no domingo?
É um perfil muito próximo do de quem foi às manifestações pró-impeachment e anti-PT. Não acredito que havia uma pluralidade ideológica entre os participantes dos protestos de domingo. São pessoas que entendem que a corrupção é o grande mal do país e que devem estar ao lado do Judiciário nesta grande cruzada anticorrupção.
O que as recentes manifestações tiveram de diferente em relação às passadas?
No âmbito do processo do impeachment havia um sentimento mais ou menos generalizado de que o PT e o governo da ex-presidente Dilma deveriam ser tirados de cena por estarem envolvidos em casos de corrupção. O que ficou evidenciado nos acontecimentos seguintes é que o próprio processo de impeachment estava relacionado à uma tentativa de sobrevivência de atores políticos importantes, que já estavam presentes no governo Dilma e que se mantiveram sob a liderança de Temer. Há uma desconfiança entre os brasileiros sobre quem, afinal, está no governo agora. Diante desse cenário confuso, era de se esperar que os grupos que foram às manifestações se conectassem mais diretamente ao Judiciário.
Nos últimos anos, o Judiciário vem se colocando como um ator político. Nessas últimas semanas vimos isso acontecer com ainda mais força. A maior parte da população que foi às manifestações acabou tomando partido do poder Judiciário, como se fosse o único ator político relevante capaz de "salvar o país da corrupção". Por outro lado, não houve a clareza entre os manifestantes sobre qual caminho deve ser seguido na cena política brasileira. A manifestação estava sem um norte, sem uma pauta definida. Não havia uma pauta "fora Temer", como já houve "fora Dilma". Há uma certa confusão sobre o que deve ser feito na continuidade do processo político hoje. A única certeza desses grupos que foram às ruas no domingo é que eles devem estar ao lado dos investigadores da Lava Jato, custe o que custar.
Isso é ruim?
Muito ruim. O Judiciário tem que se pautar pelo que está previsto na Constituição e não tentar modificá-la. Nesse sentido, ele acaba flertando com grupos mais radicais, como aqueles que pedem intervenção militar. Essa conexão foi claramente percebida nas manifestações de domingo. Entre o clamor por um Judiciário "justiceiro" e aqueles que pedem uma intervenção militar há uma relação de certa cumplicidade. É como se um ator externo ao processo ao político, como o Judiciário ou as Forças Armadas, tivesse que intervir para solucionar problemas que instituições políticas brasileiras não conseguem resolver sozinhas. Isso é extremamente perigoso.
Quais seriam os impactos desse "ativismo político" do Judiciário?
Acho irrealista considerar que possa haver, de fato, uma intervenção das Forças Armadas no sistema político. No entanto, esse ativismo político do Judiciário, apoiado pelas manifestações das ruas, pode agravar o cenário já ruim de instabilidade do Brasil. Os membros do Judiciário, especialmente os que lideram as investigações da Lava Jato, precisam ser mais responsáveis para que a situação brasileira não se agrave ainda mais.
As manifestações de domingo podem ganhar força como as passadas?
A temperatura política continua alta. Foi uma manifestação que já havia sido convocada por alguns grupos, mas foi vitaminada pelos acontecimentos da semana passada (como a aprovação do projeto de lei anticorrupção). Elas não foram tão fortes como poderiam ter sido. Ao meu ver, justamente em decorrência dessa desconfiança generalizada diante do cenário político atual. Os brasileiros estão preferindo esperar para ver o que vai acontecer. Embora o presidente Michel Temer seja impopular, não há uma agenda política muito clara, entre a população, sobre o que fazer em relação ao governo do PMDB. O apelo fácil do combate à corrupção acaba sendo uma ferramenta política importante nas mãos do Judiciário. O quadro político ainda está muito indefinido e pode provocar mais manifestações, ou não.

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