O governo Bolsonaro já escolheu heróis e vilões no enredo que contará à população para tentar aprovar a reforma da Previdência. Na narrativa oficial, os militares são os “mocinhos” vulneráveis que precisam ser protegidos e poupados, merecendo, assim, regras à parte (prometidas para daqui a 30 dias).
Por André Cintra
Nos números "oficiais", militares respondem por 47,7% dos R$ 90 bilhões de déficit previdenciário do setor público
Já o trabalhador rural e, sobretudo, o servidor público despontam como os verdadeiros inimigos da Previdência – e, por isso, serão cada vez mais demonizados na propaganda do governo. Essa trama, porém, não se sustenta.
Vamos supor que os números divulgados pelo governo sejam 100% fidedignos e que, nesse sentido, haja mesmo um “rombo” na Previdência Social. Se essa frágil premissa for a principal base para a reforma – conforme alega a gestão Bolsonaro e sugere a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência –, os militares emergem como o primeiro segmento a demandar sacrifícios.
Em janeiro, a BBC Brasil foi atrás dos números “oficiais” para dimensionar o peso das aposentadorias militares nas contas públicas. A reportagem é uma prova cabal de que, caso o governo pense mesmo em combater privilégios, abusos e superaposentadorias, não há como fugir dessa categoria em especial. Vejamos:
Tais dados confirmam que não existe reforma da Previdência coerente e harmoniosa, visando combater privilégios, se a situação dos militares não for enfrentada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, projeta uma economia superior a R$ 1 trilhão em dez anos com as mudanças propostas. Ora, quanto se poderia economizar se o rigor da reforma de Bolsonaro fosse igualmente aplicado aos militares?
Os "vilões"
Na ponta oposta, servidores e trabalhadores rurais são apontados como o fardo da Previdência, a ser vilanizado, atacado e vencido com a reforma. Se a proposta de Guedes e Bolsonaro for aprovada, o tempo mínimo de contribuição ao INSS será de 20 anos. Porém, para os funcionários públicos (federais, estaduais e municipais), o tempo mínimo será de 25 anos.
A aposentadoria integral ficará cada vez mais restrita, sobretudo para quem ingressou no serviço público depois de 2003. Além disso, a reforma deixará uma brecha para elevar a 14% (e, em alguns casos, a 22%) as alíquotas de contribuição dos servidores (ativos e inativos). Em São Paulo (SP), onde a reforma da Previdência da gestão Bruno Covas (PSDB) foi sancionada neste ano, o índice já passou a 14%, podendo chegar a 19%. É como se o trabalhador fosse castigado por ter feito concurso público e virado servidor.
O trabalhador rural é outro contribuinte especialmente atingido – e ridicularizado – com a PEC da Previdência. Embora no campo as condições de trabalho sejam mais duras – e a expectativa de vida, menor –, a reforma proposta por Bolsonaro dificulta e praticamente inviabiliza a aposentadoria desses trabalhadores.
Diferentemente do regime geral, a idade mínima para os trabalhadores rurais será a mesma para homens e mulheres, Agora, qualquer pessoa do campo só poderá se aposentar com ao menos 60 anos de idade e 20 anos de contribuição. Para piorar, o governo extingue um dos principais benefícios para esse segmento – o tempo mínimo de atividade rural, que protegia quem trabalhava por anos a fio na informalidade.
No conto de fadas da gestão Bolsonaro, servidores públicos e os trabalhadores rurais é que precisam pagar uma cota maior de sacrifício. Ao se acovardar e excluir os militares de sua nefasta reforma da Previdência, o presidente acabou por criminalizar outras categorias. As perversidades se proliferam no texto da PEC, com o claro objetivo de retardar ou até suspender o direito à aposentadoria.
De positivo, a apresentação da reforma ao Congresso, nesta terça-feira (20), só teve uma coisa: escancarar as contradições e as mentiras do governo, dando ainda mais argumentos aos que lutam em defesa dos trabalhadores e da aposentadoria.
Vamos supor que os números divulgados pelo governo sejam 100% fidedignos e que, nesse sentido, haja mesmo um “rombo” na Previdência Social. Se essa frágil premissa for a principal base para a reforma – conforme alega a gestão Bolsonaro e sugere a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência –, os militares emergem como o primeiro segmento a demandar sacrifícios.
Em janeiro, a BBC Brasil foi atrás dos números “oficiais” para dimensionar o peso das aposentadorias militares nas contas públicas. A reportagem é uma prova cabal de que, caso o governo pense mesmo em combater privilégios, abusos e superaposentadorias, não há como fugir dessa categoria em especial. Vejamos:
- “Entre 2017 e 2018, o déficit de gastos com seguridade social dos militares fora da ativa subiu mais que o do INSS e mais que o sistema de servidores públicos, de acordo com dados oficiais. O rombo com a aposentadoria dos militares foi de R$ 35,9 bilhões para R$ 40,54 bilhões (até novembro de 2018), um aumento de 12,5%. Enquanto isso, o déficit do INSS cresceu 7,4% entre 2017 e 2018, e o dos funcionário públicos da União cresceu 5,22% no mesmo período”
- “O déficit [com a aposentadoria dos militares] para 2019 está projetado em R$ 43,3 bilhões, de acordo com dados da proposta orçamentária para esse ano. Esse valor é 47,7% dos R$ 90 bilhões de déficit previdenciário do setor público”
- “Oficialmente militares não se aposentam, eles passam para a reserva. A média de valores das aposentadorias e os tetos também são diferentes. Militares reformados e da reserva ganham em média R$ 13,7 mil por mês. Funcionários públicos da União ganham em média R$ 9 mil e quem se aposenta pelo INSS custa em média R$ 1,8 mil por mês para a previdência – com grandes discrepâncias entre quem recebe mais e quem recebe menos”
- “Na Previdência Social, para trabalhadores do setor privado, o teto atual da aposentadoria é de R$ 5.645. Já um militar que vai para a reserva não possui um limite máximo para os valores recebidos. Em tese, ele está sujeito ao teto constitucional, equivalente ao salário de ministros do STF, reajustado recentemente para R$ 39,3 mil”
- “O entendimento jurídico que se tem em relação à saída dos militares da ativa, hoje, é que eles na verdade não se aposentam – passam para a reserva e, a partir de certa idade, são reformados (...). Então, o que o militar recebe tecnicamente não é entendido como um benefício previdenciário, é entendido como um salário – mesmo que na prática ele esteja inativo. Por isso, os militares na ativa não fazem contribuições para suas aposentadorias, apenas para pensões, que vão para dependentes em caso de infortúnios. Na prática, o que acontece é que toda a sociedade está pagando pela aposentadoria dos militares”
- “A contribuição de um civil para o INSS é de 11% do salário bruto. Já a única contribuição feita por militares, para pensões, é de 7,5% – que pode subir para 9% se o militar tiver ingressado antes de 2001 e quiser manter o benefício de pensão vitalícia para filhas não casadas. Só o Exército tinha, no início do ano, mais de 67.600 filhas de militares recebendo um total de R$ 407 milhões por mês – o que dá um valor de mais de R$ 5 bilhões por ano”
- “A legislação atual permite que os militares brasileiros se aposentem com salário integral após 30 anos de serviço, sem idade mínima. No setor público a idade mínima é de 55 anos para mulheres e 60 para homens (...). Em um relatório de 2017, o TCU (Tribunal de Contas da União) afirma que mais da metade (55%) dos membros das Forças Armadas no Brasil se aposentam entre os 45 e os 50 anos de idade”
- “O déficit [com a aposentadoria dos militares] para 2019 está projetado em R$ 43,3 bilhões, de acordo com dados da proposta orçamentária para esse ano. Esse valor é 47,7% dos R$ 90 bilhões de déficit previdenciário do setor público”
- “Oficialmente militares não se aposentam, eles passam para a reserva. A média de valores das aposentadorias e os tetos também são diferentes. Militares reformados e da reserva ganham em média R$ 13,7 mil por mês. Funcionários públicos da União ganham em média R$ 9 mil e quem se aposenta pelo INSS custa em média R$ 1,8 mil por mês para a previdência – com grandes discrepâncias entre quem recebe mais e quem recebe menos”
- “Na Previdência Social, para trabalhadores do setor privado, o teto atual da aposentadoria é de R$ 5.645. Já um militar que vai para a reserva não possui um limite máximo para os valores recebidos. Em tese, ele está sujeito ao teto constitucional, equivalente ao salário de ministros do STF, reajustado recentemente para R$ 39,3 mil”
- “O entendimento jurídico que se tem em relação à saída dos militares da ativa, hoje, é que eles na verdade não se aposentam – passam para a reserva e, a partir de certa idade, são reformados (...). Então, o que o militar recebe tecnicamente não é entendido como um benefício previdenciário, é entendido como um salário – mesmo que na prática ele esteja inativo. Por isso, os militares na ativa não fazem contribuições para suas aposentadorias, apenas para pensões, que vão para dependentes em caso de infortúnios. Na prática, o que acontece é que toda a sociedade está pagando pela aposentadoria dos militares”
- “A contribuição de um civil para o INSS é de 11% do salário bruto. Já a única contribuição feita por militares, para pensões, é de 7,5% – que pode subir para 9% se o militar tiver ingressado antes de 2001 e quiser manter o benefício de pensão vitalícia para filhas não casadas. Só o Exército tinha, no início do ano, mais de 67.600 filhas de militares recebendo um total de R$ 407 milhões por mês – o que dá um valor de mais de R$ 5 bilhões por ano”
- “A legislação atual permite que os militares brasileiros se aposentem com salário integral após 30 anos de serviço, sem idade mínima. No setor público a idade mínima é de 55 anos para mulheres e 60 para homens (...). Em um relatório de 2017, o TCU (Tribunal de Contas da União) afirma que mais da metade (55%) dos membros das Forças Armadas no Brasil se aposentam entre os 45 e os 50 anos de idade”
Tais dados confirmam que não existe reforma da Previdência coerente e harmoniosa, visando combater privilégios, se a situação dos militares não for enfrentada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, projeta uma economia superior a R$ 1 trilhão em dez anos com as mudanças propostas. Ora, quanto se poderia economizar se o rigor da reforma de Bolsonaro fosse igualmente aplicado aos militares?
Os "vilões"
Na ponta oposta, servidores e trabalhadores rurais são apontados como o fardo da Previdência, a ser vilanizado, atacado e vencido com a reforma. Se a proposta de Guedes e Bolsonaro for aprovada, o tempo mínimo de contribuição ao INSS será de 20 anos. Porém, para os funcionários públicos (federais, estaduais e municipais), o tempo mínimo será de 25 anos.
A aposentadoria integral ficará cada vez mais restrita, sobretudo para quem ingressou no serviço público depois de 2003. Além disso, a reforma deixará uma brecha para elevar a 14% (e, em alguns casos, a 22%) as alíquotas de contribuição dos servidores (ativos e inativos). Em São Paulo (SP), onde a reforma da Previdência da gestão Bruno Covas (PSDB) foi sancionada neste ano, o índice já passou a 14%, podendo chegar a 19%. É como se o trabalhador fosse castigado por ter feito concurso público e virado servidor.
O trabalhador rural é outro contribuinte especialmente atingido – e ridicularizado – com a PEC da Previdência. Embora no campo as condições de trabalho sejam mais duras – e a expectativa de vida, menor –, a reforma proposta por Bolsonaro dificulta e praticamente inviabiliza a aposentadoria desses trabalhadores.
Diferentemente do regime geral, a idade mínima para os trabalhadores rurais será a mesma para homens e mulheres, Agora, qualquer pessoa do campo só poderá se aposentar com ao menos 60 anos de idade e 20 anos de contribuição. Para piorar, o governo extingue um dos principais benefícios para esse segmento – o tempo mínimo de atividade rural, que protegia quem trabalhava por anos a fio na informalidade.
No conto de fadas da gestão Bolsonaro, servidores públicos e os trabalhadores rurais é que precisam pagar uma cota maior de sacrifício. Ao se acovardar e excluir os militares de sua nefasta reforma da Previdência, o presidente acabou por criminalizar outras categorias. As perversidades se proliferam no texto da PEC, com o claro objetivo de retardar ou até suspender o direito à aposentadoria.
De positivo, a apresentação da reforma ao Congresso, nesta terça-feira (20), só teve uma coisa: escancarar as contradições e as mentiras do governo, dando ainda mais argumentos aos que lutam em defesa dos trabalhadores e da aposentadoria.
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