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10.01.2014

Uma nova geração de drag queens


Jovens da Zona Sul carioca se montam para sair à noite. Eles usam salto alto, peruca, maquiagem e estão dispostos a desafiar preconceitos


ANA LUIZA CARDOSO

Duas versões: Gabriel de La Torre e Pandora Yume (Foto: Montagem sobre fotos de Stefano Martini/ÉPOCA)
Há um ano, o designer carioca Gabriel de La Torre, de 24 anos, gasta horas de seus fins de semana preparando-se para sair à noite. Troca suas roupas masculinas por vestidos e perucas. Capricha na maquiagem que aprendeu a fazer assistindo canais de beleza no Youtube. Combina o makeup em estilo gótico com a barba grande e com os pelos corporais – diferente da geração de jovens másculos e musculosos, ele tem horror à depilação. Na hora de escolher as roupas, se inspira na pin-up Bettie Page e em Elvira, do filme Elvira, a rainha das trevas. Admira a sensualidade e ironia da personagem.
“Ela é sexy, mas não é submissa ou inferiorizada. Sabe o que faz”, diz, enquanto acaricia a gata Milk, no seu apartamento em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Gabriel, assim como alguns de seus amigos, jovens gays de classe média da Zona Sul carioca, faz parte de uma nova geração de drag queens. Elas saíram do circuito alternativo e fazem sucesso em baladas, programas de televisão e redes sociais - embora o Facebook tenha ameaçado deletar usuários que usam nomes falsos, como as drag queens, sempre conhecidas pelos apelidos e codinomes.
O comportamento dos jovens cariocas faz parte de um movimento global de inclusão e aceitação das drag queens em meios que antes elas não participavam. No reality show da norte-americana Ru Paul, RuPaul’s Drag Race14 drags disputam US$ 100 mil e um “suprimento gigantesco de maquiagem”. A austríaca Conchita Wurst virou sensação com seu visual mulher fatal barbada  e venceu o Festival Eurovisão da Canção em 2014. No Brasil, Deena Love virou trending topic no Twitter depois de sua aparição na estreia do programa The Voice. No horário nobre, o ator Ailton Graça interpreta Xana Summer na novela Império. 
“As pessoas acham que queremos ser mulher. Claro que não. Drag é uma personificação do feminino”, diz Gabriel, em tom cansado, como se repetisse muitas vezes a mesma explicação. Sua mãe, a jornalista Liliana de La Torre, de 49 anos, apoia o filho. Tira fotos e admira sua capacidade de andar num salto de quase 20 centímetros. “As pessoas têm que ser felizes e isso independe das roupas que estão vestindo”, diz.
“Existem homens femininos e mulheres masculinas. A mulher pode sair de barba e o homem de cabelos longos. Ser drag queen é querer descaracterizar-se da vestimenta e aparência por algumas horas ou o tempo todo”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
 

O designer carioca Gabriel de La Torre, de 24 anos, se transforma em Pandora Yume (Foto: Stefano Martini/ÉPOCA)
Conhecido como Pandora Yume nas baladas no Rio de Janeiro, Gabriel faz o estilo drag-gótica-andrógina: sua maquiagem é carregada em tons de preto; as roupas são criações de amigos estilistas. É engajado: organiza um evento sobre descaracterização de gênero chamado Drag Attack, estampa pôsteres de divulgação de festas na cidade e quer que seu estilo de vida seja conhecido por mais pessoas. Para isso, participará da webserie Drag-se, com outras nove drags queens cariocas, criado pela produtora Bia Medeiros, de 26 anos. A ideia do programa é mostrar a rotina dos rapazes entre 18 e 26 anos que criaram coragem para sair de casa de salto e maquiagem. Bia lançou a campanha no site Catarse para arrecadar os R$ 20 mil necessários para finalizar o documentário.
O funcionário público Daniel Barroso, de 26 anos, também está no documentário. Ele conversou com ÉPOCA enquanto se exercitava – vai à academia todos os dias, tem o corpo musculoso, levanta peso e joga vôlei.  “Tirando minhas roupas de mulher, só tenho roupas esportivas. Sou uma drag queen saradona, meio panicat”, diz, em tom de galhofa, referindo-se aos corpos malhados das dançarinas de palco do programa Pânico na Band.
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Dois anos atrás, Daniel e amigos se vestiram de mulher para brincar no carnaval carioca. Ele gostou da experiência. Usava roupas de Mulher Maravilha e outras inspiradas nas cantoras Kate Perry e Jessie Jay. Com o tempo, cansou de imitações e criou a sua própria personagem: Chloe Tambourine.
“É uma drag extrovertida e extravagante. Eu não consigo parar de ser drag. Às vezes vou montado à padaria, ao supermercado. Algumas pessoas ficam chocadas, mas a maioria acha legal”, diz. “Sempre alguém me elogia e fala que eu tenho um corpão”.
Chloe tem 1, 82 metros e usa sapatos com quinze centímetros de salto. Tem mais de 400 amigos no Facebook e carrega a péssima reputação entre as drags de demorar demais para se arrumar. São mais de três horas para preparar o cabelo, maquiagem e escolher a roupa. Gosta de perucas coloridas. Usa roupas feitas pela irmã, a designer Marcela Barroso, de 25 anos.
Empolgada com a caracterização do irmão, Marcela também criou um personagem para sair à noite. Nos finais de semana se transforma numa drag meio mística que curte astrologia chamada Sirena Signus. “Ela me transformou, hoje sou muito mais desinibida”, diz. Como diz a rainha RuPaul: “Nós nascemos pelados, o resto é drag”

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