Jovens da Zona Sul carioca se montam para sair à noite. Eles usam salto alto, peruca, maquiagem e estão dispostos a desafiar preconceitos
ANA LUIZA CARDOSO
Há um ano, o designer carioca Gabriel de La Torre, de 24 anos, gasta
horas de seus fins de semana preparando-se para sair à noite. Troca suas
roupas masculinas por vestidos e perucas. Capricha na maquiagem que
aprendeu a fazer assistindo canais de beleza no Youtube. Combina o
makeup em estilo gótico com a barba grande e com os pelos corporais –
diferente da geração de jovens másculos e musculosos, ele tem horror à
depilação. Na hora de escolher as roupas, se inspira na pin-up Bettie
Page e em Elvira, do filme Elvira, a rainha das trevas. Admira a sensualidade e ironia da personagem.
“Ela é sexy, mas não é submissa ou inferiorizada. Sabe o que faz”, diz,
enquanto acaricia a gata Milk, no seu apartamento em Copacabana, na
Zona Sul do Rio de Janeiro.Gabriel, assim como alguns de seus amigos, jovens gays de classe média da Zona Sul carioca, faz parte de uma nova geração de drag queens. Elas saíram do circuito alternativo e fazem sucesso em baladas, programas de televisão e redes sociais - embora o Facebook tenha ameaçado deletar usuários que usam nomes falsos, como as drag queens, sempre conhecidas pelos apelidos e codinomes.
“As pessoas acham que queremos ser mulher. Claro que não. Drag é uma personificação do feminino”, diz Gabriel, em tom cansado, como se repetisse muitas vezes a mesma explicação. Sua mãe, a jornalista Liliana de La Torre, de 49 anos, apoia o filho. Tira fotos e admira sua capacidade de andar num salto de quase 20 centímetros. “As pessoas têm que ser felizes e isso independe das roupas que estão vestindo”, diz.
“Existem homens femininos e mulheres masculinas. A mulher pode sair de barba e o homem de cabelos longos. Ser drag queen é querer descaracterizar-se da vestimenta e aparência por algumas horas ou o tempo todo”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O funcionário público Daniel Barroso, de 26 anos, também está no documentário. Ele conversou com ÉPOCA enquanto se exercitava – vai à academia todos os dias, tem o corpo musculoso, levanta peso e joga vôlei. “Tirando minhas roupas de mulher, só tenho roupas esportivas. Sou uma drag queen saradona, meio panicat”, diz, em tom de galhofa, referindo-se aos corpos malhados das dançarinas de palco do programa Pânico na Band.
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Dois anos atrás, Daniel e amigos se vestiram de mulher para brincar no carnaval carioca. Ele gostou da experiência. Usava roupas de Mulher Maravilha e outras inspiradas nas cantoras Kate Perry e Jessie Jay. Com o tempo, cansou de imitações e criou a sua própria personagem: Chloe Tambourine.
“É uma drag extrovertida e extravagante. Eu não consigo parar de ser drag. Às vezes vou montado à padaria, ao supermercado. Algumas pessoas ficam chocadas, mas a maioria acha legal”, diz. “Sempre alguém me elogia e fala que eu tenho um corpão”.
Chloe tem 1, 82 metros e usa sapatos com quinze centímetros de salto. Tem mais de 400 amigos no Facebook e carrega a péssima reputação entre as drags de demorar demais para se arrumar. São mais de três horas para preparar o cabelo, maquiagem e escolher a roupa. Gosta de perucas coloridas. Usa roupas feitas pela irmã, a designer Marcela Barroso, de 25 anos.
Empolgada com a caracterização do irmão, Marcela também criou um personagem para sair à noite. Nos finais de semana se transforma numa drag meio mística que curte astrologia chamada Sirena Signus. “Ela me transformou, hoje sou muito mais desinibida”, diz. Como diz a rainha RuPaul: “Nós nascemos pelados, o resto é drag”
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