A história sem fim das reformas nos prédios públicos
Obras têm seus prazos de entrega adiados diversas vezes e frequentadores dos espaços têm sensação de abandono
Tamyres Matos
Rio - Fechado para obras. Esta frase pode causar
arrepios em amantes de cultura, principalmente se estiver estampada em
algum dos lugares que costumam frequentar. É comum no Brasil, os prédios
públicos estourarem os prazos de entrega e os orçamentos iniciais.
Quando se trata de uma instituição associada à cultura, a morosidade é
ainda mais habitual.
Obras na Sala Cecília Meireles em andamento
Foto: André Mourão / Agência O Dia
Membro do conselho deliberativo do
Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Marat Troina Menezes acredita
que o problema esteja na maneira como as licitações de obras públicas
são realizadas. Ele esclarece que, para que uma obra complexa seja
executada, é necessário uma série de desenhos específicos. Ainda segundo
ele, é fundamental que as intervenções comecem com um projeto executivo
completo já pronto e feito por uma empresa diferente daquela que vai
executar os reparos.
"Hoje em dia, as obras estão sendo licitadas com
projetos em nível muito preliminar de definição. O que os arquitetos
defendem é que as obras públicas sejam licitadas com um projeto
executivo em mãos. A construtora que vence a licitação acaba ficando
responsável por desenvolver o projeto e a obra. E este é o que podemos
chamar de fio da navalha. Ela fica com um rol de variáveis muito grande
em seu domínio, ela pode redefinir o projeto e escolher se a obra será
mais rápida ou mais lenta, mais cara ou mais barata. A licitação única é
o problema", resumiu. No Rio de Janeiro, um local que ilustra esta situação é a Sala Cecília Meireles. A casa de
concertos, localizada no coração da Lapa, região central da cidade,
passa por obras desde 2009. As apresentações que ocorreriam no local
passaram a ser transferidas para outros espaços na cidade e assim
continua acontecendo até hoje. Em 2011, houve uma retomada do projeto com um
orçamento de R$ 12 milhões e reinauguração prevista para o primeiro
trimestre de 2012. A secretária estadual de Cultura do Rio, Adriana
Rattes, e o diretor da Sala Cecília Meireles, João Guilherme Ripper,
anunciaram que o local passaria por uma reforma que aumentaria a
integração entre o espaço e a cidade. A maior transformação prevista
seria no salão de entrada, planos que permanecem os mesmos, mas com um
novo cronograma. Inclusive, nesta sexta-feira, ainda era possível
ler um pedido de contribuição financeira no espaço do site da Secretaria
Estadual de Cultura dedicado à Sala com o seguinte aviso: "Você,
frequentador e parceiro da Sala Cecília Meireles, espaço da Secretaria
de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, sabe que ela está passando por
um grande trabalho de reforma interna e de meticuloso restauro de suas
fachadas, com o patrocínio do BNDES e da Claro. Quando reabrir, no
segundo semestre de 2012, o Rio de Janeiro passará a dispor de uma sala
de concertos totalmente renovada, à altura das melhores do mundo".
Previsão é de que reforma no espaço seja concluída apenas no final de 2014
Foto: André Mourão / Agência O Dia
De acordo com a secretaria, a reforma e
modernização do prédio é uma obra complexa, por se tratar de um prédio
do final do século XIX, "readaptado para vários usos, ao longo das
décadas, tais como hotel, cinema e teatro. O ponto crítico da primeira
etapa desta obra foi a recuperação estrutural da área interna do prédio,
o que demandou reforço de todas as vigas, incluindo as da plateia e do
foyer, e a demolição das lajes da plateia, para a reconstrução de outras
novas. Todo o interior do prédio precisou ser demolido e reconstruído,
mantendo-se apenas a fachada".
Ainda segundo a secretaria, atualmente são 100
operários em trabalho diário na reconstrução do prédio. "Estamos
iniciando a fase de alvenaria, instalações, esquadrias, marcenaria
acústica e ar condicionado. A próxima etapa será a instalação da caixa
cênica, do mobiliário, e a finalização da restauração da fachada, mais
os acabamentos". A nova previsão é de que as obras sejam concluídas
apenas no final de 2014. O Teatro Villa-Lobos vive uma situação parecida e
houve um agravante: um incêndio atingiu o local quando sua reforma
anterior era concluída, em 2011. O espaço está fechado desde 2010 e deve
reabrir no segundo semestre de 2014. É mais um caso onde é ressaltada a
necessidade de modernização e ampliação, processo que acaba por
interromper as atividades das instituições culturais por anos a fio. O
projeto, também coordenado pela Secretaria de Cultura, tem custo
estimado de R$ 36,7 milhões. Ansiedade pelo retorno do Centro de Artes da UFF Desde novembro de 2009, os moradores de Niterói
não podem mais contar com o Centro de Artes UFF, com seu cinema, teatro e
sala de exposições. Último cinema de rua da cidade da Região
Metropolitana, o local trabalhava com preços populares - sessões às
segundas-feiras custavam apenas R$ 2 a todos - em total (e favorável)
dissonância com os altos valores cobrados pelo mercado exibidor
comercial. Integrado à comunidade, o centro de artes recebia
um público de todas as idades que se encontrava para conversar, ouvir
música em pequenos shows no gramado, participar de debates... mas surgiu
a necessidade da modernização e adequação a demandas de acessibilidade.
A previsão inicial era que as obras fossem concluídas ainda no fim de
2010, o que não aconteceu.
Grupo movimento #Cinejá protestou no início deste ano contra a demora na entrega do Centro de Artes da UFF à população
Foto: Reprodução Internet
A justificativa para este primeiro atraso, dada em entrevista ao Globo
pelo reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles,
em abril do ano passado, foi de que uma mina de água encontrada no
subsolo do terreno teria provocado o problema. A explicação do
superintendente de Arquitetura e Engenharia da UFF, Luiz Augusto Cury
Vasconcellos, no entanto, é diferente.
"Foram encontradas tubulações de esgoto e água no
local e não havia mapeamento, pois a planta é de 1940. Foi necessário
fazer todas as instalações novamente. Até começarmos a obra propriamente
dita demorou um tempo. Além disso, trata-se de um prédio tombado pelo
município. A reforma é cheia de restrições, o que acaba atrasando mesmo.
Mas a obra está indo muito bem e devemos entregar tudo pronto em
dezembro deste ano", esclareceu. A principal reclamação da população no caso do
cinema da UFF é a falta de transparência do projeto desde o começo. O
professor de história Henrique Monnerat que integra o grupo #Cinejá,
criado em janeiro deste ano e com página no Facebook
, critica a falta de informações sobre todo o processo de reforma. "Há muita obscuridade, não há uma prestação de
contas da situação das obras no site deles (UFF). Nós tampouco podemos
entrar para ver e fiscalizar as obras. Queremos que os professores,
estudantes e moradores de Niterói construam pela base a formação de um
centro de artes tão importante e relevante para a memória da nossa
cidade", afirmou. Segundo Henrique, o principal temor da população
de Niterói é que a reforma torne o edifício mais um espaço elitizado da
cidade, com preços diferentes dos que eram praticados anteriormente. "Eu
sou morador de Niterói e desde a adolescência frequentei aquele cinema.
Os preços eram acessíveis e me permitiam ter acesso a uma produção que
não era exclusivamente hollywoodiana. Assim como eu, muitos colegas do
Colégio Estadual Joaquim Távora, onde estudava, iam assistir aos filmes
do lugar. Me pergunto se, quando o cinema voltar, os estudantes das
escolas públicas atuais conseguirão frequentá-lo", questionou.
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