Xosé Hermida, que deixa a direção da edição do El País Brasil
para assumir um cargo de responsabilidade na sede do jornal em Madri,
passou por algo semelhante ao que aconteceu com seu antecessor, Antonio Jiménez.
Ambos chegaram a este país com alguma preocupação com seus mil
problemas sociais e políticos. “Não sabia, quando cheguei, se seria
capaz de inserir-me em uma realidade tão diferente da Europa e, ao mesmo
tempo, tão complexa”, confessou-me Jiménez ao despedir-se e
acrescentou: “Hoje percebi, quase de repente, que o Brasil me ensinou a ser feliz".
No domingo, Hermida também veio a Saquarema para despedir-se de nós. Está ciente da responsabilidade que o aguarda na Espanha. No entanto, com uma expressão visivelmente mais alegre do que quando chegou mais de um ano atrás, como observou minha mulher, ele nos disse: “Não vou negar que estou triste com a partida. Aqui tomei consciência de que, com todos os problemas e dificuldades pelos quais os brasileiros passam, a Europa é mais triste que o Brasil.”
O que impressiona meu colega é que descobriu que os brasileiros sabem, entre suas raivas e dores, manter espaços de celebração e alegria,
algo que defendem como parte de sua identidade. “Nem os mais pobres
renunciam a essa dimensão”, diz ele, algo que também havia chocado, e
até contagiado, Jiménez.
Hermida está ciente do momento de desencanto e até de raiva que vivem os brasileiros e de como é difícil interpretá-los sem cair nos clichês. “No entanto, para mim, é inegável que eles sabem manejar melhor do que nós, europeus, seus espaços lúdicos e sua capacidade de comunicação, o que os vacina contra a solidão.”
Ele me conta uma de suas primeiras experiências de vida em São Paulo. Estava fazendo uma viagem de ônibus para ir à praia. Um caminhão fechou-os e bloqueou o tráfego. Tiveram que descer e esperar mais de uma hora até que tudo se normalizasse para poderem continuar a viagem. “Vendo a atitude das pessoas esperando tranquilas, sem desespero, notei o comportamento dos brasileiros, tão diferente dos europeus, diante de uma situação de desconforto. Pensei como teria sido diferente aquele percalço, por exemplo, na Espanha, onde as irritações dos passageiros teriam se amontoado e cada um alegaria que aquela parada havia arruinado seus planos. Haveria um coro de protesto.”
Ele ressalta que sabe muito bem que alguns podem criticar a tranquilidade daqueles passageiros como resignação inútil. “No entanto, isso me fez pensar que, pelo contrário, os europeus vivemos as frustrações com menor capacidade de evitar que nos contaminem. Vi como mais sábia essa atitude dos brasileiros. Entendi que não era passividade, mas uma capacidade de não se amargar a vida inutilmente.”
Conversamos sobre a particularidade dos brasileiros de comunicação mesmo entre estranhos, algo tão raro, se não impossível na Europa, onde cada um prefere se fechar em seu castelo. Ele me contou que, na ida para o aeroporto naquela manhã em São Paulo, o taxista era tão expansivo, com vontade de continuar conversando com ele, que chegou a pedir seu telefone para manter contato. “Você pode imaginar isso na Europa?”, disse ele.
Sua surpresa com a capacidade dos brasileiros de deixar você entrar em sua vida e contar-lhe tudo me lembrou que, em uma das minhas primeiras viagens a Madri depois de minhas primeiras experiências brasileiras, quando contei a uma colega do jornal que, aqui, em uma loja ou esperando um ônibus ou na rua, alguém pode começar a te contar sua vida com a maior tranquilidade, ela reagiu assustada: “Que horror! Não quero que ninguém me conte sua vida. Já me basta a minha!” Hermida, ao contrário, não só não se incomodou com esse modo de vida expansivo dos brasileiros, como se impressionou com ele, e com sua filosofia de que o trabalho, embora importante, não é o eixo de suas vidas já que trabalham para viver mais do que viver para trabalhar. “Sempre deixam espaços livres para sonhar.”
Hermida é um bom analista político e pergunto-lhe o que ele acredita ser o problema central que aflige este país. Não hesitou em responder: “A chave de tudo é a imensa desigualdade da sociedade quase dividida em castas, onde uns poucos acumulam privilégios que ofendem a maioria que precisa lutar para sobreviver.” E acrescenta: “Eu sei que o problema que mais aflige os brasileiros hoje talvez seja a violência, a falta de segurança, o que pode explicar o fenômeno preocupante do ultradireitista Bolsonaro. Mas não. O drama do Brasil continua sendo principalmente a perpetuação dessa desigualdade social produzida pelo desinteresse do atual governo de oferecer uma educação de qualidade que seja capaz de dar a todos as mesmas oportunidades de progredir na vida.”
Como Antonio ao se despedir, Xosé também me garante: “Juan, eu volto. Prometo.” E observando a praia de Saquarema, um luxo no início deste inverno morno, observa: “Ah, a beleza, o clima e as pessoas deste país!” Talvez estivesse pensando que em Madri o espera um termômetro que pode marcar 45 graus à sombra e talvez menos pessoas do que aqui interessadas em conhecer sua vida.
Nota (bpf):
No domingo, Hermida também veio a Saquarema para despedir-se de nós. Está ciente da responsabilidade que o aguarda na Espanha. No entanto, com uma expressão visivelmente mais alegre do que quando chegou mais de um ano atrás, como observou minha mulher, ele nos disse: “Não vou negar que estou triste com a partida. Aqui tomei consciência de que, com todos os problemas e dificuldades pelos quais os brasileiros passam, a Europa é mais triste que o Brasil.”
Hermida está ciente do momento de desencanto e até de raiva que vivem os brasileiros e de como é difícil interpretá-los sem cair nos clichês. “No entanto, para mim, é inegável que eles sabem manejar melhor do que nós, europeus, seus espaços lúdicos e sua capacidade de comunicação, o que os vacina contra a solidão.”
Ele me conta uma de suas primeiras experiências de vida em São Paulo. Estava fazendo uma viagem de ônibus para ir à praia. Um caminhão fechou-os e bloqueou o tráfego. Tiveram que descer e esperar mais de uma hora até que tudo se normalizasse para poderem continuar a viagem. “Vendo a atitude das pessoas esperando tranquilas, sem desespero, notei o comportamento dos brasileiros, tão diferente dos europeus, diante de uma situação de desconforto. Pensei como teria sido diferente aquele percalço, por exemplo, na Espanha, onde as irritações dos passageiros teriam se amontoado e cada um alegaria que aquela parada havia arruinado seus planos. Haveria um coro de protesto.”
Ele ressalta que sabe muito bem que alguns podem criticar a tranquilidade daqueles passageiros como resignação inútil. “No entanto, isso me fez pensar que, pelo contrário, os europeus vivemos as frustrações com menor capacidade de evitar que nos contaminem. Vi como mais sábia essa atitude dos brasileiros. Entendi que não era passividade, mas uma capacidade de não se amargar a vida inutilmente.”
Conversamos sobre a particularidade dos brasileiros de comunicação mesmo entre estranhos, algo tão raro, se não impossível na Europa, onde cada um prefere se fechar em seu castelo. Ele me contou que, na ida para o aeroporto naquela manhã em São Paulo, o taxista era tão expansivo, com vontade de continuar conversando com ele, que chegou a pedir seu telefone para manter contato. “Você pode imaginar isso na Europa?”, disse ele.
Sua surpresa com a capacidade dos brasileiros de deixar você entrar em sua vida e contar-lhe tudo me lembrou que, em uma das minhas primeiras viagens a Madri depois de minhas primeiras experiências brasileiras, quando contei a uma colega do jornal que, aqui, em uma loja ou esperando um ônibus ou na rua, alguém pode começar a te contar sua vida com a maior tranquilidade, ela reagiu assustada: “Que horror! Não quero que ninguém me conte sua vida. Já me basta a minha!” Hermida, ao contrário, não só não se incomodou com esse modo de vida expansivo dos brasileiros, como se impressionou com ele, e com sua filosofia de que o trabalho, embora importante, não é o eixo de suas vidas já que trabalham para viver mais do que viver para trabalhar. “Sempre deixam espaços livres para sonhar.”
Hermida é um bom analista político e pergunto-lhe o que ele acredita ser o problema central que aflige este país. Não hesitou em responder: “A chave de tudo é a imensa desigualdade da sociedade quase dividida em castas, onde uns poucos acumulam privilégios que ofendem a maioria que precisa lutar para sobreviver.” E acrescenta: “Eu sei que o problema que mais aflige os brasileiros hoje talvez seja a violência, a falta de segurança, o que pode explicar o fenômeno preocupante do ultradireitista Bolsonaro. Mas não. O drama do Brasil continua sendo principalmente a perpetuação dessa desigualdade social produzida pelo desinteresse do atual governo de oferecer uma educação de qualidade que seja capaz de dar a todos as mesmas oportunidades de progredir na vida.”
Como Antonio ao se despedir, Xosé também me garante: “Juan, eu volto. Prometo.” E observando a praia de Saquarema, um luxo no início deste inverno morno, observa: “Ah, a beleza, o clima e as pessoas deste país!” Talvez estivesse pensando que em Madri o espera um termômetro que pode marcar 45 graus à sombra e talvez menos pessoas do que aqui interessadas em conhecer sua vida.
Nota (bpf):
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