O jornalista e economista J. Carlos de Assis propõe um Grande Pacto Nacional para pôr fim ao projeto neoliberal. O acordo, segundo ele, também passaria pela renúncia de Michel Temer e a libertação de Luiz Inácio Lula da Silva, que disputaria a eleição de outubro.
São claros os sinais do fim do regime neoliberal
J. Carlos de Assis*
Se minha intuição não falha, estamos nos estertores finais do neoliberalismo no Brasil. Marx descobriu que o capital, a matriz essencial do neoliberalismo, seria vítima de suas próprias contradições no processo histórico. Como um jarro de porcelana que cai e se despedaça, não é difícil reconhecer no modelo neoliberal decadente que nos foi imposto elementos em pedaços que jamais poderão ser reconstituídos sem a desfiguração completa de sua constituição original até tornar-se dialeticamente o seu oposto.
Foi ainda um marxista, Lenin, quem assinalou que nos processos históricos a cadeia se rompe pelo elo mais fraco. Isso serviu para explicar a revolução soviética, que seria uma surpresa para o próprio Marx devido ao estágio quase primitivo da Rússia, longe do desenvolvimento capitalista. No nosso caso, o elo mais fraco são os caminhoneiros. Não por seu grau de consciência política, mas porque confrontaram, sem qualquer sentido ideológico, seus interesses objetivos com a estúpida política neoliberal de preços de Pedro Parente.
Para atender aos caminhoneiros sem alterar a política de preços da Petrobrás adotada num acordo implícito com interesses estrangeiros, o Governo Temer tentou acalmá-los com um subsídio para o diesel de 46 centavos. Entretanto, aferrado à idéia de não mudar a política de preços da estatal, decidiu descontar o subsídio em impostos e, num desafio ao setor público, estabeleceu o corte dos orçamentos públicos, sobretudo de saúde e de educação, a fim de completar o subsídio. Isso enfureceu centenas de milhares de servidores.
Não bastasse essas barbaridades, e ainda para preservar a política de preços neoliberal imposta pela Petrobrás, o Governo estabeleceu uma tabela com aumento de fretes, atendendo aos interesses dos caminhoneiros, mas violando diretamente os interesses do agronegócio que pagam esses fretes. Eis aí todos os elementos de uma tempestade perfeita.
Lembro-me de Shakespeare: Por causa de um prego perdi a ferradura; por causa da ferradura perdi o cavalo; por causa do cavalo, perdi a batalha. Por causa da batalha perdi o reino.
O prego é o preço do diesel. Se o Governo Temer, ao perceber a dimensão do movimento dos caminhoneiros, tivesse imediatamente mudado a política da Petrobrás e adotado, por exemplo, um sistema de preço dos combustíveis pelo custo e mais uma margem de lucro – de todos eles, e não só o do diesel -, teria salvado seu trono. Agora não há mais tempo. Se voltar para trás estará inteiramente desmoralizado perante seus sócios internacionais, que afinal são sua principal sustentação, através da tevê Globo.
A propósito, quando se trata de contradições, a imensa capacidade da Globo de manipular a opinião pública é quase nula. Sua máquina de vender ideologia não pode, ela também, recuar sobre sua própria história e dizer que, num prazo de 24 horas, tornou-se nacionalista e progressista. Como também não é idiota e não sabe exatamente para onde está rumando o barco, a tendência é que se coloque numa posição aparentemente neutra, mesmo que não renuncie completamente a sua própria ideologia neoliberal.
Estão programadas greves amplas a partir desta segunda-feira. Enganam-se os que pensam que se trata de um ciclo normal de paralisações. É um ciclo terminal no meio de um processo caótico. A Justiça do Trabalho deve pensar duas vezes antes de se tornar um braço operacional de repressão a grevistas, como no caso da multa milionária que impôs ao sindicato dos petroleiros, pelo risco que ela própria corre de desaparecer, na medida em que se torna instrumento de poder do patrão e não de proteção ao trabalhador. Ninguém sabe o que virá.
Com todos os poderes institucionais da República derretidos, teremos que torcer para uma solução democrática, a qual, a meu ver, deve buscar uma saída através de um Grande Pacto Nacional. As pessoas, desde o cidadão comum aos altos dirigentes políticos devem se desarmar de preconceitos a fim de viabilizar um acordo. Em nome da regeneração da República, e do fim do neoliberalismo – com este não há acordo -, é essencial prevalecer o espírito da fraternidade proclamado nos meios republicanos desde a Revolução Francesa.
Temer não tem mais autoridade para continuar no Governo. Mas ninguém há de esperar que seja deposto segundo os procedimentos institucionais normais. Ele tem que renunciar. Sua renúncia pode ser induzida por um acordo no qual o Congresso mande arquivar todos os inquéritos contra ele em troca da libertação de Lula. No mesmo ato seria eleito um presidente interino para completar o atual mandato presidencial. E o Congresso, no contexto ainda desse acordo, deveria aceitar a sugestão da Transparência Internacional de criminalizar o caixa dois eleitoral, o que abriria o caminho para uma grande reconciliação no mundo político.
*J. Carlos de Assis é jornalista e economista, doutor pela Coppe/UFRJ, da Frente Nacional Em Defesa da Soberania.
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