7.11.2018

Singela homenagem ao povo brasileiro


O que se passou no domingo no 
Brasil foi tão absurdamente grave, 
vergonhoso e preocupante que 
ainda não dá para mudar de assunto.
 Todo o resto ficou secundário diante
 do que já não pode ser negado, 
a contaminação da Justiça pela política.
 Só ontem ficou clara a repercussão
 internacional da guerrilha de 
despachos na novela 
solta-não-solta-Lula. 
Ela foi nefasta para o Brasil,
 agravando a percepção externa
 sobre a extensão da crise em curso,
 e de certo modo favorável ao 
ex-presidente Lula, ao reforçar a 
ideia de que, para mantê-lo preso, 
a Justiça e o sistema
 político, de mãos dadas,
 fazem o diabo.

Partamos do princípio de que o 
desembargador Rogerio 
Favretto não tinha competência
 para conceder o habeas corpus 
pedido, como alegou Moro, e que
 a candidatura do réu não constituía
 fato novo, pois era conhecida antes
 mesmo da prisão. Num Judiciário
 não contaminado pela política, 
não pressionado pelos que temem
 a candidatura Lula, ele teria sido
 solto sem drama, sem 
que Moro e os desembargadores
 do TRF-4 tivessem que se expor tanto.

Caberia então, como tantos deixaram
 claro ontem, inclusive o ministro do 
STF Marco Aurélio Mello, ao Ministério
 Público Federal recorrer da decisão.
 Não a Moro dar ordens à Polícia Federal.
 Derrubada a liminar, Lula seria
 preso novamente. Quantos réus 
já não passaram por tal situação
não pode suportar a liberdade de
 Lula por algumas horas ou dias, 
a situação é de alta fragilidade. 
E não se resolverá com
 Lula preso.

Os principais jornais do mundo
 fizeram registros depreciativos do
 ocorrido mas vou me deter no do 
jurista André Lamas Leite, professor
 da Faculdade de Direito do Porto, 
“A barbaridade de uma justiça 
dominical”, publicado ontem pelo 
jornal “O Público”. O acadêmico 
contesta Moro: “não é verdade 
que o juiz de turno tivesse ou 
não a liberdade de decidir. Estava 
vinculado à decisão. Outra coisa
 é saber se havia motivo juridicamente
 fundado para o fazer”. E passa então
 à questão que está no fundo de tudo 
isso, a execução antecipada da pena,
 a partir da condenação em 
segunda instância, contrariando
 o princípio constitucional da presunção
 da inocência: ninguém será 
considerado culpado até o 
completo trânsito em julgado da 
sentença. Conclui ele que “Lula está 
em cumprimento inconstitucional e
 ilegal de pena de prisão”. 
E por isso, dá razão jurídica a Favretto.

Mas, diz ele, como no Brasil não se 
sabe onde acaba a política e 
começa a Justiça, pesaram 
contra ele as antigas ligações com o PT.
 Nem por isso, tinha Moro competência
 para “revogar” o despacho 
de magistrado hierarquicamente 
superior.Gebran Neto, sim, a seu ver
poderia derrubar a liminar,
 quando o plantão terminasse.
 Lula já estaria solto, que fosse 
novamente preso. Mas tudo, a 
seu ver, deriva do “entendimento 
indefensável” do STF sobre prisões
 antecipadas: “Um país que não
 respeita a sua lei fundamental
 descaracteriza-se e abre crises
 gravíssimas de desfechos imprevisíveis.”

Passando do Direito ao jornalismo, 
não menos áspero foi o comentário
 do jornalista, escritor e advogado 
(profissão que já não mais exerce)
 Miguel Sousa Tavares, no principal
 telejornal de Portugal, na SIC. 
Ressalvando seu amor pelo Brasil,
 definiu o ocorrido como uma 
“fantuchada jurídica”. Palhaçada,
 cá para nós. Censurou os petistas 
por recorrerem no dia do plantão
 de Favretto mas desancou 
mesmo foi com Moro, desejando
 que estivesse a ouvi-lo, já que passa
 férias em Lisboa. Em Portugal, sete 
diferentes juízes teriam feito todos os 
papeis que Moro acumulou em relação
 a Lula: juiz de instrução, de acusação,
 de sentença etc. Conclui que a Justiça
 no Brasil está completamente 
contaminada pela política, não 
restando outra saída senão a refundação
 do país, por uma nova Constituinte.

Lamentavelmente, hoje faz sentido
o apelido que Paulo Francis dava 
ao país nos anos 80: “o bananão”.

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