7.17.2012

Consumo ilícito de remédios é maior que o de drogas

Nos anos 60 e 70, os astros do rock morriam de overdose de drogas proibidas. No século 21, os astros da indústria do entretenimento compram a morte com receitas médicas legais. Este é o elo em comum entre as tragédias de Heath Ledger, Michael Jackson e Brittany Murphy. As autópsias das três celebridades mortas encontraram vestígios elevados de remédios em seus corpos.
As drogas mais perigosas da atualidade estão nas farmácias e podem ter efeito mais devastador que uma overdose de heroína. Quem afirma é a ONU, num relatório divulgado nesta semana em Viena, por seu divisão anti-drogas, a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE).
Segundo o relatório da JIFE, remédios vendidos com receita médica ocupam, em diversos países, o 2º lugar no ranking das drogas mais abusadas. 6,2 milhões de pessoas abusaram de medicamentos prescritos somente nos EUA no ano de 2008, país em que as receitas médicas já se tornaram a segunda maior fonte de circulação de drogas, superando o tráfico de cocaína, heroína, alucinógenos, ecstasy e outras drogas ilegais. Só a maconha vende mais que remédios de tarja preta nos EUA.

Os números são ainda mais arrepiantes num levantamento do Instituto Nacional do Abuso de Drogas (NIDA). Em 2008, 15.2 milhões de americanos, a partir dos 12 anos de idade, confessaram ter tomado remédios controlados sem necessidade médica. E esse abuso começa cada vez mais cedo. A pesquisa revelou que quase 10% das crianças de 12 anos, no ensino fundamental americano, tomam Vicodin. Mais 5% preferem OxyContin. Os dois são opiáceos poderosos.
Brittany Murphy tinha Vicodin e OxyContin em sua corrente sanguínea, além de uma coleção perigosa de remédios controlados no banheiro de sua casa.
A maioria das pessoas se confunde ao considerar as drogas legais menos perigosas que as ilegais. Elvis Presley fazia campanha anti-drogas para o governo americano. Morreu de overdose de medicamentos.

Particularmente trágico é o caso do DJ AM, pouco conhecido fora do círculo de festinhas de celebridades americanas. Viciado em drogas durante boa parte da juventude, o ex-namorado de Nicole Ritchie estava limpo há 11 anos. Mas um acidente de avião o fez procurar um médico em busca de alívio para suas dores e estresse pós-traumático. As receitas o levaram à morte por overdose acidental.
O fato é que o consumo descontrolado de remédios já ocupou o espaço do tráfico. A forma indiscriminada com que as receitas são emitidas mostra falta de conscientização e controle sobre a ação dos médicos, que sofrem pressão dos milionários lobbies farmacêuticos para empurrarem suas pílulas milagrosas.
Se não há controle, tampouco existe consenso jurídico sobre quem é o culpado pelas vítimas das drogas legais. As mortes de Heath Ledger e Brittany Murphy foram consideradas acidentais, mas a de Michael Jackson virou caso de polícia.

O cantor era tão dependente de seu médico, Conrad Murray, que pretendia levá-lo na turnê que faria pela Inglaterra, mesmo quando seu empresário o aconselhou, por motivos econômicos e de praticidade, a optar por um médico do Reino Unido.
Logo após a morte de Michael, Murray sumiu e chegou a estar foragido. Ele foi indiciado formalmente por homicídio culposo (sem intenção de matar) e será julgado em abril pela morte de Michael Jackson.
Murray é acusado de ministrar uma dose letal de anestésico. Em depoimento, o médico admitiu ter injetado propofol no cantor poucas horas antes de sua morte, mas disse que se limitou a obedecer aos pedidos insistentes do rei do pop, que utilizava este remédio como sonífero.
Se for condenado, ele pode pegar até quatro anos de prisão. Para escapar, alegará que Michael Jackson era viciado em remédios.

Gus Van Sant foi um dos raros cineastas a abordar o vício de remédios no cinema, no polêmico “Drugstore Cowboy”, lá no distante ano de 1989. A questão dos remédios na escola virou comédia no filme “Charlie, Um Grande Garoto”, em 2007. Os remédios de “Donnie Darko” (2001) o faziam ver Frank, o coelho gigante do mal. E em “Correndo com Tesouras” (2008), adolescentes confundiam pílulas com a sensação de abandono.
Por outro lado, “Impulsividade” (2005) fez propaganda do Ritalin e “Geração Prozac” (2001), claro, elogiou a capacidade milagrosa do antidepressivo mais popular do mundo. Sem esquecer o Dr. House, um médico da TV que não funciona sem Vicodin.
Antes ainda do Viagra, o Prozac foi a droga mágica, que todos queriam e podiam conseguir no computador da esquina. Alardeada pela mídia como um milagre da medicina moderna, o Prozac virou a “maconha” das drogas prescritas. Aquela que todos conhecem, experimentaram e dizem que não faz mal algum, servindo de incentivo para o consumo indiscriminado e como ponte de entrada para substâncias mais fortes.

Apesar do choque pelas mortes inesperadas de Heath Ledger, Michael Jackson e Brittany Murphy, não há nenhum movimento na sociedade por maior controle dos remédios letais, de tarja preta, responsáveis pelas tragédias – e pela morte de outros milhares de desconhecidos em todo o mundo.
A ausência de limites é tanta, que se o internauta digitar os nomes dos mortos célebres no Google vai encontrar links para a compra de drogas prescritas.
Bem que o diretor Jason Reitman podia rodar uma sequência de seu fantástico “Obrigado por Fumar”, desta vez acompanhando o lobby da indústria farmacêutica. O título? “Obrigado por se Drogar”.


O uso abusivo de remédios controlados cresce rapidamente no mundo e já supera o consumo de heroína, cocaína e ecstasy juntos, de acordo com o relatório anual divulgado ontem pelo Departamento Internacional de Controle de Narcóticos, da ONU. O documento diz que mortes de várias celebridades no ano passado, como a do cantor Michael Jackson e da atriz Brittany Murphy, chamaram a atenção para o problema das drogas lícitas.
"Tem sido uma tendência o menor uso de drogas ilícitas. Por outro lado, temos identificado o crescimento do consumo de medicamentos prescritos. Existem legislações mais restritivas às drogas ilícitas e as pessoas estão mais bem informadas sobre os danos cerebrais que podem causar, mas não sabem que os mesmos efeitos negativos podem ser produzidos também pelos fármacos", disse ontem, em Viena, Sevil Atasoy, presidente da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife).
O especialista, que participou de entrevista coletiva, explicou que a tendência de se substituir drogas ilegais por remédios legais começou nos Estados Unidos e agora chega à Europa, onde também foi registrada uma queda no abuso de drogas ilícitas, como a cocaína. "As pessoas acreditam que porque são remédios não causam tanto mal quanto a heroína, por exemplo", disse Atasoy.
Nos EUA, o abuso dos medicamentos "já é a segunda questão mais importante do abuso de drogas, depois da maconha", afirma o documento. O texto afirma que, em 2008, havia 6,2 milhões de norte-americanos viciados em remédios. Em vários países europeus, entre 10% e 18% dos estudantes usam sedativos obtidos sem apresentar receita médica.
Já o Brasil foi citado no relatório como exemplo de país que reduziu o consumo de medicamentos de tarja preta, principalmente os anorexígenos usados de forma abusiva contra a obesidade. Apesar da redução, no ano passado o Brasil teria consumido cerca de 3 toneladas desses produtos.
Relatório alerta para uso das 'drogas do estupro'
Os países devem ficar atentos para o aumento do uso das "drogas do estupro", usadas cometer crimes sexuais. De acordo com o relatório, o uso dessas substâncias está aumentando em todo o mundo.
Estas substâncias aumentam o desejo sexual em níveis incontroláveis e fazem com que o usuário perca o controle sobre si mesmo: a única coisa em que consegue pensar é manter relações sexuais. A Junta Internacional de Fiscalização de Estupefaciantes da ONU chama atenção ainda para a propagação do golpe "Boa Noite, Cinderela", em que as drogas são administradas sem que os usuários percebam. A organização pediu que governos e grupos farmacêuticos introduzam corantes ou aromatizantes às substâncias usadas no golpe para que as vítimas possam ser alertadas de que sua bebida foi alterada.
"O fenômeno evolui rapidamente, enquanto os agressores tratam de se esquivar dos controles mais estritos utilizando substâncias não incluídas nas convenções internacionais", diz o informe da agência, com sede em Viena.

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