Vera Rosa; O Estado de S. Paulo
Cearense de Quixeramobim, Genoino entrou aos
22 anos no PC do B e participou da Guerrilha do Araguaia. Ficou preso entre
1972 e 1977, foi um dos fundadores do PT e cumpriu seis mandatos como deputado
federal do partido, do qual se tornou presidente. Deixou o comando do PT em
2005, no início da crise do mensalão. Foi assessor especial do Ministério da
Defesa. É suplente de deputado e tem 66 anos.
Cercado por livros no pequeno escritório,
instalado no quarto dos fundos de sua casa, o ex-presidente do PT José Genoino
diz que lutará "todos os dias, semanas, meses e horas" para provar
sua inocência no processo do mensalão. Na primeira entrevista exclusiva
concedida desde que foi condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), Genoino afirma, porém, que sua estratégia de defesa não aponta o
dedo para companheiros. "Nunca entreguei ninguém na minha vida. Nem no pau
de arara. Muito menos num processo que virou um grande espetáculo
midiático", argumenta.
Acompanhado de seu advogado, Luiz Fernando
Pacheco, o ex-presidente do PT recebeu o Estado em sua casa, no Butantã, na
sexta-feira. Em quase duas horas de entrevista, fumou dez cigarros, ficou com a
voz embargada em alguns momentos e citou passagens do livro Memórias de um
Revolucionário, com páginas marcadas em papel amarelo nas quais escreve
palavras como "Verdade", "Coragem" e
"Totalitarismo".
Ex-guerrilheiro do Araguaia e deputado federal
por 24 anos, até 2010, Genoino carrega um terço nas mãos para diminuir a
tensão. "Quem tem a consciência do inocente não se curva, não se
dobra", diz. Para ele, as crises na seara política não serão resolvidas
pelo Judiciário. "A Justiça trabalha, muitas vezes, com o retrovisor. A
política trabalha com o para-brisa."
O sr.
foi condenado por corrupção ativa pelo STF, acusado de participar de esquema
para desviar recursos públicos e comprar apoio político no governo Lula. Disse
que a Corte errou, mas que interesse o STF teria em condená-lo sem provas?
Foi uma condenação injusta porque se baseou na
tirania da hipótese pré-estabelecida. Eu era presidente do PT e participava de
todas as reuniões políticas do PT e com partidos da base aliada. Essa minha
função de presidente do PT é que me levou a essa injustiça monumental. Eu não
cuidava das finanças do partido e a minha relação com a política é pública e
transparente. Dizer que eu participei de corrupção ativa é uma grande
injustiça. Em juízo, o tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri, disse que
nunca participou de reunião envolvendo dinheiro. Vadão Gomes disse que ouviu
falar, mas em juízo não confirmou. E o Roberto Jefferson, dependendo do dia e
do local, afirmava uma coisa ou outra. No meu modo de entender é a ideia de
verossimilhança. Usam-se deduções. Era possível ou impossível? O julgamento
penal precisa se basear em provas concretas.
O
relator do processo, Joaquim Barbosa, votou por sua condenação no crime de
formação de quadrilha, mas o revisor, Ricardo Lewandowski, o absolveu e ainda
não há conclusão. Para Barbosa, o sr. era "interlocutor político do grupo
criminoso" comandado pelo então chefe da Casa Civil José Dirceu. Como o
sr. responde a essa acusação?
Chamar o PT e os militantes do PT de quadrilha
é algo muito grave, na minha avaliação. Era minha tarefa defender o governo
Lula, a relação com os movimentos sociais e a unidade da bancada num momento
difícil. Que associação ilícita? É um absurdo falar isso. A minha associação
foi em 1968 com o movimento estudantil. Na guerrilha, no PC do B, cinco anos
preso, na fundação do PT, deputado, constituinte, 24 anos de mandato. Sempre
defendi, inclusive quando estava na oposição, que a política se baseia em
disputa e negociação. Muitas vezes fui posição minoritária no PT. Nunca tratei
de dinheiro, de pagamento, de qualquer atividade criminosa. Participei de
negociações políticas. Misturar negociações políticas, articulações e alianças
com crime significa criminalizar a política. Eu não aceito essa acusação de ter
integrado quadrilha. O PT não é um partido de quadrilheiro, de mensaleiro. Isso
é uma afronta à nossa história. O PT precisava fazer aliança ao centro para
ganhar a eleição e para governar.
Na
política, os fins justificam os meios?
Os métodos que construímos, a vitória do Lula
e a sustentação do governo foram democráticos, transparentes e de negociação.
Não tem essa de que os fins justificam os meios. Se queremos construir uma
coisa grandiosa, temos de ter atitudes e meios grandiosos.
O sr.
afirma que os empréstimos feitos ao PT pelo Banco Rural e pelo BMG existiram,
mas tanto o STF como a Justiça Federal em Minas sustentam que essas operações
eram fictícias. O sr. assinava os papéis sem ler?
Esses empréstimos se constituem, na minha
modesta compreensão jurídica, em atos jurídicos perfeitos. A minha função na
presidência do PT era política e cada secretaria tinha a sua responsabilidade.
Eu assinava os empréstimos porque eram legais, necessários e foram apresentados
a mim pelo tesoureiro (Delúbio Soares), que era o secretário de Finanças. Os
dois empréstimos foram feitos porque o PT precisava resolver problemas
financeiros imediatos. Eu os avalizei na condição de presidente do PT, sem
nunca ter feito qualquer conversa ou negociação com os bancos, até porque nunca
estive nesses bancos. Registrei os empréstimos na prestação de contas do PT,
que está no Tribunal Superior Eleitoral, de 2004, 2005 e 2006. Quando eu deixei
de ser presidente do PT, os empréstimos foram cobrados judicialmente. Eu não
tinha bens. Minha conta foi bloqueada e só foi aberta porque era conta salário.
Eu procurei o deputado Ricardo Berzoini, que era presidente do PT, e disse que
os dois empréstimos estavam na prestação de contas do partido. Ele iniciou,
então, uma negociação com os dois bancos. O PT começou a pagar os empréstimos
em 2007 e terminou em 2011. Os empréstimos não são falsos nem fictícios.
Pagamos com renovações e com documentos assinados pelos advogados dos bancos e chancelados
pelo Judiciário.
Mas a
Justiça de Minas o condenou por falsidade ideológica no caso do BMG...
Eu peço licença para mostrar a perseguição.
Fui diplomado no dia 18 de dezembro de 2006. No dia anterior, às 18h30, o
Ministério Público entrou na 4.ª Vara da Justiça Federal para apresentar a
denúncia. O juiz a recebeu em 20 minutos. Alguns ministros do Supremo até
comentaram essa rapidez. Quando eu virei deputado, o processo foi para o STF.
Entramos com habeas corpus para que o STF reexaminasse o recebimento da
denúncia (porque, segundo Genoino, havia sido feito em tempo recorde e no
último dia da inexistência do foro por prerrogativa de função). Quem desempatou
o pedido de habeas corpus foi a então presidente do STF, Ellen Gracie, porque
se tratava de matéria constitucional. Essa ação ficou no STF em 2007, 2008,
2009 e 2010. No início de 2011, eu deixei de ser deputado e a ação foi para a
4.ª Vara. Ficou um ano e meio lá. Numa decisão monocrática, a juíza soltou a
sentença e mandou um ofício para o relator da Ação Penal 470 (Joaquim Barbosa).
É muita coincidência e a maneira como se deu o processo é prova de perseguição
política. Não é por acaso. É com o objetivo de me atingir. Eu não sou ingênuo.
Vou recorrer.
Os
ministros do STF alegam que os empréstimos eram renovados sucessivamente e que
o PT não tinha lastro para pagar isso.
O PT tinha lastro.
E por
que não quitava nada?
O orçamento anual do PT era de R$ 40 milhões
por ano. O partido estava numa situação de insolvência, com muitos diretórios
solicitando verba para resolver o básico - de passagem aérea a reuniões - e
havia previsão de aumentar o orçamento com a contribuição dos parlamentares.
O
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, também condenado por corrupção, era o
presidente de fato do PT quando o sr. comandava o partido?
Eu não faço comentário sobre companheiros do
processo. Conheço o Zé Dirceu desde 1968, fiz muitas disputas com ele no
movimento estudantil, no PT e no Parlamento.
Ele
mandava e o sr. executava?
O PT é um partido de militância, os dirigentes
são eleitos, se expõem e não escondem a cara. Ele era ministro da Casa Civil e
eu era presidente do PT.
Logo
que o PT chegou ao poder o sr. disse, em entrevista ao Estado, que pelo então
presidente Lula fazia tudo e nunca negaria um pedido dele. Foi isso o que
aconteceu, de 2003
a 2005?
Eu tenho uma relação excepcional com Lula e
grande respeito com um dos maiores políticos que eu convivi e que conheço.
Estabeleci uma relação com ele de muita admiração. Não é algo pessoal. É uma
causa. É um objetivo. Esse projeto que está mudando o Brasil incomoda e revolta
setores preconceituosos, conservadores, que não aceitam a vitória de 2006, com
Lula, e de 2010, com a eleição da presidenta Dilma. Eu disse, naquela
entrevista, que o ataque era pelo êxito das mudanças que o governo Lula estava
fazendo no Brasil. Não foram fáceis. Eu cheguei a ser vaiado em reuniões do PT,
cheguei a ser criticado na bancada. Em Porto Alegre, quando o Lula decidiu ir
para o Fórum de Davos, eu recebi um bolo na cara como protesto. Eu sempre botei
a cara naquilo em que acredito. Eu acredito muito no PT, no Lula, na Dilma e no
que nós estamos fazendo. A minha geração é vitoriosa, apesar das adversidades.
Nunca fiz emenda no orçamento e era criticado por isso. Nunca fiz uma indicação
para qualquer cargo em governo. Sempre fui um lutador de ideais e de causas.
Se o
PMDB tivesse entrado no governo Lula, logo no início da administração, teria
ocorrido esse varejo partidário em busca de apoio parlamentar?
O PT aprendeu que sem aliança não ganharia a
eleição e não governaria. Eu sempre fui um defensor das alianças ao centro,
mesmo quando era minoria. Sempre defendi a aliança com o PMDB. Não houve crime
de compra de votos nem compra de deputados.
O que
houve, então?
É da natureza do Parlamento fazer acordos
eleitorais, alianças, inclusive com a oposição. Essa criminalização da política
é um caminho às avessas para enfraquecer os poderes.
Mas
teve dinheiro no meio desses acordos. O sr. acha plausível a tese de que tudo
era caixa 2?
Eu participei de acordos eleitorais e
políticos e nunca discuti dinheiro nem financiamento de campanhas e muito menos
cargos com os partidos. Eu não cuidava disso. As alianças foram para aprovar o
Bolsa Família, o pré-sal, o PAC, as leis que melhoraram o quadro institucional
do País.
Tudo
era responsabilidade do tesoureiro do PT, Delúbio Soares?
Eu não falo de nenhum companheiro do processo.
Nas
reformas tributária e da Previdência houve denúncias de coincidência de
votações com pagamentos de parlamentares...
Eu acompanhei as polêmicas da reforma da
Previdência, porque tinha deputado do PT contra, deputado da oposição
favorável. Teve polêmica, disputa, briga. Fiz reuniões terríveis com o
movimento sindical dos servidores públicos. Dizer que houve esse tipo de coisa na
reforma da Previdência é desconhecer como o Congresso funciona. A mesma coisa
na reforma tributária, que foi feita de maneira fatiada. Eu negociava com a
bancada do PT e dizia: "Vocês votem a favor e digam que são contra".
Foi duro o que eu passei.
Houve
deslumbramento com o poder por parte de petistas?
Não. Eu acho que o PT assumiu a Presidência
numa situação muito delicada, que era governar com o País correndo o risco de
quebrar. Nunca esqueço que Lula disse para nós que não ia deixar o Brasil
quebrar na mesa dele. E que iria tomar medidas duras, mas necessárias, para que
o País voltasse a crescer. Isso deu certo. Houve divergência dentro do PT.
Fizemos um trabalho político legítimo, que deu ao Lula as condições para o
êxito do seu governo, da sua reeleição. É o projeto que mudou o Brasil, de
diminuição da desigualdade social, de defesa da soberania, de geração de
empregos, de recuperação do papel do Estado para garantir os investimentos.
O sr.
foi traído?
Na minha vida política nunca conheci essa
palavra. Nem na guerrilha nem na prisão nem no Parlamento nem no PT. Entrei no
partido em 1980 e sou o número sete do diretório do Butantã. Eu me emociono
quando falo da militância do PT. A quantidade de visitas e de telefonemas que
estou recebendo, de e-mails e mensagens, você não tem ideia. Nunca esqueço uma
cena em Leme, quando mataram dois boias frias e a polícia botou a culpa no PT.
Eu era um dos deputados que estavam lá. Desmontamos aquela armação. Quando fui profundamente
atacado em 2005, uma companheira me pediu para ir lá. Ela pegou o carro de som
e ficava comigo andando e falando quem eu era. O PT é minha vida. Não existe
essa palavra de desconfiança.
Se
não foi traído, o sr. admite que foi omisso?
Não, eu não me omiti em defender o governo
Lula. Sem aliança ampla a gente não governaria o País e o País poderia quebrar.
Sou um militante que aprendeu que se ganha coletivamente. Não acredito em
vitória do ‘eu sozinho’.
Nas
conversas ali, o sr. nunca desconfiou que poderia estar havendo alguma
ilegalidade?
Eu vivia inteiramente, 24 horas do dia
dedicado à política, que era muito intensa. Reuniões intensas do diretório, da
bancada, com os aliados, ministros. Eu vivo a política de maneira integral. Nem
quando fazia minhas campanhas para deputado federal eu cuidava da
administração. Eu gosto é de conversar, dialogar, convencer. A direção do PT é
colegiada. O presidente do PT assina os documentos porque é exigência
estatutária quando presta contas. Minha relação com os companheiros do PT
sempre foi muito franca e muito sincera. Relação de militantes e combatentes.
O sr.
já conhecia o empresário Marcos Valério?
Eu conheci Marcos Valério de vista, em julho
de 2003, numa visita a Ipatinga, na Usiminas. Isso está nos autos do processo.
Nunca tratava com ele. Nunca fiz reuniões com bancos nem para tratativa de
dinheiro. Eu me dedicava à política.
Qual
sua relação com o ex-ministro José Dirceu?
Estive com ele na última reunião do Diretório
Nacional, recentemente. Quando tem reuniões do PT eu me encontro com esses
companheiros. Tenho relação partidária.
E com
o ex-presidente Lula?
Lula sempre conversa comigo, fala comigo.
Tenho respeito pela grande figura humana que é ele e por sua genialidade
política.
A
punição aplicada ao núcleo político do PT representa a condenação moral do
governo Lula?
Eu não aceito que essa condenação seja justa
porque não está baseada em provas, em consistências de documentos, de perícias.
São narrativas com deduções, ilações e criando a história da verossimilhança.
Entendo que o método do juiz não é igual ao da acusação. Essa é uma lição que
eu aprendi quando tentei fazer Direito, mas fui cassado. Esse julgamento vai
ser muito discutido, no meu modo de entender. O julgamento do governo Lula foi
realizado em 2006 e em 2010, quando ele elegeu a presidenta Dilma sua sucessora.
Ele
disse isso em entrevista ao La Nación...
Eu concordo e estou reafirmando.
O sr.
se sente abandonado pelo PT?
Considero essa pergunta ofensiva, com todo
respeito. Tenho recebido inúmeras manifestações. Meu telefone não para. Essa
casa é visitada permanentemente. Tenho recebido solidariedade do Brasil
inteiro. Falei com a presidenta Dilma. Disse para ela o que escrevi na Carta
Aberta ao Brasil: "Retiro-me do governo com a consciência dos
inocentes". Não quero criar qualquer tipo de embaraço para o governo da
presidenta Dilma. Tenho relação de muito respeito por ela, pela sua competência
e coragem. Sempre fui tratado com muito carinho. Foi a militância do PT que
segurou a minha eleição (para deputado federal), em 2006. Quando entrei na
reunião do Diretório Nacional (no último dia 10), militantes de todas as
tendências, de pé, gritaram o meu nome. A história do PT é a minha história
porque não foi em vão nem foi fácil tudo isso que foi feito. Tenho recebido do
PT solidariedade e apoio, o que me orgulha muito.
No PT
usa-se o argumento de que o mensalão começou em Minas, no governo de Eduardo
Azeredo, do PSDB. O sr. considera aceitável que o PT, sempre pregando a ética
na política, tenha seguido o mesmo caminho? Uma coisa justifica a outra?
Não vou entrar nessa discussão sobre processos
de outros partidos. Não vou opinar. O meu silêncio é quem fala. Quero discutir
minha condenação, que foi injusta. Vou discutir até o fim. Serei obrigado a cumprir
as imposições da Corte, mas vou discuti-las. Sou da geração em que é proibido
proibir.
O sr.
vai recorrer à Corte internacional?
Temos de esperar o término do processo. Vou
lutar de todas as formas para provar a minha inocência. Eu já vi na história culpados
serem inocentados. A minha geração aprendeu uma coisa: "Não se
dobra". As noites escuras são longas, mas a minha paciência é maior.
Aprendi isso na vida.
O sr.
foi preso político por ter militado na guerrilha do Araguaia, na ditadura
militar. Agora, pode retornar à prisão sob a democracia. Isso não o abala?
As cicatrizes nos preparam melhor para
enfrentar os golpes da vida. O meu estado de espírito é de um lutador. É como
se eu estivesse em 1968, no Araguaia, na prisão política, na Constituinte, nas
obstruções do Congresso, na fundação do PT. Quem tem a consciência do inocente
não se curva, não se dobra. Não me dobrarei. Minha vida não foi para fazer
riqueza nem para aumentar patrimônio. Minha vida foi para lutar por sonhos e
causas. A palavra de ordem é resistir e preparar a luta dentro dos marcos da
democracia.
Sua
vida política acabou?
(Pausa) Não. A vida política de nenhum
cidadão se acaba. Às vezes a situação fica mais difícil, mas a gente sempre
encontra formas de lutar. Os valores que fazem parte da minha vida são perenes
e eu luto por eles como um democrata, um socialista, um militante que fica
indignado com as injustiças. A frase que mais me marcou do Che foi quando ele
disse que um militante jamais pode aceitar a injustiça. Eu não aceito. Cumprirei
as decisões que me forem impostas, mas vou lutar com os meios que eu tiver. Eu
já lutei com tribuna, com microfone, com reunião e, nos anos 70, com outros
instrumentos. Eu não vivo sem luta, não vivo sem política e não vivo sem ideal.
Aprendi a lutar em qualquer situação. Até para quebrar a minha
incomunicabilidade na prisão, eu e meus companheiros esvaziávamos a água do
vaso sanitário para nos comunicar por ali. A gente chamava aquilo de telefone.
Para me comunicar na cadeia eu aprendi o Código Morse, em São Paulo, em
Brasília e no Ceará. A luta é um gesto, é um assobio, é um canto. A gente era
proibido de cantar "Para não dizer que não falei das flores" na
cadeia. Quando cantava, a gente sofria. Era proibido cantar "Apesar de
você". Quando cantava, era uma vitória. Eu sou de uma época em que não
podia entrar num restaurante, nos anos 70, porque tinha um cartaz com os
dizeres "Procurado". Fiquei no Dops, no Carandiru, penitenciária,
Barro Branco e presídio Paulo Salazar, no Ceará. Muitos culpados a história
provou que eram inocentes. As pessoas dentro e fora do PT que confiam em mim
podem continuar confiando, porque esse cidadão não vai se curvar. Vou lutar
todos os dias, semanas, meses e horas para defender minha inocência.
Mas,
para se defender, o sr. não precisa entregar alguns companheiros?
Nunca
fiz isso na minha vida (bate com um livro
na mesa). Nunca entreguei ninguém. Nem na tortura nem no pau de
arara. Muito menos num processo que virou um grande espetáculo midiático, que a
gente está enfrentando. Um grande amigo meu (Ozeas
Duarte, ex-dirigente do PT) dizia para mim, em 2005: "Você tem
que falar, você tem que falar". E eu disse: "Eu aprendi, com 24 anos,
que para eu me defender não preciso prejudicar ninguém". A minha verdade
sou eu e minha consciência.
Mas
há uma história a ser contada aí...
Qual história?
Eu é
que pergunto. O sr. disse que não se defende prejudicando os outros. Está
protegendo alguém?
Não. A história que tem que ser contada, e a
gente têm que ter paciência, é porque a verdade sempre prevalecerá. O que há de
terrível e belo é que, quando procuramos a verdade, dizia um ensaísta francês,
nós a encontramos. É do livro Memórias de um Revolucionário (1901-1941), de
Victor Serge. Não sou da geração que se empolga com cargo, dinheiro, prestígio,
vantagem. Sou da geração que ficou um ano em solitária e não perdeu a esperança.
O PT
precisa fazer uma autocrítica de suas práticas depois das eleições?
Estamos tendo grande vitória política e
eleitoral e estou torcendo para que a gente consolide isso no segundo turno. O
PT aprendeu que na unidade, ganha; quando se divide, perde. Não pode se isolar
e é necessário fazer alianças. O PT é vitorioso politicamente e é nesse clima
que tem de discutir a sua história, a sua experiência. Um partido é como a
vida: a gente vai vivendo, aprendendo e amadurecendo. É legítimo um partido
querer continuar no poder. Se há uma grande questão a ser colocada na pauta
pelo PT é discutir uma reforma política profunda, com base no financiamento
público e na fidelidade partidária. Não se trata de acerto de contas. A tarefa
do PT é muito grande para ficar se perdendo nessas questões.
Isso
resolve?
Problemas sempre vão existir, mas a crise da
política tem que ser resolvida pela política. Não é pelo Judiciário. A Justiça
trabalha, muitas vezes, com o retrovisor. A política trabalha com para-brisa.
Por
que o sr. diz que a Justiça trabalha com o retrovisor?
Ela
trabalha com fatos acontecidos. A política é para o futuro. Será que existiria
esse bichinho aqui (aponta para a Constituição de 1988, na prateleira)
sem quebra-pau, sem briga?
O
candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, disse que as
condenações no partido representam uma depuração na política. Não seria essa a
autocrítica?
A missão do Haddad é vencer a eleição. E vai
vencer. Ponto. Assim como vamos vencer em Fortaleza, em Campinas, em Salvador...
Como
o sr. vê a tentativa do candidato do PSDB, José Serra, de vincular Haddad ao
mensalão?
Eu conheço Serra porque fui constituinte e
deputado com ele. Tenho uma relação pessoal respeitosa. Sinceramente, acho que
essa atitude é desespero dele e uma decepção para mim.
Por
que o sr. diz que a crise do mensalão foi o seu segundo AI-5?
Quando foi decretado o AI-5, eu entrei na
clandestinidade e fui perseguido. Quando estourou a crise do PT de 2005 e se
iniciou a Ação Penal 470,
a maneira
como alguns segmentos trataram o partido e a minha pessoa foi de perseguição e
isso me lembrou o Ato Institucional n.° 5. Tentaram me interditar e não
conseguiram.
Como
é uma pessoa com sua trajetória política ser tachada agora de corrupto?
Eu não sou corrupto. Nunca pratiquei qualquer
ato de corrupção. Nunca pratiquei qualquer associação criminosa e tenho a
consciência tranquila. Estou sendo acusado e condenado numa injustiça
monumental. Vou lutar com a energia do combatente que prefere correr risco a
baixar a cabeça. Um grande amigo meu, político, mas não do PT, disse:
"Genoino, somos de uma geração que foi encurralada, mas nós não nos
dobramos".
O sr.
se arrepende de alguma coisa? O que o sr. não faria novamente se o
ex-presidente Lula ganhasse a eleição agora?
Na
minha história, mesmo em momentos muito duros, não existe a palavra
arrependimento. Tudo o que fiz foi legal e politicamente legítimo. Fiz coisas
corretas, conscientes, para construir uma causa justa, que está se
materializando em melhorar a vida das pessoas. Nunca esqueço quando Lula me
chamou no Palácio e disse: "Estou comunicando que o salário mínimo de 2004
que vou assinar é esse (R$ 260). Eu não posso assinar mais do
que isso porque boto o País em risco". Aí eu fui para a rua e fui
criticado. Mas não me arrependo. Era muito fácil, depois do que aconteceu no
Araguaia, eu culpar alguém. Todas as minhas escolhas foram conscientes e eu
assumo a responsabilidade por elas. (Genoino
mostra uma charge dele na parede, feita no programa Roda Viva, com o título
"Eu sou o responsável"). Eu nunca fugi da briga, da
responsabilidade e do risco. A política não é uma coisa que você faça cálculo
para tirar esse ou aquele proveito. A política para mim é paixão. Sempre
defendi a mais ampla negociação possível, mas sei o lado da cadeira em que me
sento. Tenho muitos amigos em partidos que não apoiam o governo. Um deles me
disse: "Eu acredito em você porque o conheço". Então, é isso que me
vale. Sei separar a relação humana da ideologia e da política.
É
verdade que o seu pai perguntou ao sr. por que Lula fazia muito pelo Brasil,
mas não o ajudava?
Meu pai, Sebastião Genoino Guimarães, vai
fazer em novembro 90 anos. Vive com uma pensão do INSS, mora na mesma casa em
que eu nasci, no Encantado (CE). Ele disse para mim o seguinte: "Meu
filho, eu quero entender. Você é filho mais velho e ia ser o doutor da família.
A política o tirou da universidade. Você queria sair da roça para estudar e
voltou para a roça para fazer guerrilha. Você virou deputado famoso por São
Paulo e não ficou rico. O Lula está melhorando demais a nossa vida, mas e isso
que está acontecendo com você? É o destino?" Aí eu disse: "É, pai, é
o destino da luta". Ele ficou calado. Sempre que estou com meu pai ele faz
essas perguntas. Lá onde ele mora a comunidade é muito feliz com o governo Lula.
O sr.
disse que o seu julgamento não foi isento e que os ministros do STF foram
pautados por comentaristas políticos. O ex-presidente Lula e a presidente Dilma
escolheram mal os representantes do STF, já que são responsáveis pela indicação
de 8 dos 11 ministros?
O governo do PT nunca usou critérios de
posições políticas para indicar ministros do STF. Não estou avaliando esse ou
aquele ministro. Estou falando de fato concreto, de decisões sobre o meu
julgamento.
O sr.
ficou decepcionado com o voto do ministro José Antonio Dias Toffoli, que foi
advogado do PT e o condenou?
Sempre tive uma relação formal com o ministro
Toffoli. E essa relação formal e respeitosa me coloca na seguinte situação:
sobre o voto do ministro Toffoli quem fala é o meu silêncio.
O sr.
defende o controle do Judiciário?
A
Emenda Constitucional n.º 96, que estabeleceu o controle externo através do
Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público é de
minha autoria. O Judiciário é um poder autônomo, que a gente respeita e tem
independência em relação a governos, partidos, mídia e opinião pública. A
atividade jurisdicional não pode ser controlada. Agora, há uma coincidência
matemática do julgamento com as eleições. Mesmo sendo obrigado a cumprir (a sentença), tenho o direito de
discutir qualquer decisão do Judiciário.
No
dia da votação, o sr. disse que a ditadura, hoje, é a da caneta e que
jornalistas são abutres que torturam a alma humana. O sr. quer controlar a
mídia?
Eu defendi na Constituinte a plena liberdade
da imprensa e ajudei a aprovar a Lei de Acesso à Informação. O meu desabafo
ocorreu porque fui procurado naquele dia por um grupo de jornalistas. Eu disse:
"Não vou falar". A maioria respeitou. Apenas um jornalista me seguiu
até a cabine, colocou um gravador na minha boca e começou a fazer perguntas em
voz alta, me provocando. Eu disse que ele se comportava como abutre que tortura
a alma humana. Sou contra o controle da imprensa e é necessário que se respeite
o direito à informação. Mas, assim como a liberdade de imprensa é cláusula
pétrea, os direitos individuais também fazem parte disso e temos que equilibrar
para que o monopólio dos meios de comunicação não dê a última palavra.
A
carta de sua filha, Miruna, dizendo que sua família entra agora num período de
incertezas, o emocionou?
Muito.
Aliás, é a segunda carta da Miruna que me emociona muito. A primeira foi quando
aconteceu a crise de 2005, assim como a carta desse aí (aponta para o filho,
Ronan, e fica com a voz embargada). Porque eles nasceram e se criaram aqui.
Eles sabem o que eu ofereci: uma relação muito franca, de amor muito profundo.
Eu disse para meus filhos o seguinte: "O pai de vocês não tem riqueza, mas
tem honra e dignidade e vocês jamais terão vergonha dele. Diante da humilhação
e da servidão, o pai de vocês prefere o risco do combate". Eles concordam
comigo.
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