O Ministério da Saúde estuda desde 2014 incorporar o Truvada a sua política pública de distribuição de medicamentos. O objetivo é oferecê-lo a pessoas em grupos vulneráveis, como homens que fazem sexo com homens, transexuais e profissionais do sexo. Encomendou uma pesquisa com 500 voluntários, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre, para entender se os brasileiros teriam disciplina para usar o medicamento todos os dias e se não abandonariam o preservativo por já se sentirem seguros com o remédio. Esse é o pior dos pesadelos de especialistas que são contra esse tipo de prevenção, chamada profilaxia de pré-exposição. Há a possibilidade de as pessoas apostarem apenas no comprimido como prevenção, em vez de usá-lo como complemento, e se exporem ao vírus, ao não usarem preservativo. Se elas não tomarem o remédio rigorosamente todo dia, aumentarão seu risco de contrair o vírus HIV.
Os resultados preliminares sugerem que tomar o Truvada não afetou a disposição dos participantes para usar preservativos. “Há indícios de um aumento no número de relações protegidas, em que a pessoa usa camisinha”, diz Madruga, que coordenou o trabalho com voluntários do CRT, em São Paulo.
O estudo deveria acabar em 2015, mas foi prolongado para mais um ano. “Quando pensamos que o estudo acabaria, ao final do primeiro ano, alguns voluntários juntaram dinheiro para tentar comprar o Truvada em uma importadora”, diz Madruga. O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, diz não haver dúvidas de que o Truvada será incorporado ao programa de prevenção do Ministério em 2016. “Os resultados preliminares dos diversos estudos são muito animadores”, diz Mesquita. A incorporação, prevista para o início deste ano e adiada sem prazo definido, esbarra em uma questão significativa: o preço do medicamento.
Críticos afirmam que o maior mérito do Truvada é servir como uma mina de ouro para a Gilead Sciences. Nos Estados Unidos, um mês da droga custa US$ 1.000. O paciente, ou seu plano de saúde, deve bancar a compra. O Reino Unido, cujo sistema público de saúde se assemelha ao brasileiro, acaba de decidir que não é sua responsabilidade bancar o acesso da população à droga. Na Austrália, um dos países que cogitam oferecer o método, um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde concluiu que ele é caro demais, nos preços atuais, para ser ofertado a toda a população que poderia ser beneficiada. No Brasil, o ministério procura formas de driblar os preços altos: além da negociação com a Gilead, já procurou fabricantes de genéricos fora do país. Quer chegar a um valor inferior a US$ 320 por ano por pessoa.
O dilema de incorporar ou não drogas caras a políticas de saúde pública não é exclusividade do programa de aids. Acontece em outras áreas e é cada vez mais frequente, à medida que crescem os preços dos novos medicamentos. As opções nos tratamentos de câncer dão uma dimensão do problema: um estudo da Associação Econômica dos Estados Unidos concluiu que, entre 1995 e 2013, os preços de novas drogas oncológicas aumentaram US$ 8.500 em média a cada ano. Um dos motivos é a dificuldade para inovar. “Os medicamentos precisam ficar cada vez mais específicos. É mais difícil desenvolvê-los”, diz Antônio Britto, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. Estima-se que o custo de desenvolvimento de uma nova droga a partir do zero fique próximo de US$ 850 milhões. A OMS alerta sobre o problema em seu site: “Há um conflito de interesses inerente entre o objetivo legítimo das indústrias (de ter lucro) e as necessidades sociais, médicas e econômicas dos prestadores de serviços de saúde e do público de selecionar e usar remédios de maneira racional”. Segundo a OMS, as dez maiores farmacêuticas do mundo trabalham com margem de lucro superior a 30%. Juntas, elas detêm mais de 30% do mercado. Hillegonda Maria Novaes, professora de medicina preventiva da Universidade de São Paulo, considera o setor concentrado demais. “Essas empresas podem impor preços”, afirma a pesquisadora.
O reflexo dos custos altos aparece nas contas do governo. Em 2003, 5,8% do orçamento do Ministério da Saúde era destinado a essas compras. Em 2015, a fatia cresceu para 14,4% do orçamento (leia o quadro acima). “No Brasil, a avaliação de eficiência laboratorial predomina sobre a avaliação de eficiência econômica”, diz Lia Hasenclever, economista especializada em saúde e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como qualquer outro critério, ele tem consequências. “O cobertor é curto. Há sinais de que os medicamentos de alto custo têm prioridade e há problemas de desabastecimento, de falta de outros medicamentos”, diz Lia.
Os resultados preliminares sugerem que tomar o Truvada não afetou a disposição dos participantes para usar preservativos. “Há indícios de um aumento no número de relações protegidas, em que a pessoa usa camisinha”, diz Madruga, que coordenou o trabalho com voluntários do CRT, em São Paulo.
O estudo deveria acabar em 2015, mas foi prolongado para mais um ano. “Quando pensamos que o estudo acabaria, ao final do primeiro ano, alguns voluntários juntaram dinheiro para tentar comprar o Truvada em uma importadora”, diz Madruga. O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, diz não haver dúvidas de que o Truvada será incorporado ao programa de prevenção do Ministério em 2016. “Os resultados preliminares dos diversos estudos são muito animadores”, diz Mesquita. A incorporação, prevista para o início deste ano e adiada sem prazo definido, esbarra em uma questão significativa: o preço do medicamento.
Críticos afirmam que o maior mérito do Truvada é servir como uma mina de ouro para a Gilead Sciences. Nos Estados Unidos, um mês da droga custa US$ 1.000. O paciente, ou seu plano de saúde, deve bancar a compra. O Reino Unido, cujo sistema público de saúde se assemelha ao brasileiro, acaba de decidir que não é sua responsabilidade bancar o acesso da população à droga. Na Austrália, um dos países que cogitam oferecer o método, um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde concluiu que ele é caro demais, nos preços atuais, para ser ofertado a toda a população que poderia ser beneficiada. No Brasil, o ministério procura formas de driblar os preços altos: além da negociação com a Gilead, já procurou fabricantes de genéricos fora do país. Quer chegar a um valor inferior a US$ 320 por ano por pessoa.
O dilema de incorporar ou não drogas caras a políticas de saúde pública não é exclusividade do programa de aids. Acontece em outras áreas e é cada vez mais frequente, à medida que crescem os preços dos novos medicamentos. As opções nos tratamentos de câncer dão uma dimensão do problema: um estudo da Associação Econômica dos Estados Unidos concluiu que, entre 1995 e 2013, os preços de novas drogas oncológicas aumentaram US$ 8.500 em média a cada ano. Um dos motivos é a dificuldade para inovar. “Os medicamentos precisam ficar cada vez mais específicos. É mais difícil desenvolvê-los”, diz Antônio Britto, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. Estima-se que o custo de desenvolvimento de uma nova droga a partir do zero fique próximo de US$ 850 milhões. A OMS alerta sobre o problema em seu site: “Há um conflito de interesses inerente entre o objetivo legítimo das indústrias (de ter lucro) e as necessidades sociais, médicas e econômicas dos prestadores de serviços de saúde e do público de selecionar e usar remédios de maneira racional”. Segundo a OMS, as dez maiores farmacêuticas do mundo trabalham com margem de lucro superior a 30%. Juntas, elas detêm mais de 30% do mercado. Hillegonda Maria Novaes, professora de medicina preventiva da Universidade de São Paulo, considera o setor concentrado demais. “Essas empresas podem impor preços”, afirma a pesquisadora.
O reflexo dos custos altos aparece nas contas do governo. Em 2003, 5,8% do orçamento do Ministério da Saúde era destinado a essas compras. Em 2015, a fatia cresceu para 14,4% do orçamento (leia o quadro acima). “No Brasil, a avaliação de eficiência laboratorial predomina sobre a avaliação de eficiência econômica”, diz Lia Hasenclever, economista especializada em saúde e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como qualquer outro critério, ele tem consequências. “O cobertor é curto. Há sinais de que os medicamentos de alto custo têm prioridade e há problemas de desabastecimento, de falta de outros medicamentos”, diz Lia.
Para reduzir o preço das drogas, é possível negociar com o fabricante ou produzir nacionalmente
O governo tem algumas táticas para tentar reduzir o custo dos novos medicamentos. A primeira é negociar com os fabricantes. O limite de ação é restrito. “As empresas sabem que, se baixarem os preços no Brasil, vão ser pressionadas para baixar no resto do mundo”, diz José Miguel do Nascimento Júnior, diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Mesmo negociações bem-sucedidas não garantem medicamento barato. No ano passado, o governo conseguiu incorporar ao Sistema Único de Saúde três novos medicamentos para tratar hepatite C. Juntos, o sofosbuvir, o daclatasvir e o simeprevir dobram as chances de cura da doença em menos tempo de tratamento. O Ministério da Saúde conseguiu descontos de 95% na compra das drogas. Mesmo assim, tratar um paciente custa US$ 9 mil. Hoje, 1,4 milhão de brasileiros sofrem com hepatite C.
A segunda tática é firmar acordos de transferência de tecnologia e produzir o medicamento em laboratórios de propriedade do governo. A terceira tática, mais agressiva, é a emissão de licenças compulsórias, também conhecida como quebra de patente. Quando um medicamento de alto custo é considerado de interesse público, o governo pode requerer sua produção em empresas nacionais, à revelia de quem o desenvolveu (embora a companhia que criou a droga receba royalties).
Prevenir o avanço da aids é urgente. “Cada mês que passa sem o acesso ao medicamento representa uma oportunidade perdida de proteger a população”, afirma Alexandre Grangeiro, especialista em saúde pública e pesquisador da Universidade de São Paulo. O mesmo vale para tratar a hepatite C ou vacinar contra o vírus H1N1. No Brasil, o acesso à saúde é um direito constitucional. Com novos medicamentos cada vez mais caros e recursos limitados, é também um desafio para todos os governos.
A segunda tática é firmar acordos de transferência de tecnologia e produzir o medicamento em laboratórios de propriedade do governo. A terceira tática, mais agressiva, é a emissão de licenças compulsórias, também conhecida como quebra de patente. Quando um medicamento de alto custo é considerado de interesse público, o governo pode requerer sua produção em empresas nacionais, à revelia de quem o desenvolveu (embora a companhia que criou a droga receba royalties).
Prevenir o avanço da aids é urgente. “Cada mês que passa sem o acesso ao medicamento representa uma oportunidade perdida de proteger a população”, afirma Alexandre Grangeiro, especialista em saúde pública e pesquisador da Universidade de São Paulo. O mesmo vale para tratar a hepatite C ou vacinar contra o vírus H1N1. No Brasil, o acesso à saúde é um direito constitucional. Com novos medicamentos cada vez mais caros e recursos limitados, é também um desafio para todos os governos.
Um comprimido para prevenir a aids
Quem são os primeiros brasileiros a usar a droga que evita a infecção – e o que precisamos saber sobre ela
MARCELA BUSCATO
O frasco com comprimidos azuis está sempre no caminho do auxiliar de enfermagem Fábio Paulo Santana, de 40 anos. Ele coloca a embalagem em cima de um aparador, na sala de jantar de sua casa, no Rio de Janeiro. É a garantia de que avistará o remédio quando passar por ali antes de sair. Ou quando se sentar para fazer as refeições. Mesmo que seus artifícios falhem, ele conta com outro tipo de ajuda: sua empregada e a avó, de 95 anos, são sua memória substituta. Como também tomam remédios, ajudam a lembrar quando chegou a hora do medicamento de Santana.
Tamanha preocupação tem bom motivo. Santana é um dos primeiros brasileiros a usar uma droga que impede a contaminação pelo vírus HIV, o causador da aids. Quando ingerida diariamente por pessoas que não estão contaminadas, ela reduz as chances de que o vírus consiga invadir as células de defesa e infectar o organismo. O novo método de prevenção é considerado um dos maiores avanços na luta contra a epidemia. “O remédio me dá segurança adicional”, afirma Santana. Ele namora um homem há um ano e meio e diz que acidentes acontecem: “Preservativos furam. Com o remédio, me sinto confortável”.
Tamanha preocupação tem bom motivo. Santana é um dos primeiros brasileiros a usar uma droga que impede a contaminação pelo vírus HIV, o causador da aids. Quando ingerida diariamente por pessoas que não estão contaminadas, ela reduz as chances de que o vírus consiga invadir as células de defesa e infectar o organismo. O novo método de prevenção é considerado um dos maiores avanços na luta contra a epidemia. “O remédio me dá segurança adicional”, afirma Santana. Ele namora um homem há um ano e meio e diz que acidentes acontecem: “Preservativos furam. Com o remédio, me sinto confortável”.
Ao tomar os comprimidos, ele faz mais que se proteger. É voluntário de um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde para saber como as pessoas se adaptam ao novo tipo de prevenção. O objetivo é avaliar se o método deve ser adotado no Brasil como política de saúde pública, ao lado de medidas tradicionais, como a distribuição de preservativo+
O remédio usado é um velho conhecido dos médicos. Chamado Truvada, foi lançado nos Estados Unidos em 2004, pela empresa Gilead Sciences. Trata-se da combinação de duas drogas, o tenofovir e a emtricitabina. Ambas são antirretrovirais, uma classe de medicamentos que revolucionou o tratamento da aids nos anos 1980, ao conter o avanço do HIV no organismo de pacientes já infectados e ao permitir que convivessem por décadas com o vírus. Há quatro anos, a descoberta de uma equipe internacional de pesquisadores – composta também de cientistas brasileiros – mostrou que os antirretrovirais poderiam ser usados não só para tratar, mas também para prevenir a aids. Foi um marco. Todos os 2.500 voluntários eram homens que fazem sexo com homens, o grupo com mais risco de contrair o HIV. Entre os participantes que tomaram diariamente as doses, o risco caiu 92%. Em julho deste ano, a Organização Mundial da Saúde recomendou a adoção do novo método como prevenção entre homossexuais. A entidade estima que as infecções diminuiriam em 25%.
A preocupação em oferecer uma nova forma de proteção para homens que fazem sexo com homens é baseada em estatísticas. No Brasil, 10,5% das pessoas dentro desse grupo estão infectadas. Na população em geral, são 0,4%. O número de pessoas infectadas entre os homossexuais masculinos é 20 vezes maior. “A epidemia de aids não é homogênea para toda a população”, diz o pesquisador Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O tipo de sexo praticado está diretamente relacionado ao risco. A penetração anal sem preservativo é considerada a prática mais perigosa. Mas essa não é a única razão para a prevalência maior do vírus. “Há questões sociais, como a discriminação”, diz Scheffer. Vítimas de preconceito, muitos homens que fazem sexo com homens temem se expor ao procurar atendimento médico e medidas de prevenção. Alguns, após anos de discriminação, desenvolvem problemas de autoestima e têm dificuldade de exigir que seus parceiros se protejam.
O aparecimento de novos casos é preocupante. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 22% nas infecções em homens que fazem sexo com homens, principalmente entre os mais jovens. “Eles são mais sexualmente ativos. Muitos não usam camisinha porque não viram o pior da epidemia”, diz Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O crescimento nesse grupo ajuda a explicar dados alarmantes divulgados em julho pela Unaids, o programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids. Enquanto, no mundo, os novos casos caíram 27,6% entre 2005 e 2013, no Brasil, cresceram 11%.
O uso de antirretrovirais como prevenção é visto como um reforço para diminuir os casos dentro desse grupo. “Não é um benefício apenas para os indivíduos”, diz a infectologista Beatriz Grinsztejn, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “A medida interrompe a cadeia de transmissão do vírus e contribui para o controle da epidemia.” Beatriz coordena o estudo encomendado pelo Ministério da Saúde para avaliar o uso do Truvada como método preventivo. Noventa voluntários já tomam o Truvada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na capital paulista, o levantamento é conduzido pela Faculdade de Medicina da USP e pelo Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT). Em breve, o estudo chegará a Porto Alegre. A ideia é que, em um ano e meio, 500 voluntários participem. O levantamento responderá a algumas dúvidas: é possível que os voluntários se sintam seguros a ponto de não usar camisinha? Os efeitos colaterais podem fazer com que abandonem a medicação? Eles tomam o remédio todos os dias? “O efeito protetor depende de ingerir os comprimidos diariamente”, diz o infectologista José Valdez Madruga, diretor da unidade de pesquisa do CRT.
A preocupação em oferecer uma nova forma de proteção para homens que fazem sexo com homens é baseada em estatísticas. No Brasil, 10,5% das pessoas dentro desse grupo estão infectadas. Na população em geral, são 0,4%. O número de pessoas infectadas entre os homossexuais masculinos é 20 vezes maior. “A epidemia de aids não é homogênea para toda a população”, diz o pesquisador Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
O tipo de sexo praticado está diretamente relacionado ao risco. A penetração anal sem preservativo é considerada a prática mais perigosa. Mas essa não é a única razão para a prevalência maior do vírus. “Há questões sociais, como a discriminação”, diz Scheffer. Vítimas de preconceito, muitos homens que fazem sexo com homens temem se expor ao procurar atendimento médico e medidas de prevenção. Alguns, após anos de discriminação, desenvolvem problemas de autoestima e têm dificuldade de exigir que seus parceiros se protejam.
O aparecimento de novos casos é preocupante. Nos últimos dez anos, houve um aumento de 22% nas infecções em homens que fazem sexo com homens, principalmente entre os mais jovens. “Eles são mais sexualmente ativos. Muitos não usam camisinha porque não viram o pior da epidemia”, diz Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O crescimento nesse grupo ajuda a explicar dados alarmantes divulgados em julho pela Unaids, o programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids. Enquanto, no mundo, os novos casos caíram 27,6% entre 2005 e 2013, no Brasil, cresceram 11%.
O uso de antirretrovirais como prevenção é visto como um reforço para diminuir os casos dentro desse grupo. “Não é um benefício apenas para os indivíduos”, diz a infectologista Beatriz Grinsztejn, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “A medida interrompe a cadeia de transmissão do vírus e contribui para o controle da epidemia.” Beatriz coordena o estudo encomendado pelo Ministério da Saúde para avaliar o uso do Truvada como método preventivo. Noventa voluntários já tomam o Truvada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na capital paulista, o levantamento é conduzido pela Faculdade de Medicina da USP e pelo Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT). Em breve, o estudo chegará a Porto Alegre. A ideia é que, em um ano e meio, 500 voluntários participem. O levantamento responderá a algumas dúvidas: é possível que os voluntários se sintam seguros a ponto de não usar camisinha? Os efeitos colaterais podem fazer com que abandonem a medicação? Eles tomam o remédio todos os dias? “O efeito protetor depende de ingerir os comprimidos diariamente”, diz o infectologista José Valdez Madruga, diretor da unidade de pesquisa do CRT.
A equipe coordenada por Beatriz analisará os hábitos de pessoas como o gestor de eventos carioca Julio Moreira, de 37 anos. Ele é casado há 12 anos com um homem, trabalha numa organização não governamental que atende homossexuais e decidiu colaborar com o estudo. Esqueceu de tomar o remédio algumas vezes, mas diz que agora virou um costume. “Tomo como se fosse uma vitamina, no café da manhã”, diz Moreira. Ele também foi voluntário da pesquisa internacional que comprovou a eficácia do Truvada como prevenção. Não teve nenhum dos raros efeitos colaterais relatados no primeiro estudo – problemas nos rins e ossos: “Senti apenas dores de cabeça e náuseas. Nada que me fizesse parar com o medicamento”.
Nos EUA, o Truvada já é usado para prevenção desde 2012. A experiência americana dá pistas sobre algumas barreiras que o Brasil poderá enfrentar. O psicólogo Damon L. Jacobs, de 43 anos, foi um dos primeiros a tomar o remédio, em 2011. Enfrentou preconceito. Ele e outros pioneiros foram chamados dentro da comunidade gay de “Truvada whores” (algo como “prostitutas do Truvada”). A ofensa revela o medo de que a nova medida encoraje os usuários a abandonar a camisinha e a se aventurar sexualmente. “As pessoas usarão o remédio no lugar do preservativo”, diz Michael Weinstein, da ONG Aids Healthcare Foundation, um dos opositores mais ferrenhos. “Como é difícil tomar a droga diariamente, acabarão contaminados.” Jacobs, o pioneiro, acredita que esse tipo de oposição será superado. Enquanto isso, ele e os amigos tentam combater o rótulo que receberam. Estamparam “Truvada whore” em camisetas e usam a expressão a seu favor, para divulgar a causa. “Não podemos ser vítimas da ignorância alheia. Se há um novo método para se proteger, por que não usá-lo?”, diz Jacobs.
Os pesquisadores envolvidos nos estudos que avaliam o Truvada dizem que não há motivo para se preocupar com o relaxamento no uso da camisinha. A pesquisa de 2010, que comprovou a eficácia do remédio, sugere que o uso de preservativo não diminuiu. Um dos pilares dos novos estudos, como o brasileiro, é divulgar entre os participantes que o remédio não é um substituto para a camisinha, que reduz em 98% os riscos de contrair o vírus. Mesmo porque o Truvada não protege contra as outras doenças sexualmente transmissíveis. Ele é um complemento para reforçar a segurança entre pessoas que não conseguem usar o preservativo em todas as relações sexuais. “É como se o remédio fosse um air bag”, diz a médica Valdiléa Veloso, da Fiocruz. “Quando eles foram adotados nos carros, falaram que as pessoas parariam de usar o cinto. Isso não aconteceu. O air bag se tornou um complemento de segurança.”
O reforço é bem-vindo. Pesquisas do Ministério da Saúde mostram que, nos últimos anos, houve redução no uso regular da camisinha. Em 2004, 51,5% usavam o preservativo em todas relações sexuais casuais. Em 2008, esse número caiu para 45,7%. O mesmo ocorreu entre quem tem parceiro fixo. Em 2004, 24,9% usavam. Em 2008, eram apenas 19,4%.
O professor carioca Haroldo Andre Garcia, de 40 anos, é voluntário no estudo da Fiocruz e não se descuida. Diz que, desde que começou a tomar o Truvada, há quatro meses, nunca deixou o preservativo de lado. Mesmo assim, amigos já perguntaram se ele tomava o remédio porque era promíscuo. “Não é um convite à promiscuidade, é só mais uma segurança”, diz Garcia. “Tenho muito medo da aids, porque vi todos aqueles artistas morrer nos anos 1980.” Ele está solteiro e diz que é um bom momento para usar a proteção extra. Um dos objetivos do novo método de prevenção é este: ensinar as pessoas a reconhecer os níveis de risco a que estão expostas, para que escolham as melhores medidas preventivas.
Antes de adotar o Truvada em larga escala, o Brasil terá de responder a outras dúvidas. “De onde sairá o dinheiro? Ele terá de vir de algum outro lugar”, diz Paulo Lotufo, diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP. “Vamos pegar um monte de dinheiro e dar para um laboratório.” O Truvada não faz parte da lista de medicamentos do Ministério da Saúde, nem como opção de tratamento para a aids. Se for adotado oficialmente, poderá ocorrer uma negociação com o fabricante para baixar seu preço, estimado nos EUA em US$ 1.000 por mês, por usuário. Outra opção é produzir no Brasil. O infectologista Esper Georges Kallás, pesquisador que conduz o estudo da Fiocruz na USP, diz que os custos podem ser altos, mas os benefícios também são. Haverá menos contaminados, menos gastos com o tratamento e, claro, menos mortes. “Quanto vale poupar uma vida?”,. “Para mim, não tem preço.”
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