Brasília -  Como cerca de 1,5 milhão de brasileiros, Antônio Borges Sobreiro, 61 anos, sofria de um mal silencioso, a fibrilação atrial. A doença é um tipo de arritmia cardíaca que aumenta em cinco vezes a chance de ter um acidente vascular cerebral (AVC) .
Assim como muitos pacientes, o servidor público aposentado não acreditava que aquela aceleração no coração , que sentia só às vezes, pudesse lhe causar algum mal maior. Por isso, não seguia a recomendação médica de tomar anticoagulantes todos os dias.
Há seis anos, no entanto, Antônio foi obrigado a mudar de atitude. Ele sofreu um AVC e viu a doença se manifestar de forma concreta. Depois de 18 dias internado em uma UTI, teve de mudar de vida. Anticoagulantes fazem parte da nova rotina, assim como os remédios para a hipertensão – condição que tinha antes mesmo do acidente.
“A gente acha que isso só vai acontecer com os outros. Mudei radicalmente minha dieta , que hoje tem verduras, legumes e frutas. Não bebo mais e sigo direitinho o que minha médica pede. Eu estar vivo é um milagre”, acredita.
Nos pacientes com fibrilação atrial, as câmaras superiores do coração deixam de se contrair por causa de impulsos rápidos e irregulares. Com isso, o sangue não é bombeado direito durante o batimento cardíaco, levando à formação de pequenos coágulos que podem bloquear as veias do cérebro , causando o AVC.
Além de ser um potencial fator de risco para acidentes vasculares no cérebro, a fibrilação os torna ainda mais graves. A mortalidade em pacientes que têm a doença e sofrem um AVC é duas vezes maior e há 50% a mais de chances de que o paciente portador da fibrilação fique incapacitado após o AVC.
No Brasil
Uma pesquisa apresentada esta semana em Brasília, durante o Congresso Mundial de AVC realizado pela World Stroke Organization, que inicia nova campanha contra a doença este mês, feita em oito hospitais brasileiros, públicos e privados, comprova a gravidade da doença.
De acordo com a neurologista Sheila Martins, presidente da ONG Rede Brasil AVC, de 2.057 pacientes atendidos nessas unidades por conta de acidentes vasculares cerebrais agudos, 32% foram causados por causa de doenças no coração (cardioembólicos). Ao todo, a fibrilação atrial foi responsável por 444 (22%) casos.
O índice de mortalidade entre os pacientes com fibrilação atrial é o dobro do que nos demais. Segundo o estudo divulgado por Sheila, 16% dos doentes que sofreram AVC e tinham fibrilação morreram. O percentual entre os demais pacientes foi de 8%.
Além disso, o estudo mostrou que o tempo de internação para quem sofre um AVC por causa da fibrilação é maior (em média, oito dias) e a independência funcional do paciente três meses depois, é menor. Do total, 48% dos pacientes com fibrilação se recuperaram totalmente após esse período, enquanto entre as pessoas sem a doença, o índice subiu para 62%.
Falta prevenção
A história de Antônio, que deu seu depoimento durante o congresso, corrobora outro dado da pesquisa. O desconhecimento da população sobre a doença. Dos pacientes analisados, 77% tinham indicação para tomar anticoagulantes – uma recomendação para quem tem fibrilação atrial – e apenas 12%, de fato, tomavam.
“Foi uma falha minha”, diz Antônio. Ele achava que não era necessário tomar o remédio. Hoje, comemora poder ajudar outras pessoas com seu depoimento. “Fiquei com a dicção ruim, mas é gratificante dar esse depoimento que talvez sirva de exemplo e esperança para a medicina”, comentou o morador da cidade de Taguatinga, em Brasília.
“Se o paciente for atendido rapidamente e tomar a medicação adequada, a chance de diminuirmos as sequelas e aumentarmos a sobrevida é enorme. Precisamos difundir sintomas e tratamentos da doença e organizar melhor os hospitais para receber esses pacientes”, afirma Sheila.
Segundo ela, os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) com pessoa que tem fibrilação atrial e sofre um AVC são duas vezes mais altos e aumentam em R$ 73 milhões o gasto anual com a doença. “Precisamos educar a população”, diz a médica.
Especialistas de diferentes países da América Latina estão reunidos na capital, até sábado, para discutir programas de prevenção e tratamento para a doença que, como a campanha lançada por eles hoje diz, vai atingir uma em cada seis pessoas no mundo. A cada ano, 15 milhões de pessoas no mundo têm um AVC. É segunda principal causa de morte em pessoas com mais de 60 anos de idade.
 
As informações são de Priscilla Borges do iG