A equivalência farmacêutica entre dois medicamen-
tos relaciona-se à comprovação de que ambos contêm o
mesmo fármaco (mesma base, sal ou éster da mesma molé-
cula terapeuticamente ativa), na mesma dosagem e forma
farmacêutica, o que pode ser avaliado por meio de testes in
vitro (Shargel & Yu, 1999; WHO, 1999). Portanto, pode ser
considerada como um indicativo da bioequivalência entre
os medicamentos em estudo, sem, contudo, garanti-la.
A legislação brasileira, tendo como base a regula-
mentação técnica e a experiência de diversos países na área
de medicamentos genéricos, estabelece que, para um medi-
camento ser registrado como genérico, é necessário que se
comprove sua equivalência farmacêutica e bioequivalência
(mesma biodisponibilidade) em relação ao medicamento de
referência indicado pela Anvisa (Brasil, 2003a).
Tal fato, aliado ao cumprimento das Boas Práticas de
Fabricação e Controle de Qualidade (BPFC), fornece as ba-
ses técnicas e científicas para a intercambialidade entre o
genérico e seu medicamento de referência, uma vez que,
nesse caso, ambos podem ser considerados equivalentes
terapêuticos, ou seja, medicamentos que apresentam a mes-
ma eficácia clínica e o mesmo potencial para gerar efeitos
adversos (Marzo & Balant, 1995; Meredith, 1996; WHO,
1996; Benet, 1999; Marzo, 1999; Meyer, 1999).
O medicamento de referência é, geralmente, o inova-
dor cuja biodisponibilidade foi determinada, durante o desen-
volvimento do produto, e que teve sua eficácia e segurança
comprovadas por meio de ensaios clínicos, antes da obten-
ção do registro para comercialização. Nesse caso, a empresa
fabricante desenvolveu a formulação e a forma farmacêutica
adequadas à via de administração e ao objetivo terapêutico
do medicamento, estabelecendo e validando os processos de
fabricação, bem como as especificações que deverão ser re-
produzidas posteriormente, lote a lote (Storpirtis, 1999).
Para o medicamento genérico, o fabricante deve in-
vestir no desenvolvimento farmacotécnico de um produto
que cumpra com as mesmas especificações in vitro, em rela-
ção ao medicamento de referência. Entretanto, aceita-se que
a formulação e o processo de fabricação não sejam idênti-
cos, o que geralmente ocorre devido aos diferentes equipa-
mentos e fornecedores de matérias-primas empregados por
distintos fabricantes, desde que essas diferenças não com-
prometam a bioequivalência entre os produtos (Dighe, 1999).
Nesse contexto, é fundamental ressaltar que diferen-
ças em relação a características físicas e físico-químicas do
fármaco e demais componentes da formulação, bem como
nos processos de fabricação, podem gerar diferenças na
biodisponibilidade que, no caso do genérico, podem com-
prometer a bioequivalência e, consequentemente, a inter-
cambialidade. Entretanto, tal fato pode ser evitado realizan-
do-se o desenvolvimento farmacotécnico do produto de
forma adequada (Storpirtis et al., 1999).
Assim sendo, merecem atenção especial as formas
farmacêuticas em que o fármaco está presente na forma só-
lida, cuja dissolução pode ser afetada significativamente
pelas características inerentes ao próprio fármaco, bem como
pela presença de excipientes que favorecem ou dificultam a
dissolução, além das técnicas de fabricação empregadas
(Gibaldi, 1991). Portanto, formas farmacêuticas sólidas de
uso oral, de liberação imediata ou modificada, são aquelas
que, potencialmente, podem apresentar problemas em rela-
ção à biodisponibilidade e à bioequivalência (Abdou, 1989;
Arancíbia, 1991; Banakar, 1992).
Essa constatação torna-se clara quando se conside-
ra os casos de isenção de testes de bioequivalência para o
registro de determinados medicamentos genéricos, como,
por exemplo, as soluções aquosas injetáveis por via intra-
venosa. Nessas formas farmacêuticas, o fármaco já está dis-
solvido e toda a dose será administrada diretamente na cor-
rente circulatória do paciente, o que implica em 100% de
biodisponibilidade. Para um genérico desse tipo, a compro-
vação da equivalência farmacêutica e das BPFC é suficiente
para garantir a intercambialidade com o medicamento de
referência (Brasil, 2003b).
Outro exemplo de isenção corresponde a determina-
das soluções aquosas de administração oral, que também
apresentam o fármaco já dissolvido, e em condições de ser
absorvido pelo organismo. Para tais medicamentos, a expe-
riência internacional demonstrou que não é necessário re-
querer a comprovação da bioequivalência do genérico em
relação ao referência para fins de registro, uma vez que a
bioinequivalência é altamente improvável, desde que a for-
mulação do genérico não contenha qualquer substância que
possa alterar a absorção do fármaco, em relação à formula-
ção do medicamento de referência (Brasil, 2003b).
Portanto, as preocupações em termos de biodispo-
nibilidade, bioequivalência e intercambialidade recaem so-
bre medicamentos apresentados sob formas farmacêuticas
para as quais existem muitos fatores que podem alterar a
liberação, a dissolução e a absorção do fármaco no organis-
mo. Tais fatores devem ser amplamente estudados durante
o desenvolvimento farmacotécnico do produto, o que, no
entanto, não exclui a necessidade da realização do teste de
bioequivalência (Banakar, 1992; Manadas et al., 2002).
Desse modo, o teste de bioequivalência realizado,
de acordo com as Boas Práticas de Clínica (BPC) e de Labo-
ratório (BPL), empregando-se voluntários sadios, é funda-
mental para garantir que dois medicamentos que comprova-
ram a equivalência farmacêutica apresentarão o mesmo de-
sempenho no organismo em relação à biodisponibilidade,
expressa em termos da quantidade absorvida do fármaco, a
partir da forma farmacêutica administrada, e da velocidade
do processo de absorção (Storpirtis & Consiglieri, 1995;
Shargel & Yu, 1999; Storpirtis, 1999; Consiglieri & Storpir-
tis, 2000).
Fatores que afetam a dissolução e a absorção de fármacos
O processo de absorção pode ser modulado pela
velocidade de dissolução do fármaco nos líquidos do trato
gastrintestinal (Shargel & Yu, 1999). Entre os fatores que
podem alterar a desagregação da forma farmacêutica e a
dissolução do fármaco destacam-se:
1. Processo de obtenção do fármaco e suas propri-
edades físico-químicas
A existência de polimorfismopode influ-
enciar a biodisponibilidade, a estabilidade quími-
ca e física do fármaco e ter implicações no desen-
volvimento e estabilidade da forma farmacêutica,
levando-se em consideração as alterações ocor-
ridas nas características dos cristais (Arancíbia
& Pezoa, 1992).
Define-se polimorfismo como a proprie-
dade que certas substâncias apresentam de cris-
talizar sob distintas formas cristalinas, quimica-
mente idênticas, mas com diferentes proprieda-
des físicas (ponto de fusão, solubilidade). Tal fato
decorre das condições empregadas na síntese e
purificação da substância, dependendo, por exem-
plo, do tipo de solvente utilizado e da temperatu-
ra da reação (Cárcamo, 1992; Ritschel & Kearns,
1999; Ansel et al., 2000; Martin & Viladrosa, 2000;
Vippagunta et al., 2000).
Dois polimorfos de um mesmo composto
podem ser tão diferentes em estrutura cristalina e
propriedades como dois compostos distintos,
sendo que essas diferenças manifestam-se en-
quanto o fármaco está em estado sólido, ou seja,
uma vez obtida a solução as diferentes formas
não podem mais ser distinguidas (Martin & Vila-
drosa, 2000; Vippagunta et al., 2000).
Portanto, podem ser esperadas diferen-
ças na ação do fármaco, em termos farmacológi-
cos e terapêuticos devido à presença de polimor-
fos em formas farmacêuticas sólidas, assim como
em suspensões líquidas (Ansel et al., 2000; Mar-
tin & Viladrosa, 2000). Outro fator importante é
que o polimorfo menos estável tende a se trans-
formar no polimorfo mais estável (transição poli-
mórfica), o que pode ocorrer em função do tempo
e da temperatura de armazenamento, do tipo de
processo de compressão utilizado e da redução
do tamanho de partículas (Shargel & Yu, 1999;
Ansel et al., 2000)
Caso, no momento da formulação, não
seja verificado qual será o polimorfo utilizado,
pode-se obter um produto ineficaz, devido ao
comprometimento da dissolução do fármaco e,
conseqüentemente, de sua biodisponibilidade.
Outro aspecto a ser considerado, e que
enfatiza a importância do controle da rota de sín-
tese de substâncias de interesse farmacológico,
é o comportamento estereoquímico das molécu-
las. Grande parte das moléculas biológicas é qui-
ral, sendo isoladas normalmente como um único
estereoisômero (Shargel & Yu, 1999).
Quirais são moléculas de composição
química idêntica, mas que não são sobreponí-
veis com sua imagem no espelho. A maior parte
das rotas de síntese empregadas atualmente dá
origem a racematos, ou seja, uma mistura de este-
reoisômeros, pelo fato de serem rotas menos com-
plexas em termos tecnológicos. Aparentemente,
essa diferença é irrelevante. Entretanto, tais com-
postos podem apresentar atividades biológicas
distintas ou diferenças significativas em relação
à intensidade da ação farmacológica (Lima, 1997).
Outros fatores ligados às propriedades
físico-químicas do fármaco também devem ser
considerados:
tamanho das partículas: com a redução
do tamanho das partículas do fármaco ob-
tém-se maior área superficial do sólido em
contato com o meio de dissolução, resul-
tando em maior velocidade de dissolução
(Ansel et al., 2000; Martin & Viladrosa,
2000).
Higroscopicidade: as formas anidras dos
fármacos apresentam atividade termodi-
nâmica maior em relação aos seus hidra-
tos correspondentes e, conseqüentemen-
te, maior solubilidade e velocidade de dis-
solução em relação às formas hidratadas
(Abdou, 1989).
solubilidade: somente o fármaco dissol-
vido nos líquidos do trato gastrintestinal
pode ser absorvido, o que requer deter-
minada hidrossolubilidade; entretanto, o
fármaco deve apresentar também certa li-
possolubilidade para atravessar as mem-
branas biológicas que são de natureza
lipo-protéica; os compostos relativamen-
te insolúveis têm absorção incompleta ou
irregular (Shargel & Yu, 1999).
2. Natureza dos excipientes que
compõem a formulação
Os excipientes presentes em uma formu-
lação farmacêutica podem afetar a dissolução do
fármaco e, conseqüentemente, a velocidade e
quantidade pelas quais o mesmo estará disponí-
vel para ser absorvido (Gibaldi, 1991). Tal fato
ressalta a importância da avaliação do impacto
das alterações efetuadas na formulação, após o
registro do medicamento como genérico, em rela-
ção ao perfil de dissolução do fármaco contido
em formas farmacêuticas sólidas, o que, muitas
vezes, pode requerer a realização de novo teste
de bioequivalência (Brasil, 2003c).
Cabe ressaltar que, em relação aos excipi-
entes, a RDC 135 de 29 de maio de 2003, atual-
mente em vigor para o registro de medicamentos
genéricos, estabelece que os excipientes empre-
gados na formulação desses medicamentos po-
dem ou não ser idênticos aos empregados na for-
mulação de seus respectivos medicamentos de
referência (Brasil, 2003a). Dessa forma, é possí-
vel que dois produtos sejam considerados equi-
valentes farmacêuticos, mas apresentem formu-
lações diferentes em relação à composição quali
e quantitativa dos excipientes (Dighe, 1999).
Alguns componentes das formulações,
como amido e outros desintegrantes tendem a
favorecer a dissolução. Outros como o talco e o
estearato de magnésio, que atuam como lubrifi-
cante e deslizante, respectivamente, dificultam a
dissolução e devem ser adicionados em quanti-
dades mínimas (Gibaldi, 1991).
Também, são importantes, no caso de
comprimidos revestidos e drágeas, as diferenças
no tipo e composição do revestimento, uma vez
que há vários polímeros atualmente disponíveis
comercialmente e empregados para exercer dis-
tintas funções, desde a gastro-resistência até a
formação de matrizes que modulam a liberação
do fármaco. Esses fatores afetam diretamente os
processos de desagregação do medicamento nos
líquidos do trato gastrintestinal, influenciando a
dissolução e, conseqüentemente, a absorção do
fármaco (Storpirtis & Rodrigues, 1998; Manadas
et al., 2002).
3. Tecnologia de fabricação
Os processos envolvidos na fabricação
dos medicamentos também podem influenciar a
dissolução e a biodisponibilidade. Comprimidos
obtidos por compressão direta, granulação via
seca ou via úmida podem apresentar comporta-
mentos in vitro e in vivo diferentes. Aspectos
como forma e condições de secagem do granula-
do, tempo de mistura ou agitação, velocidade e
força de compressão também podem alterar sig-
nificativamente o desempenho da forma farma-
cêutica no organismo (Manadas et al., 2002).
Nesse sentido, torna-se relevante desta-
car que com o aparecimento no mercado de exci-
pientes com características especiais de compres-
sibilidade, as empresas tendem a substituir o pro-
cesso de granulação via úmida pela compressão
direta. Entretanto, no caso de medicamentos já
registrados e comercializados, essa alteração deve
ser cuidadosamente avaliada quanto ao possível
impacto nas características de dissolução e bio-
disponibilidade (Shargel & Yu, 1999).
Relação entre desenvolvimento farmacotécnico,
perfil de dissolução e biodisponibilidade
Considerando-se que os medicamentos sólidos de
uso oral são aqueles que podem apresentar maiores proble-
mas em relação a biodisponibilidade, torna-se imperativo
avaliar o impacto desses fatores sobre a dissolução do fár-
maco, a partir da forma farmacêutica, realizando teste in vi-
tro que permita visualizar como a dissolução ocorre em fun-
ção do tempo (Arancíbia et al., 1992).
Esse teste, conhecido como perfil de dissolução, de-
rivou-se do teste de dissolução de um único ponto incluído
na maioria das farmacopéias, e tem sido utilizado como fer-
ramenta no desenvolvimento de formulações, uma vez que
evidencia diferenças na dissolução causadas por fatores
ligados ao fármaco, aos excipientes e à técnica de fabrica-
ção empregada (Del Comune et al., 1996; Yugue et al., 1996;
Storpirtis et al., 1998).
Para obter se o perfil de dissolução, deve-se realizar
várias coletas do meio de dissolução, em tempos adequa-
dos, determinando-se a porcentagem de fármaco dissolvi-
do a cada tempo. É importante empregar método para quan-
tificação do fármaco previamente desenvolvido e validado.
A partir da curva resultante, pode-se determinar a cinética
do processo de dissolução, bem como calcular diversos
parâmetros, tais como o tempo de latência da forma farmacêutica
(tempo para o início do processo de desagregação)
e a eficiência de dissolução (Cárcamo, 1992; Ferraz et al.,
1998; Porta et al., 2002).
Durante o desenvolvimento de um medicamento ge-
nérico na forma farmacêutica sólida, a empresa deve buscar
reproduzir, a partir de seu produto, o mesmo perfil de disso-
lução obtido com o medicamento de referência, adotando
como critério de semelhança entre os perfis o fator f2, cujo
resultado deverá estar entre 50 e 100 (Liu et al., 1997; Shah
et al., 1998).
Entretanto, o fato de obter a semelhança entre os
perfis de dissolução (in vitro) não garante que os produtos
serão bioequivalentes. Em alguns casos, o candidato a ge-
nérico pode ter comprovado a equivalência farmacêutica
em relação ao de referência, apresentar perfil de dissolução
considerado semelhante ao referência e, mesmo assim, não
passar pelo teste de bioequivalência (in vivo), o que motiva
muitas empresas a realizarem um teste piloto in vivo, com
menor número de voluntários (seis, por exemplo), para ava-
liar o comportamento da formulação que está sendo desen-
volvida, antes de submetê-la ao teste de bioequivalência
(Marques, M.R.C. – Information and Standards Develop-
ment Department, US Pharmacopoeia – Comunicação pes-
soal, 2004).
Desenvolvimento de especificações farmacopéicas
para dissolução formas farmacêuticas sólidas
No caso do medicamento inovador, o método e as
especificações relativos à dissolução são estabelecidos, de-
finitivamente, após a realização do ensaio que determina
sua biodisponibilidade absoluta (fração da dose adminis-
trada efetivamente absorvida por via extravascular, tendo
como referência, quando possível, a mesma dose adminis-
trada por via intravenosa) e dos ensaios clínicos que com-
provam a eficácia clinica e a segurança do medicamento
(Storpirtis & Consiglieri, 1995).
Desse modo, otimiza-se e se valida o teste que será
empregado no controle de qualidade rotineiro, lote a lote,
após registro e autorização de comercialização do produto,
e que deverá ser discriminativo para qualquer alteração que
ocorra e que possa afetar a dissolução do fármaco (Mar-
ques & Brown, 2002; Skoug et al., 1996).
Em muitos casos, especialmente para formas farma-
cêuticas sólidas de liberação modificada, a empresa pode
ainda investir mais recursos na tentativa de obter uma cor-
relação entre parâmetros derivados da dissolução (in vitro)
e da absorção (biodisponibilidade absoluta) determinada in
vivo (Manadas et al., 2002).
Tal investimento justifica-se, quando se obtém uma
correlação in vitro-in vivode nível A, para a qual as curvas de
porcentagem de fármaco dissolvido versus tempo e de por-
centagem de fármaco absorvido versustempo podem ser des-
critas pela mesma equação matemática, o que implica em que
as curvas se sobrepõem (Storpirtis & Consiglieri, 1995).
Esse tipo de correlação de dados permite que altera-
ções de formulação ou de processo de fabricação, posterio-
res ao registro do medicamento, possam ser justificadas
pelo fabricante, sendo avaliadas e aceitas pela autoridade
regulatória, quando pertinente, sem a necessidade de reali-
zar novo teste de bioequivalência, desde que se comprove
que as formulações pré e pós alteração geram perfis de dis-
solução comparáveis (Uppoor, 2001).
Na Farmacopéia Americana, o teste de dissolução
que consta da monografia do produto é aquele que foi de-
senvolvido pela empresa inovadora. Em alguns casos, será
incluído, posteriormente, outro teste de dissolução para o
medicamento genérico, desde que a empresa fabricante com-
prove que, apesar de seu produto ser bioequivalente ao
inovador, o teste de dissolução que consta da referida mo-
nografia não é adequado para controlar a qualidade do seu
produto. Como a bioequivalência é soberana, aceita-se que
seja empregado outro teste de dissolução, desde que devi-
damente justificado e validado (Marques, M.R.C. – Infor-
mation and Standards Development Department, US Phar-
macopoeia – Comunicação pessoal, 2004).
Teste de equivalência farmacêutica (medicamento
teste comparado ao referência) versuslaudo
analítico do medicamento teste (cumprimento
de especificações farmacopéicas)
O teste de equivalência farmacêutica implica na exe-
cução de testes físicos e físico-químicos comparativos en-
tre o candidato a genérico e seu respectivo medicamento de
referência, realizado por centro prestador de serviço em equi-
valência farmacêutica (EQFAR) devidamente habilitado pela
Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (Re-
blas – Anvisa).
Essa exigência baseia-se em:
• Por razões de caráter ético, não se deve expor
seres humanos a testes de bioequivalência, sem
a garantia prévia de que os lotes dos medicamen-
tos a serem utilizados no estudo cumprem com
os requisitos de qualidade normatizados pelas
BPFC vigentes no país.
• Nem todos os medicamentos dispõem de mono-
grafias descritas em compêndios oficiais, o que
requer que o fabricante do genérico estabeleça
os testes a serem realizados e valide os métodos
analíticos a serem utilizados (os métodos serão
covalidados posteriormente pelo EQFAR, caso a
empresa não disponha de laboratório habilitado
para execução desses testes).
• A constatação de que o teste de bioequivalência
será realizado entre medicamentos cujo teor de fár-
maco não apresente diferença maior do que 5% e
que tenham sido fabricados preferencialmente até
6 meses antes da data do teste, aliada à validação
dos processos de fabricação e ao cumprimento das
BPFC vigentes, é fundamental para assegurar que
a intercambialidade entre o genérico e o referência
será mantida durante todo o período em que os
mesmos se mantiverem no mercado.
No caso de medicamentos isentos de bioequivalên-
cia, a equivalência farmacêutica passa a ser o princi-
pal requisito que sustenta a intercambialidade.
Fatores relacionados ao ensaio in vivo que afetam a
conclusão sobre a bioequivalência entre medicamentos
Além dos fatores relacionados anteriormente, pode
haver falha em demonstrar a bioequivalência entre dois me-
dicamentos considerados equivalentes farmacêuticos de-
vido a fatores relacionados diretamente à natureza do teste
de bioequivalência. Entre eles, destacam-se:
1. Características de absorção do fármaco
Existem fármacos que apresentam maior
variabilidade em relação a parâmetros relaciona-
dos à absorção, o que dificulta o estabelecimen-
to da bioequivalência entre produtos ou até mes-
mo entre dois lotes de um mesmo produto (Bo-
ddy et al., 1995; Shah et al., 1996; Tothfalusi et
al., 2001).
Quanto maior a variabilidade, maior deverá
ser o número de voluntários sadios empregado no
teste de bioequivalência, sendo que o cálculo do
número adequado de voluntários a serem incluí-
dos no estudo deve ser realizado com base em
dados de coeficiente de variação (CV) dos parâme-
tros de absorção a serem considerados, constan-
tes na literatura, ou derivados de estudos prévios
(Chow & Liu, 1992; Brasil, 2003d).
2. Planejamento do estudo de bioequivalência
A realização do teste de bioequivalência
deve ser precedida, necessariamente, pela reali-
zação do teste de equivalência farmacêutica. A
comparação dos perfis de dissolução do fárma-
co, a partir dos medicamentos em estudo, antes
da realização do teste de bioequivalência, tam-
bém, é necessária e recomendável. Entretanto,
como abordado anteriormente, a demonstração
da semelhança entre os perfis de dissolução per
se não qualifica os produtos como bioequivalen-
tes (Shargel & Yu, 1999).
Para que o estudo de bioequivalência apre-
sente resultados confiáveis é necessário que o
mesmo seja bem planejado e conduzido. Esse pla-
nejamento envolve todas as etapas: clínica, ana-
lítica e estatística (Storpirtis & Consiglieri, 1995;
Consiglieri & Storpirtis, 2000).
Na etapa clínica, devem ser estabelecidos
o cronograma de coleta das amostras, de acordo
com o tipo de forma farmacêutica (liberação ime-
diata ou modificada) e a meia-vida de eliminação
do fármaco. Os critérios de inclusão e exclusão
de voluntários do estudo devem ser suficientes
para selecionar voluntários saudáveis, evitando
que características fisiológicas dos indivíduos
interfiram nos resultados. A forma pela qual as
amostras serão coletadas, processadas, armaze-
nadas e transportadas também faz parte do pla-
nejamento da etapa clínica (Shargel & Yu, 1999).
A etapa analítica é aquela em que o fárma-
co é quantificado nas amostras e deve, por essa
razão, ser realizada de forma a não deixar dúvidas
sobre os resultados obtidos. Durante o planeja-
mento da etapa analítica devem ser estabeleci-
dos o analito a ser quantificado (fármaco inalte-
rado, metabólito ou pró-fármaco), a matriz bioló-
gica utilizada (sangue total, plasma, soro ou uri-
na) e o método analítico adequado. O método de
quantificação deve ser específico para cada ana-
lito, exato e relativamente simples, de modo a mi-
nimizar os erros. Toda a metodologia deve estar
devidamente validada antes da realização do es-
tudo, apresentando todos os parâmetros de vali-
dação previamente estabelecidos (Bressole et al.,
1996; Causon, 1997).
A etapa estatística começa, na realidade,
antes do início do estudo, com o cálculo do núme-
ro adequado de voluntários para o fármaco em ques-
tão e a elaboração da lista de randomização. Tam-
bém faz parte do planejamento da etapa estatística,
o tratamento a que serão submetidos os dados
gerados na etapa analítica (Shargel & Yu, 1999).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na última década, a evolução dos aspectos técnicos
da regulamentação brasileira na área de medicamentos, ten-
do como base princípios científicos, é inquestionável. A
implantação dos medicamentos genéricos tem colaborado
para o aprimoramento da fabricação e garantia de qualidade
dos medicamentos no país, introduzindo conceitos tais
como equivalência farmacêutica, biodisponibilidade e bioe-
quivalência.
Nesse processo, a qualificação profissional tem sido
fundamental, bem como a interação e o debate envolvendo
autoridades e pesquisadores pertencentes à agência regu-
latória, ao setor regulado e às universidades. O processo de
análise e registro de medicamentos tem sido otimizado, bem
como o intercâmbio com instituições internacionais.
Além disso, as perspectivas reais de consolidação
dos mecanismos de transformação do mercado farmacêuti-
co nacional, nos próximos anos, requerem atitudes concre-
tas e participação de todos os segmentos envolvidos como
forma de garantir à população o acesso a medicamentos de
qualidade assegurada a custos compatíveis.
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