Uma concepção equivocada muito comum é a de que os efeitos medicamentosos podem ser nitidamente divididos em duas categorias: efeitos desejáveis ou terapêuticos e efeitos indesejáveis ou colaterais.
Na verdade, a maioria dos medicamentos produz vários efeitos, mas em geral o médico deseja que o paciente experimente apenas um ou poucos deles; os demais efeitos podem ser considerados indesejáveis.
Embora a maioria das pessoas, inclusive os profissionais da saúde, use o termo efeito colateral, o termo reação medicamentosa adversa é mais apropriado para os efeitos indesejáveis, desagradáveis, nocivos ou potencialmente prejudiciais. Não surpreende que as reações medicamentosas adversas sejam comuns. Estima-se que cerca de 10% das admissões hospitalares nos Estados Unidos ocorram para o tratamento de reações medicamentosas adversas.
Cerca de 15% a 30% dos pacientes hospitalizados apresentam pelo menos uma reação medicamentosa adversa. Embora muitas dessas reações sejam relativamente brandas e desapareçam quando o medicamento é interrompido ou a dose é mudada, outras reações são mais sérias e duradouras.
Tipos de Reações Adversas
As reações medicamentosas adversas podem ser divididas em dois tipos principais. O primeiro consiste nas reações que representam uma intensificação dos efeitos farmacológicos ou terapêuticos conhecidos e desejados. Por exemplo, uma pessoa que esteja tomando um medicamento para reduzir a pressão alta pode ter tontura ou sensação de desmaio se a droga reduzir demasiadamente a pressão arterial.
Uma pessoa com diabetes pode apresentar fraqueza, sudorese, náusea e palpitações se a insulina ou o hipoglicemiante reduzir excessivamente o nível de açúcar no sangue. Esse tipo de reação medicamentosa adversa é comumente previsível, mas em alguns casos inevitável. Uma reação adversa pode ocorrer se a dose do medicamento for demasiadamente alta, se o indivíduo for muito sensível à droga administrada ou se outro medicamento reduzir o metabolismo do primeiro, aumentando assim o nível de sua concentração no sangue.
O segundo tipo importante de reações medicamentosas adversas inclui aquelas resultantes de mecanismos que ainda não estão bem compreendidos; muitas delas permanecem imprevisíveis até que os médicos tomem conhecimento de outras pessoas com reações similares. São exemplos desse tipo de reação as erupções cutâneas, a icterícia (lesão hepática), a anemia, uma queda na contagem de leucócitos, uma lesão renal e uma lesão nervosa, com possível comprometimento da visão ou audição.
Em geral, essas reações ocorrem em um número muito pequeno de pessoas, que podem apresentar alergia medicamentosa ou hipersensibilidade à droga em questão, em razão de diferenças genéticas no metabolismo da substância ou em sua resposta aos medicamentos.
Algumas reações medicamentosas adversas não se encaixam com facilidade em uma ou outra categoria. Comumente essas reações são previsíveis, e em grande parte os mecanismos envolvidos são conhecidos. Por exemplo, freqüentemente ocorrem irritação e sangramento no estômago quando as pessoas fazem uso crônico de aspirina ou outras drogas antiinflamatórias não-esteróides, como ibuprofeno, cetoprofeno e naproxeno.
Gravidade das Reações Adversas
Não existe uma escala universal para descrever ou medir a gravidade de uma reação medicamentosa adversa; a avaliação é amplamente subjetiva. Considerando que a maioria dos medicamentos são administrados por via oral, os distúrbios gastrointestinais – perda de apetite, náusea, sensação de flatulência (timpanismo) e constipação ou diarréia – são responsáveis por elevada porcentagem de todas as reações descritas.
Distúrbios gastrointestinais, dor de cabeça, fadiga, dores musculares vagas, mal-estar (sensação geral de enfermidade ou desconforto) e mudanças nos padrões de sono são considerados reações leves e de pouca importância. Mas tais reações podem ser realmente preocupantes para a pessoa que as experimenta. Além disso, a pessoa que percebe uma redução em sua qualidade de vida pode não cooperar com o tratamento medicamentoso prescrito, o que se torna um grande problema quando se pretende que os objetivos do tratamento sejam atingidos. Reações moderadas são as mesmas classificadas como leves, mas apenas nos casos em que o paciente as considera nitidamente incômodas, angustiantes ou intoleráveis.
A essa lista são acrescidas reações como as erupções cutâneas (especialmente quando extensas e persistentes), os distúrbios visuais (sobretudo em pessoas que usam lentes corretivas), os tremores musculares, a dificuldade miccional (comum a muitos medicamentos administrados a pessoas idosas), qualquer mudança perceptível no humor ou na função mental e certas alterações nos componentes do sangue (como gorduras ou lipídeos).
A ocorrência de reações medicamentosas adversas leves ou moderadas não significa necessariamente que o medicamento deva ser interrompido, em especial quando não há alternativa adequada. Mas o médico provavelmente reavaliará a dosagem, a freqüência de administração (número de doses por dia), o momento de administração das doses (antes ou depois das refeições, pela manhã ou na hora de deitar) e o possível uso de outros agentes que possam aliviar o sofrimento (por exemplo, o médico pode recomendar o uso de um emoliente das fezes, caso o medicamento tenha causado constipação).
Às vezes os medicamentos provocam reações graves, que podem pôr em risco a vida do paciente, embora sejam relativamente raras. Pessoas acometidas por uma reação grave comumente devem interromper o uso de remédio e ser tratadas para a reação. Mas, em alguns casos, os médicos são obrigados a continuar a administração de medicamentos de alto risco (por exemplo, os quimioterápicos, para pacientes com câncer, ou os imunossupressores, para pacientes que foram submetidos a transplantes de órgãos).
Os médicos fazem uso de todos os meios possíveis para lidar com as reações adversas graves: podem receitar desde antibióticos, se o sistema imune ficar comprometido para o combate de infecções, até antiácidos líquidos de alta potência ou bloqueadores dos receptores H2, como famotidina ou ranitidina, para evitar ou curar úlceras do estômago; podem fazer infusão de plaquetas para o tratamento de problemas sérios de sangramento ou injetar eritropoetina em pacientes com anemia induzida por medicamento para estimular a produção dos glóbulos vermelhos.
Segurança de Drogas Novas
Antes de ser aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para comercialização nos Estados Unidos, uma droga nova deve ser submetida a um estudo rigoroso em animais e seres humanos. Grande parte dos testes tem como objetivo a avaliação da eficácia da droga e de sua segurança relativa. Os estudos são realizados primeiramente em animais, para que sejam reunidas informações sobre a cinética da droga (absorção, distribuição, metabolismo, eliminação), sua dinâmica (ações e mecanismos) e a segurança que oferece, inclusive quanto a possíveis efeitos na capacidade reprodutiva e na saúde da prole.
Muitas drogas são rejeitadas nesse estágio, ou porque não conseguem demonstrar uma atividade benéfica ou porque se verifica que são muito tóxicas. Se os testes com animais são bemsucedidos, a FDA aprova o requerimento dos pesquisadores para Investigação de Nova Droga, e em seguida a droga passa a ser estudada em seres humanos. Esses estudos progridem ao longo de várias fases.
Nas fases de pré-comercialização (fases I, II e III), a nova droga é estudada primeiramente em um pequeno número de voluntários sadios e, em seguida, em um número crescente de pessoas que sofrem ou estão em risco de sofrer a doença que deve ser tratada ou evitada pela nova droga. Além de determinar a eficácia terapêutica, as pesquisas em seres humanos se concentram no tipo e na freqüência das reações adversas e nos fatores que tornam as pessoas suscetíveis a tais reações (como idade, sexo, distúrbios complicadores e interações com outras drogas).
Os dados resultantes dos testes em animais e seres humanos, juntamente com os procedimentos pretendidos quanto à produção da droga ou informações contidas na bula e a rotulagem do produto, são apresentados para análise junto à FDA em um Formulário de Droga Nova. Na maioria dos casos, o processo de revisão e aprovação se estende por dois ou três anos a partir da apresentação do formulário, embora a FDA possa abreviar esse período quando se trata de um medicamento que represente um avanço terapêutico importante.
Mesmo depois da aprovação de um medicamento novo, o fabricante deve coordenar uma vigilância de pós-comercialização (fase IV), comunicando imediatamente qualquer reação medicamentosa adversa adicional ou não-detectada. Médicos e farmacêuticos são incentivados a participar na monitorização contínua do medicamento. Esse acompanhamento é importante, porque mesmo os estudos de pré-comercialização mais abrangentes somente conseguem detectar reações adversas que ocorrem em, mais ou menos, uma vez a cada 1.000 doses.
Reações adversas importantes que ocorrem uma vez a cada 10.000 doses, ou mesmo uma vez a cada 50.000 doses, podem ser detectadas apenas quando grande número de pessoas já usou o medicamento, após seu lançamento no mercado. A FDA pode suspender sua aprovação se novas evidências indicarem que a droga representa um risco significativo.
Algumas Reações Medicamentosas Adversas graves
Úlceras pépticas ou sangramento do estômago • Corticosteróides (como prednisona ou hidrocortisona) tomados por via oral ou injetável (não aplicados na pele como cremes ou loções)
• Aspirina e outras drogas antiinflamatórias nãoesteróides (como ibuprofeno, cetoprofeno e naproxeno)
• Anticoagulantes (como heparina e warfarina)
Anemia (diminuição da produção ou aumento da destruição de glóbulos vermelhos) • Certos antibióticos (como o cloranfenicol)
• Algumas drogas antiinflamatórias não-esteróides (como indometacina e fenilbutazona)
• Drogas contra a malária e a tuberculose em pacientes com deficiência da enzima G6PD
Diminuição da produção de leucócitos, com aumento do risco de infecções • Certas drogas antipsicóticas (como a clozapina)
• Medicamentos contra câncer
• Algumas drogas para problemas de tireóide (como a propiltiouracila)
Lesão hepática • Acetaminofeno (uso repetido de doses excessivas)
• Algumas drogas contra tuberculose (como a isoniazida)
• Quantidades excessivas de compostos de ferro
• Muitas outras drogas, especialmente em pessoas com doença hepática preexistente ou em consumidores de grandes quantidades de bebidas alcoólicas
Lesão renal (o risco de lesão renal induzida por medicamento é maior para pessoas idosas) • Drogas antiinflamatórias não-esteróides (uso repetido de doses excessivas)
• Antibióticos aminoglicosídeos (como canamicina e neomicina)
• Algumas drogas contra câncer (como a cisplatina)
Benefícios e Riscos
Todo medicamento pode causar danos, além de trazer benefícios. Sempre que pensa em prescrever um medicamento, o médico deve pesar os possíveis riscos, comparando-os com os benefícios esperados. O uso de um medicamento não se justifica a menos que os benefícios esperados superem os possíveis riscos.
O médico também deve considerar as possíveis conseqüências da não administração do medicamento. Raramente os benefícios e riscos potenciais podem ser determinados com precisão matemática. Ao avaliar os benefícios e riscos de prescrever um medicamento, os médicos levam em consideração a gravidade do distúrbio que está sendo tratado e o impacto que esse distúrbio está tendo na qualidade de vida do paciente. Assim, desconfortos relativamente menores de tosses e resfriados, tensões musculares ou dores de cabeça esporádicos podem ser aliviados com remédios vendidos sem receita; nesses casos, é aceitável apenas um nível muito baixo de efeitos adversos.
Os medicamentos de venda livre para tratamento de distúrbios corriqueiros possuem uma grande margem de segurança quando tomados de acordo com as orientações. Mas o risco de uma reação medicamentosa adversa cresce abruptamente quando uma pessoa está tomando outros medicamentos (de venda livre ou de receita obrigatória). Por outro lado, quando um medicamento está sendo utilizado no tratamento de uma moléstia ou de um distúrbio sério ou que põe a vida em risco (por exemplo, ataque cardíaco, derrame, câncer ou rejeição de transplante de órgão), torna-se necessário aceitar um risco mais alto de reação medicamentosa grave.
Fatores de Risco
Muitos fatores podem aumentar a possibilidade de uma reação medicamentosa adversa: o uso simultâneo de diversos medicamentos, a faixa etária do paciente (muito jovem ou muito idoso), gravidez, certas doenças e fatores hereditários.
Terapia Medicamentosa Múltipla
Tomar vários medicamentos de receita obrigatória ou de venda livre aumenta o risco de ocorrência de uma reação medicamentosa adversa. O número e a gravidade dessas reações aumentam desproporcionalmente com o número de remédios tomados. O uso do álcool, que é também uma droga, aumenta o risco. A revisão periódica, pelo médico ou farmacêutico, de todas as drogas que a pessoa está tomando pode reduzir o risco de reações indesejáveis.
Idade
Bebês e crianças muito novas estão em especial risco de reações medicamentosas adversas porque a capacidade de metabolização das drogas nessas faixas etárias não está ainda completamente desenvolvida. Os recém-nascidos não podem metabolizar e eliminar o antibiótico cloranfenicol, por exemplo; os bebês que recebem essa droga podem sofrer a síndrome do bebê cinzento, uma reação séria e freqüentemente fatal.
Tetraciclina, outro antibiótico, administrada a bebês e crianças novas durante o período de formação dos dentes (até aproximadamente 7 anos de idade) pode alterar permanentemente a cor do esmalte dental. Crianças com menos de 15 anos estão sob risco de sofrer a síndrome de Reye caso tomem aspirina quando estiverem gripadas ou com catapora. Pessoas idosas também estão sob alto risco de sofrer reação medicamentosa adversa, principalmente porque é provável que tenham numerosos problemas de saúde e, por isso, tomem vários remédios de venda livre e de receita obrigatória.
Além disso, algumas pessoas idosas apresentam uma tendência a fazer confusão em relação às instruções para o uso apropriado dos remédios. A função renal e a capacidade de eliminação de drogas do corpo declinam com a idade; esses problemas freqüentemente são complicados pela desnutrição e desidratação. Pessoas idosas tratadas com remédios que podem causar tontura, confusão e comprometimento da coordenação correm maior risco de sofrer quedas e de fraturar ossos. Entre os medicamentos que costumam causar esses problemas, estão muitos dos anti-histamínicos, sedativos, ansiolíticos e antidepressivos.
Gravidez
Muitos medicamentos representam risco para o desenvolvimento normal do feto. Tanto quanto possível, mulheres grávidas não devem tomar remédios, especialmente durante o primeiro trimestre. O médico deve supervisionar o uso de qualquer medicamento de receita obrigatória ou de venda livre durante a gestação. Drogas sociais ou ilícitas (álcool, nicotina, cocaína e narcóticos como a heroína) também trazem riscos para a gestação e para o feto.
Outros Fatores
As doenças podem alterar a absorção, o metabolismo e a eliminação dos medicamentos, assim como a resposta do organismo às drogas.A hereditariedade pode conferir maior suscetibilidade aos efeitos tóxicos de certos medicamentos. Ainda permanece muito pouco explorado o campo das interações entre a mente e o corpo, incluindo aspectos como atitude mental, pontos de vista, crença em si próprio e confiança no médico.
Alergias a Medicamentos
Em geral, o número e a gravidade das reações medicamentosas adversas aumentam proporcionalmente à dose. Mas essa relação entre dose e resposta não se aplica a pessoas alérgicas ou hipersensíveis a determinado medicamento.
Para elas, mesmo pequenas quantidades do medicamento podem deflagrar uma reação alérgica, que varia desde algo de pouca importância, apenas incômodo, até um processo grave e que põe em risco a vida. Reações alérgicas podem refletir-se em erupções cutâneas e coceira; febre; constrição das vias respiratórias e respiração ruidosa; edema dos tecidos, como laringe e glote, podendo prejudicar a respiração; e queda na pressão arterial, às vezes até níveis perigosamente baixos.
Alergias a medicamentos são imprevisíveis, porque as reações ocorrem mesmo depois de a pessoa já ter sido exposta ao medicamento (por via tópica, oral ou injetável) uma ou mais vezes, sem nenhuma reação alérgica. A reação leve pode exigir tratamento com somente um antihistamínico; a reação grave ou de risco pode exigir uma injeção de adrenalina (também chamada epinefrina) ou corticosteróides (como a hidrocortisona).
Em geral os médicos perguntam se o paciente tem alguma alergia conhecida a medicamento antes de prescrevê-lo. As pessoas que já tiveram reações alérgicas graves, que têm problemas clínicos sérios ou que estão tomando medicamentos de alto risco devem usar um colar ou pulseira de alerta.
A informação inscrita na pulseira (por exemplo, alérgico à penicilina, diabético dependente de insulina, tomando warfarina) alertará a equipe médica e o paramédico no caso de uma emergência.
Toxicidade por Overdose
A expressão toxicidade por overdose referese a reações tóxicas sérias, freqüentemente lesivas e possivelmente fatais, em decorrência de uma overdose acidental (decorrente de erro do médico, do farmacêutico ou do paciente) ou intencional (homicídio ou suicídio) de determinada droga. Um risco menor de toxicidade por overdose é freqüentemente a razão por que os médicos preferem um medicamento em detrimento de outro quando os dois produtos são igualmente eficazes.
Assim, se há necessidade de um sedativo, ansiolítico ou tranqüilizante, em geral os médicos receitam benzodiazepínicos, como o diazepam e o triazolam, e não barbitúricos, como o pentobarbital. Os benzodiazepínicos não são mais eficazes que os barbitúricos, mas possuem uma margem de segurança mais ampla e apresentam probabilidade muito menor de causar toxicidade grave no caso de uma overdose, acidental ou intencional.
Segurança é também a razão de antidepressivos mais recentes, como a fluoxetina e a paroxetina, terem substituído em grande parte antidepressivos mais antigos, mas igualmente eficazes, como a imipramina e amitriptilina. Crianças mais novas estão em alto risco de toxicidade por overdose.
A maioria dos comprimidos e cápsulas vivamente coloridos que atraem sua atenção possui formulações com doses para adultos. Nos Estados Unidos, regulamentos federais exigem que todos os medicamentos de uso oral sujeitos a receita sejam fornecidos em frascos “à prova de crianças”, a menos que o paciente renuncie por escrito a possíveis problemas, indicando que esse tipo de recipiente representa uma limitação.
Quase todas as áreas metropolitanas dos Estados Unidos contam com serviços de informação sobre envenenamento com agentes químicos e medicamentos, e a maioria dos catálogos telefônicos contém o número do Centro de Controle de Venenos local. Esse número de telefone deve ser copiado e guardado perto de um telefone ou programado em um aparelho telefônico de discagem automática.
Fonte:MSD
Para complememtar o tema ralatamos abaixo um texto de autoria de Sérgia Maria Starling Magalhães e Wânia da Silva Carvalho:
As reações adversas a medicamentos constituem um problema importante na prática do profissional da área da saúde. Sabe-se que essas reações são causas significativas de hospitalização, de aumento do tempo de permanência hospitalar e, até mesmo, de óbito. Além disso, elas afetam negativamente a qualidade de vida do paciente, influenciam na perda de confiança do paciente para com o médico, aumentam custos, podendo também atrasar os tratamentos, uma vez que podem assemelhar-se à enfermidades.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem definido reação adversa a medicamentos (RAM), como: "qualquer efeito prejudicial ou indesejável, não intencional, que aparece após a administração de um medicamento em doses normalmente utilizadas no homem para a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento de uma enfermidade".
Assim, não são consideradas reações adversas a medicamentos os efeitos adversos que aparecem depois de doses maiores do que as habituais (acidentais ou intencionais).
De acordo com Laporte e Capellá, 1989, os termos "reação adversa", "efeito indesejável" e "doença iatrogênica" são equivalentes e corresponde ao conceito anterior. No entanto, diversos termos são empregados provocando confusões resultantes da própria dificuldade conceitual e de problemas de traduções.
Na literatura encontramos os termos "side effects", "secondary effects", "adverse reactions", "untoward reactions", "unwanted reactions", "drug induced diseases" e outros, variedade de termos normalmente mal utilizados em inglês, que leva quase sempre a uma má utilização em outros idiomas.
Independente do termo, deve-se diferenciar deste conceito o de evento adverso, considerado uma injúria sofrida pelo paciente resultante de erros no uso de medicamentos e que resultam em falha terapêutica. O evento pode ser devido a vários fatores relacionados com o tratamento: dose do medicamento incorreta, dose omitida, via de administração não especificada, horário de administração incorreto e outros. Deve-se lembrar que uma superdose de medicamento não poderia ser considerada como uma reação adversa de acordo com a definição, mas pode ser considerada um evento adverso.
Complicações ou alguns eventos não previstos na admissão hospitalar, relacionados à assistência médica, de enfermagem ou de outras áreas de suporte, que ocorrem com o paciente durante a internação, são considerados também como evento adverso.
CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DE PRODUÇÃO DE REAÇÕES ADVERSAS
É difícil fazer uma classificação das reações adversas conforme o seu mecanismo de produção, uma vez que considerações relevantes sobre mecanismos farmacocinéticos ou farmacodinâmicos (do tipo de lesão anatômica, bioquímica, funcional, da localização da lesão, do subgrupo da população afetada) se sobrepõem.
Uma classificação que auxilia o entendimento dos principais mecanismos de produção seria a que propõe seis diferentes tipos de reações indesejáveis:
Superdosagem relativa – Quando um fármaco é administrado em doses terapêuticas mas apesar disso suas concentrações são superiores às habituais, fala-se em superdosagem relativa.
Dois exemplos ilustram bem esse conceito: a maior incidência de surdez entre pacientes com insuficiência renal tratados com antibióticos aminoglicosídeos e a intoxicação digitalíca em paciente com insuficiência cardíaca tratados com doses usuais de digoxina, uma vez que este paciente pode apresentar hipocalemia concomitante ou uma reduzida massa muscular, ou ainda, apresentar a função renal diminuída o que diminui a excreção do glicosídeo. Ambas as situações se devem à alterações funcionais, que podem aumentar o risco de concentrações elevadas do fármaco no organismo.
2. Efeitos colaterais – São os inerentes à própria ação farmacológica do medicamento, porém, o aparecimento é indesejável num momento determinado de sua aplicação. É considerado um prolongamento da ação farmacológica principal do medicamento e expressam um efeito farmacológico menos intenso em relação à ação principal de uma determinada substância. Alguns exemplos: o broncoespasmo produzido pelos bloqueadores b -adrenérgicos, o bloqueio neuromuscular produzido por aminoglocosídeos, sonolência pelos benzodiazepínicos, arritmias cardíacas com os glicosídios .
3. Efeitos secundários – São os devidos não à ação farmacológica principal do medicamento, mas como consequência do efeito buscado. Por exemplo, a tetraciclina, um antimicrobiano de ação bacteriostática poderá depositar em dentes e ossos, quando utilizada na pediatria, estas deposições podem descolorir o esmalte dos dentes decíduos assim como dos permanentes. A deposição óssea pode provocar redução do crescimento ósseo6.
4. Idiossincrasia – Reações nocivas, às vezes fatais, que ocorrem em uma minoria dos indivíduos. Definida como uma sensibilidade peculiar a um determinado produto, motivada pela estrutura singular de algum sistema enzimático. Em geral considera-se que as respostas idiossincrásicas se devem ao polimorfismo genético. Um exemplo seria a anemia hemolítica por deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), um traço herdado na forma recessiva ligada ao sexo, esse tipo de anemia pode acontecer, por exemplo, em determinados indivíduos que utilizam a droga antimalárica primaquina. Esta droga é bem tolerada pela maioria dos indivíduos, no entanto, em 5 a 10% dos negros do sexo masculino, a droga causa hemólise, que conduz a grave anemia.
5. Hipersensibilidade alérgica – Para sua produção é necessária a sensibilização prévia do indivíduo e a mediação de algum mecanismo imunitário. Trata-se de reação de intensidade claramente não relacionada com a dose administrada. Um exemplo seria a hipersensibilidade do tipo I- anafilaxia, uma resposta súbita e potencialmente letal, provocada pela liberação de histamina e de outros mediadores. As principais características incluem erupções urticariformes, edema dos tecidos moles, broncoconstricção e hipotensão.
6. Tolerância – É fenômeno pelo qual a administração repetida, contínua ou crônica de um fármaco ou droga na mesma dose, diminui progressivamente a intensidade dos efeitos farmacológicos, sendo necessário aumentar gradualmente a dose para poder manter os efeitos na mesma intensidade. A tolerância é um fenômeno que leva dias ou semanas para acontecer. Exemplo, tolerância produzido pelos barbitúricos reduzindo seu efeito anticonvulsivante
Eventos adversos - o que são?
Renata Mahfuz Daud Gallotti
Eventos adversos (EAs) são definidos como complicações indesejadas decorrentes do cuidado prestado aos pacientes, não atribuídas à evolução natural da doença de base. Afetando em média 10% das admissões hospitalares, constituem atualmente um dos maiores desafios para o aprimoramento da qualidade na área da saúde: a sua presença reflete o marcante distanciamento entre o cuidado ideal e o cuidado real. Quando decorrentes de erros, são denominados EAs evitáveis. Cabe ressaltar que 50% a 60% dos EAs são considerados passíveis de prevenção. Em geral, a ocorrência destes eventos inesperados não acarreta danos importantes aos pacientes. Entretanto, incapacidade permanente e óbito podem ocorrer. Estima-se que 1.000.000 de EAs evitáveis ocorram anualmente nos EUA, contribuindo para a morte de 98.000 pessoas. Eventos adversos cirúrgicos e aqueles relacionados ao uso de drogas correspondem às categorias mais freqüentes. Alguns fatores favorecem sobremaneira a ocorrência de EAs, destacando-se a idade dos pacientes, a gravidade do quadro clínico inicial, a existência de comorbidades, a duração e a intensidade do cuidado prestado, a fragmentação da atenção à saúde, a inexperiência de jovens profissionais envolvidos no atendimento, a sobrecarga de trabalho, as falhas de comunicação, a introdução de novas tecnologias e o atendimento de urgência. A presença de EAs deve ser interpretada como decorrente de falências nos complexos sistemas técnicos e organizacionais relacionados à atenção à saúde e não como resultado de ações isoladas praticadas por profissionais incompetentes. A adoção de medidas punitivas frente aos erros, prática muito freqüente na área médica, gerando atitudes de medo e desconfiança nos indivíduos, em nada contribui para a prevenção dos mesmos, uma vez que induz à ocultação das falhas cometidas. O reconhecimento da real dimensão destes problemas representa uma oportunidade ímpar para o aprimoramento da segurança dos pacientes.
Referências
1. Leape LL, Brennan TA, Laird N, Lawthers AG, Localio AR, Barnes BA, et al. The nature of adverse events in hospitalized patients - Results of the Harvard Medical Practice Study II. N Engl J Med1991; 324:377-84.
2. Wilson RM, Runciman WB, Gibberd RW, Harrison BT, Newby L, Hamilton JD. The quality in Australian health care study. Med J Aust 1995; 163:458-71.
3. Institute of Medicine. To err is human: building a safer health system. Washington (DC): National Press Academy; 1999.
4. Weingart SN, Wilson M, Gibberd RW, Harrison B. Epidemiology of medical error. BMJ 2000; 320:774-7.
5. Vincent C. Patient safety: understanding and responding to adverse events. N Engl J Med 2003; 348:1051-6.
Nenhum comentário:
Postar um comentário