O “desafio do balde de gelo“, que viralizou em 2014, é um exemplo de como a generosidade pode ser contagiosa. A campanha, que contou com a participação de celebridades e anônimos ao redor do mundo, buscava incentivar doações para pesquisas sobre esclerose lateral amiotrófica (ELA). Como consequência, a onda de boas ações contribuiu para descobertas científicas importantes.
O pesquisador Jamil Zaki, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, tentou responder, através de estudos, como as boas ações se disseminam pela sociedade. “Fundamentalmente, somos uma espécie social. As pessoas são muito motivadas a serem parte de um grupo e compartilhar um senso de identidade. Uma forma de fazer isso é imitando comportamentos, opiniões e emoções”, explicou à BBC.
Segundo ele, a melhor forma de compreender esta questão é avaliá-las sobre a ótica da conformidade, explicada pela tendência de alinhar atitudes e crenças às das pessoas ao redor.
Conformidade
O conceito de conformidade pode ser considerado negativo para muitas pessoas. Estudos prévios constataram que a pressão social é capaz de induzir indivíduos a adotarem comportamentos nocivos ou duvidarem do próprio julgamento. No entanto, Zakir preferiu abordar a conformidade por outro ângulo, analisando comportamentos positivos.
Durante experimentos, o pesquisador percebeu que doações generosas incentivaram um maior número de participantes do que contribuições menores. Os resultados, publicados pela revista Personality and Social Psychology, revelaram ainda que a generosidade não era apenas uma réplica de boas ações alheias; na verdade, elas influenciaram os participantes a serem mais solidários e empáticos diante de situações adversas.
Outro estudo, publicado em 2010 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), mapeou o modo como atos de cooperação podem se multiplicar pela sociedade. Pesquisadores das Universidades Harvard e Universidade da Califórnia, ambas nos Estados Unidos, apontaram que pessoas beneficiadas por doações durante um jogo estenderam a generosidade a outros participantes, que, por sua vez, favoreceram um terceiro grupo. A descoberta mostra que uma gentileza inicial pode atingir até três graus de separação em relação ao primeiro benfeitor.
Nem tudo é generosidade
De acordo com Martin Nowak, professor de Harvard, essa cooperação não é totalmente desinteressada: trata-se de uma estratégia evolutiva. A cooperação – seja entre humanos, insetos ou células – quase sempre acontece mediante a expectativa de se obter algo em troca, mesmo que no futuro. Para ele, existem cinco mecanismos que explicam por que um indivíduo decide colaborar com outro:
- Reciprocidade direta: eu te ajudo e você me ajuda;
- Reciprocidade indireta: diante da ajuda oferecida, o indivíduo generoso ganha uma boa reputação e recebe auxílio de um terceiro;
- Reciprocidade espacial: ajudar as pessoas para aumentar as chances de ser ajudado;
- Seleção de grupos: grupos de “cooperadores” se dão melhor do que grupos de “egoístas”;
- Seleção por parentesco: eu ajudo meus familiares porque tenho mais chances de compartilhar genes com eles e quero disseminar esses genes pela população.
“A cooperação – além da competição – está envolvida sempre que a evolução constrói algo novo, algo diferente. Por isso, eu tenho chamado a cooperação de ‘arquiteta mestre’ do processo evolutivo”, explicou Nowak.
Comunique-se
Apesar das vantagens evolutivas de adotar uma atitude cooperativa, em muitas situações da vida real, as pessoas não estão dispostas a ajudar o próximo. Dependendo das circunstâncias, atitudes egoístas podem se espalhar pela sociedade, indicando que, assim como a generosidade, atos de indiferença também são contagiosos. Para Martin Nowak, apenas quando há mecanismos suficientemente fortes, a gentileza consegue se espalhar. Caso contrário, a cooperação vai perder e a indiferença ganhará.
Ele ainda afirma que a comunicação é um dos ingredientes essenciais para garantir a multiplicação de boas ações. Por isso, a divulgação de atos de generosidade podem ser fundamentais para disseminar a generosidade, como é o caso do ‘desafio do balde de gelo’. “A ideia é que a reputação do indivíduo que colaborou seja conhecida. É importante disseminar informações sobre as decisões que os indivíduos tomaram em termos de cooperação”, comentou.
Exercício de empatia
Segundo Francisco C. Santos, professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, em Portugal, se uma pessoa se dispõe a pagar um custo para beneficiar alguém, é possível usar esses dados para construir equações capaz de prever a dinâmica que pode ocorrer em diferentes cenários. Essa técnica é chamada de teoria dos jogos, que estuda os conflitos de interesse.
“Se conseguirmos compreender quais são os mecanismos subjacentes da cooperação, esse conhecimento é útil para promovermos a cooperação onde ela não existe”, disse Santos à BBC. Para ele, o ser humano é propenso à cooperação, mas ela ocorre com maior frequência em comunidades pequenas.
Já Jamil Zaki acredita que os humanos evoluíram para serem socialmente conectados e inclinados a ter empatia. Mas essa evolução ocorreu quando vivíamos em pequenas comunidades, ao redor de pessoas parecidas conosco e onde todos dependiam uns dos outros. Entretanto, essas regras evolutivas foram alteradas agora que vivemos um momento em que é difícil ter empatia. “Hoje, vivemos em um mundo gigante, somos conectados a milhares de pessoas, algumas das quais veremos só uma vez na vida, e possivelmente ao redor de grupos que nos ameaçam”, explicou.
No entanto, ele garante que é possível reverter essa realidade se treinarmos o “músculo empático”, através de leitura de obras literárias ou o uso de técnicas de dramatização, intervenções que foram capazes de aumentar o grau de empatia dos participantes de muitos estudos que tratavam do assunto. Mas para obter resultados positivos é preciso exercitar a empatia diariamente
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