4.27.2021

A pedra no caminho da milícia

 



Não se começa uma investigação sobre a máfia ingenuamente. Quando o Intercept mergulhou no rastro das milícias do Rio de Janeiro, sabíamos que encontraríamos algo grande e muito perigoso. Mas ninguém na nossa redação tinha ideia do que realmente estava por vir. 

No sábado soltamos a bomba que, até o momento, é o ápice desse trabalho. Essa reportagem sobre as escutas do caso Adriano da Nóbrega é o indício mais concreto até hoje da relação entre Jair Bolsonaro e a fuga do miliciano, chefe do Escritório do Crime. É algo muito sério, mas quero te pedir que não olhe para essa história isoladamente. 

Essa trama começa em 2018 quando publicamos a primeira reportagem sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. Mostramos, com exclusividade, que a milícia poderia estar envolvida no crime. Aquela matéria de Sérgio Ramalho e Ruben Berta se desdobrou em uma cobertura de 12 capítulos que vai até junho de 2020. Foi assim, na décima reportagem da série, que Adriano da Nóbrega apareceu pela primeira vez no Intercept.

Em abril do ano passado, abrimos uma nova frente nessa investigação e mostramos as evidências que relacionam as rachadinhas do gabinete de Flávio Bolsonaro com os empreendimentos imobiliários da milícia. Adriano está nessa também. Segundo fontes ligadas à investigação do MP ouvidas pelo Intercept, era ele que recebia o dinheiro coletado por Fabrício Queiroz entre integrantes do gabinete e investia em empreendimentos ilegais em comunidades do Rio. O lucro seria dividido entre as partes.

Uma terceira frente de investigação apareceu após o assassinato de Adriano, executado na Bahia em fevereiro do ano passado. O repórter Sérgio Ramalho conseguiu acesso aos relatórios das escutas que a polícia do Rio realizou enquanto investigava o miliciano. Com esse material publicamos novas histórias — e essa do último sábado é a mais importante delas, porque pela primeira vez há indícios fortes que sugerem uma relação entre o presidente Bolsonaro e a fuga de Adriano da Nóbrega.

Você certamente leu nossa reportagem e tem dimensão do significado deste trabalho que o Intercept vem realizando ao longo de três anos. Não é disso que quero tratar. Quero chamar atenção para dois aspectos que não podem passar batido agora. 

A investigação em torno de Adriano da Nóbrega estava parada no Ministério Público do Rio de Janeiro até o início deste ano. Ele morreu em fevereiro de 2020 e depois disso, o processo permaneceu engavetado. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, levou 406 dias para denunciar parte da rede de apoio ao miliciano. 

Foi depois que publicamos a segunda matéria sobre as escutas que aconteceu a operação Gárgula. No mesmo dia da publicação da nossa reportagem, o MP denunciou à 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça nove dos 32 suspeitos. 

O MP pediu a prisão da companheira do miliciano, Júlia Lotufo, e dos policiais militares Rodrigo Bittencourt Rego e Orelha. No dia seguinte ao pedido de prisão, Orelha sofreu uma emboscada em frente a sua casa e foi morto a tiros de fuzil. Dois dias depois, o coordenador do Gaeco, promotor Bruno Gangoni, aventou a possibilidade de o crime ter sido queima de arquivo. Um dos principais aliados de Adriano, o PM poderia ter informações fundamentais para o desenrolar de investigações relacionadas às rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro e à morte de Marielle, em que há fortes suspeitas do envolvimento do Escritório do Crime.

Ou seja, nosso trabalho fez essa investigação andar novamente. Ela não pode parar, porque a milícia está no poder e é preciso muita pressão por parte da sociedade para reagir a isso. 

Há outro aspecto que quero destacar. São três anos de dedicação para trazer a público as relações entre milícia e política. Este trabalho é exaustivo e extremamente perigoso. Ele também é muito caro! O Intercept é uma redação pequena, que não conta com uma rede de investidores ou patrocinadores. Ainda assim, garantimos todos os recursos para que nossos repórteres trabalhem da melhor maneira possível e com segurança.

Entramos nessa sem saber o que nos esperava, mas agora queremos ir ainda mais fundo porque essa é uma investigação decisiva para o futuro do país. Já são 16 reportagens publicadas e nós sabemos o que mais é preciso fazer. 

 
 
Paula Bianch

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