Decifração da biologia do amor pode levar a remédio 'antipaixão'
Na edição da semana passada da publicação "Nature", o neurocientista Larry Young oferece uma grande teoria unificada do amor. Após analisar a química do cérebro em uniões de casais mamíferos – e, não incidentalmente, explicar a peculiar fascinação erótica dos humanos em relação aos seios –, Young prevê que não demorará muito antes que um pretendente inescrupuloso possa colocar uma poção do amor na sua bebida.
Essas são as más notícias. A novidade não tão ruim é que você pode gostar dessa poção, caso a tome conscientemente com a pessoa certa. Porém, a novidade realmente boa é que podemos usar a engenharia reversa para criar uma poção antiamor, uma vacina que evita nos tornarmos burros cegamente apaixonados. Embora essa vacina do amor não seja mencionada no ensaio de Young, quando levantei a possibilidade, o neurocientista concordou que isso também poderia ser possível.
Há alguma descoberta mais bem-vinda que essa? Isso é o que os humanos buscam desde que Odisseu ordenou que sua tripulação o amarrasse ao mastro enquanto navegavam através das sereias. Muito antes de os cientistas identificarem os neurorreceptores, muito antes do casamento-relâmpago de Britney Spears em Las Vegas ou qualquer um dos sete casamentos de Larry King, já estava claro que o amor era uma doença perigosa.
O amor foi corretamente identificado como um desequilíbrio químico potencialmente fatal na narrativa medieval de Tristão e Isolda, que acidentalmente consumiram uma poção do amor e se transformaram em viciados sem esperanças. Mesmo percebendo que o marido dela, o rei, puniria o adultério com a morte, eles tinham que consumir sua dose de amor.
Eles não podiam adivinhar o que havia na poção, mas naquela época eles não contavam com o benefício da pesquisa de Young com roedores das savanas, no Centro Nacional de Pesquisa Primata Yerkes, na Universidade Emory. Essas criaturas parecidas com ratos estão entre a pequena minoria de mamíferos – menos de 5% -- que compartilham a propensão humana à monogamia.
Quando o cérebro de um roedor das savanas fêmea é artificialmente infundido com oxitocina, um hormônio que produz algumas das mesmas recompensas neurais da nicotina e cocaína, ela rapidamente se juntará ao macho mais próximo. Um hormônio relacionado, a vasopressina, cria desejos de união e reprodução ao ser injetado em roedores machos (ou naturalmente ativados por sexo).
Após Young ter descoberto que os roedores machos com uma reação geneticamente limitada à vasopressina tinham menos probabilidades de encontrar parceiras, pesquisadores suecos relataram que homens com uma tendência genética similar tinham menos probabilidades de se casar.
Explicação para humanos
Em seu ensaio na publicação "Nature", Young especula que o amor humano é liberado por uma "cadeia bioquímica de acontecimentos" que se desenvolveu originalmente em antigos circuitos cerebrais envolvendo a ligação mãe-filho, estimulada nos mamíferos pela liberação de oxitocina durante o trabalho de parto, o parto e a amamentação.
"Parte de nossa sexualidade evoluiu a estimular aquele mesmo sistema de oxitocina para criar ligações macho-fêmea", disse Young, apontando que preliminares e relações sexuais estimulam as mesmas partes do corpo feminino que são envolvidas em parir e amamentar. Essa hipótese hormonal, que de nenhuma forma é fato comprovado, ajudaria a explicar duas diferenças entre humanos e mamíferos menos monogâmicos: o desejo sexual nas fêmeas mesmo quando não estão férteis, e a fascinação erótica dos machos pelos seios. Sexo mais frequente e mais atenção aos seios, segundo Young, poderiam ajudar a construir ligações de longo prazo através de um "coquetel de neuropeptídeos", como a oxitocina liberada durante as preliminares ou o orgasmo.
Pesquisadores chegaram a resultados similares pingando oxitocina nas narinas de pessoas – algo não muito sexy, mas que parece aprimorar os sentimentos de confiança e empatia. Embora Young não esteja elaborando uma poção do amor (ele busca medicamentos para melhorar as habilidades sociais de pessoas com autismo e esquizofrenia), ele diz que em breve pode haver drogas que aumentem o desejo de pessoas por se apaixonar.
"Seria completamente antiético administrar a droga a qualquer outra pessoa", diz ele, "mas, sendo casado e buscando manter seu relacionamento, você pode querer uma dose de incentivo de vez em quando. Hoje em dia, usar remédios em conjunto com uma terapia conjugal não é uma possibilidade tão anormal."
Confusões da poção do amor
Eu vejo algum potencial nisso, mas também grandes problemas. Suponhamos que você pegue essa poção e sinta uma compulsão repentina de fugir com a primeira pessoa com quem passar algum tempo, como seu dentista? E se você for a uma convenção de negócios e então, como um roedor da savana artificialmente estimulado, se relacionar com o estranho mais próximo? E se, como Tristão, você desenvolver uma devastadora conexão emocional com a esposa de seu chefe?
Mesmo se os efeitos pudessem ser, de alguma forma, direcionados ao parceiro correto, você gostaria de iniciar um relacionamento de longo prazo usando um remédio de curto prazo? O que acontece quando o efeito passar?
Uma vacina do amor parece mais simples e mais prática, e já existem alguns medicamentos que parecem inibir os impulsos românticos das pessoas. Tal vacina já foi demonstrada em roedores das savanas.
"Se damos um bloqueador de oxitocina a uma roedora fêmea, ela se torna como 95% das outras espécies mamíferas", diz Young. "Ela não se envolverá, não importa quantas vezes copule com um macho ou o quanto ele tente se unir a ela. Elas copulam, é muito bom, depois seguem adiante se outro macho aparece. Se o amor é similarmente baseado na bioquímica, deveríamos, teoricamente, ser capaz de anulá-lo de maneira parecida."
Duvido que muitas pessoas queiram anular permanentemente o amor, mas uma vacina temporária poderia ser útil. Esposas na crise da meia idade não fugiriam tão rapidamente com seus personal trainers; viúvos idosos poderiam consultar seus advogados antes de se casar com alguém como Anna Nicole Smith. O amor é certamente algo maravilhoso; mas algumas vezes todos nós precisamos nos amarrar ao mastro.
Globo.com
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