Maturidade
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade…
Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial.”
Recentemente, lendo o texto supra de Mário de Andrade “O valioso tempo dos maduros”, surpreendi-me pensando na minha própria vida e de como lido com a maturidade. Eu também, como ele, constato que “tenho muito mais passado do que futuro”.
Isso é um mal? Ainda que seja visto assim por muitos, não há dúvida de que se trata de uma situação irreversível para todos, principalmente para aqueles que, como eu, já viveram mais da metade do possível, em que pese o aumento da expectativa de vida dos humanos graças aos avanços da medicina e ao permanente alerta quanto aos cuidados a tomar em relação à própria saúde. Uma das maiores causas do estresse é, sem dúvida, a falta ou excesso de tempo livre. Falta o tempo, se temos jornada fechada de trabalho que não nos permite nenhum lazer e pouco descanso; excesso de tempo, quando o desempregado bate inutilmente de porta em porta ouvindo “nãos” de todos os lados, como naquela história de “Jesus Cristo batendo de porta em porta em busca de emprego”. Sou livre para distribuir o meu tempo e realizar aquilo que, na minha época de Cursilhos de Cristandade, ensinava aos outros: “tempo é uma questão de preferência”, equivalendo a um pito bem dado quando, deixando de fazer qualquer tarefa, eu respondia ao ser cobrado: “Não tive tempo”. Hoje, obedeço às minhas preferências, o que não significa o nada fazer. Ao contrário, trabalho continuamente, fazendo a cada momento aquilo que me dá alegria e satisfação de viver.
Circunstâncias diversas, ao longo de nossas vidas, obrigam-nos a conviver com situações adversas. Como me acostumei a dizer, a vida nos leva a lugares nunca antes imaginados. Geralmente, as coisas ruins vêm de fora. O relacionamento com pessoas, seja afetivo, funcional ou profissional, é um exercício de amor regado a muita paciência. Na maioria das vezes, não temos condições de determinar que se faça o que desejamos, o que consideramos certo e deva ser feito. Em muitos casos, engolindo sapos, temos de nos curvar a decisões superiores que escapam à nossa capacidade de discutir ou ignorar. Hoje, posso desviar, com alguma habilidade, as mediocridades inconvenientes. Não confunda, por favor, mediocridade com simplicidade do ser, ignorância vernácula, filosófica ou jurídica. Ao contrário, prezo e admiro aqueles que, privados de uma educação formal, como meu vizinho Jesuíno, trazem-na oculta em gestos e ações providos de encantamento, simplicidade, delicadeza, bondade e sabedoria.
Hoje, posso esquivar-me de determinados compromissos, de certas companhias, escapando “dos egos inflados”, dos invejosos de plantão, das briguinhas pequenas que azedam ambientes de trabalho; me é dado deixar claro o meu descontentamento com melindres descabidos e considerações carregadas de “boas intenções” sobre a vida alheia, tanto que sempre se iniciam com um “Você viu, coitado do fulano…”.
“Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.”
Essa afirmação do escritor também é minha e deve ser da maioria de vocês, meus amigos e amigas, ainda que não estejam maduros de corpo. Cronologicamente, esse deve ser o desejo do ser humano: a busca da essência. Quanto mais maduro se é, mais se tem a sensação de urgência. Estou ainda incompleto. É assim que me sinto. Por isso, bebo a luz da manhã; saboreio o canto dos pássaros; medito diante da beleza das orquídeas; viajo, junto com os flamingos, ao som de excelente música; . Finalmente, descanso a minha alma conversando e aprendendo com pessoas simples e adoráveis como os caipiras da beira do rio.
Tenho ainda, para mais do que nunca, de abençoar a minha “bacia de jabuticabas”, a companhia de ótimos amigos, que são pessoas verdadeiras, capazes de caminhar junto bendizendo a essência que encontramos nas pequenas coisas.
Damásio de Jesus
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade…
Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial.”
Mário de Andrade
Isso é um mal? Ainda que seja visto assim por muitos, não há dúvida de que se trata de uma situação irreversível para todos, principalmente para aqueles que, como eu, já viveram mais da metade do possível, em que pese o aumento da expectativa de vida dos humanos graças aos avanços da medicina e ao permanente alerta quanto aos cuidados a tomar em relação à própria saúde. Uma das maiores causas do estresse é, sem dúvida, a falta ou excesso de tempo livre. Falta o tempo, se temos jornada fechada de trabalho que não nos permite nenhum lazer e pouco descanso; excesso de tempo, quando o desempregado bate inutilmente de porta em porta ouvindo “nãos” de todos os lados, como naquela história de “Jesus Cristo batendo de porta em porta em busca de emprego”. Sou livre para distribuir o meu tempo e realizar aquilo que, na minha época de Cursilhos de Cristandade, ensinava aos outros: “tempo é uma questão de preferência”, equivalendo a um pito bem dado quando, deixando de fazer qualquer tarefa, eu respondia ao ser cobrado: “Não tive tempo”. Hoje, obedeço às minhas preferências, o que não significa o nada fazer. Ao contrário, trabalho continuamente, fazendo a cada momento aquilo que me dá alegria e satisfação de viver.
Circunstâncias diversas, ao longo de nossas vidas, obrigam-nos a conviver com situações adversas. Como me acostumei a dizer, a vida nos leva a lugares nunca antes imaginados. Geralmente, as coisas ruins vêm de fora. O relacionamento com pessoas, seja afetivo, funcional ou profissional, é um exercício de amor regado a muita paciência. Na maioria das vezes, não temos condições de determinar que se faça o que desejamos, o que consideramos certo e deva ser feito. Em muitos casos, engolindo sapos, temos de nos curvar a decisões superiores que escapam à nossa capacidade de discutir ou ignorar. Hoje, posso desviar, com alguma habilidade, as mediocridades inconvenientes. Não confunda, por favor, mediocridade com simplicidade do ser, ignorância vernácula, filosófica ou jurídica. Ao contrário, prezo e admiro aqueles que, privados de uma educação formal, como meu vizinho Jesuíno, trazem-na oculta em gestos e ações providos de encantamento, simplicidade, delicadeza, bondade e sabedoria.
Hoje, posso esquivar-me de determinados compromissos, de certas companhias, escapando “dos egos inflados”, dos invejosos de plantão, das briguinhas pequenas que azedam ambientes de trabalho; me é dado deixar claro o meu descontentamento com melindres descabidos e considerações carregadas de “boas intenções” sobre a vida alheia, tanto que sempre se iniciam com um “Você viu, coitado do fulano…”.
“Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.”
Essa afirmação do escritor também é minha e deve ser da maioria de vocês, meus amigos e amigas, ainda que não estejam maduros de corpo. Cronologicamente, esse deve ser o desejo do ser humano: a busca da essência. Quanto mais maduro se é, mais se tem a sensação de urgência. Estou ainda incompleto. É assim que me sinto. Por isso, bebo a luz da manhã; saboreio o canto dos pássaros; medito diante da beleza das orquídeas; viajo, junto com os flamingos, ao som de excelente música; . Finalmente, descanso a minha alma conversando e aprendendo com pessoas simples e adoráveis como os caipiras da beira do rio.
Tenho ainda, para mais do que nunca, de abençoar a minha “bacia de jabuticabas”, a companhia de ótimos amigos, que são pessoas verdadeiras, capazes de caminhar junto bendizendo a essência que encontramos nas pequenas coisas.
Damásio de Jesus
Nenhum comentário:
Postar um comentário