Doenças do coração e gravidez: um perigo real
Embora a presença de doenças cardíacas na gravidez
represente apenas 1% a 4% das mulheres, a cardiopatia é considerada a
causa não obstétrica mais comum de mortalidade materna.
A gravidez é um período de vários ajustes fisiológicos de todos os sistemas do organismo da mulher. Naquelas com doença cardíaca, as alterações cardiocirculatórias podem demonstrar cardiopatias não diagnosticadas ou até causar e/ou agravar a insuficiência cardíaca, com risco de morte.
O Dr. Daniel Born, cardiologista do Einstein, relata que, no Brasil, a doença reumática é a causa mais frequente de cardiopatia na gravidez e sua incidência é estimada em 50% das cardiopatias em gestantes. Outros fatores que estão relacionados às cardiopatias em grávidas são hipertensão pulmonar, fibrilação atrial, antecedentes de tromboembolismo e endocardite infecciosa (infecção por micro-organismos, tanto bactérias quanto fungos, no coração).
Para o bebê de uma mãe cardiopata, o risco de má-formação, mortalidade e morbidade também é aumentado. Por isso, é importante que a gestante portadora de cardiopatia congênita seja submetida ao ecocardiograma fetal em torno da 20 semanas de gravidez, além do exame morfológico para se chegar a um diagnóstico precoce, e exames de vitalidade fetal, como dopplerfluxometria. “Contudo, nem todo bebê de mãe cardiopata vai apresentar alguma doença do coração ou restrição de crescimento” afirma o cardiologista.
Os riscos de uma gravidez em mulheres cardiopatas são:
• Trabalho de parto prematuro• Restrição de crescimento do feto
• Alterações da vitalidade fetal
• Bolsa rota (quando rompe a bolsa gestacional e há perda de líquido aminiótico)
A importância do pré-natal multidisciplinar
Toda mulher que deseja engravidar deve
antes fazer um check-up completo, garantindo que sua saúde esteja
normal. Infelizmente, este não é o cenário atual. Segundo especialistas,
muitas mulheres só vão perceber que possuem alguma doença do coração
quando já estão grávidas. E isso ocorre em função do aumento do volume
de sangue que circula no coração, o que leva ao início ou ao aumento dos
sintomas que antes passavam despercebidos. Essa situação é um risco
enorme tanto para a saúde da mãe quanto para a do bebê.
De acordo com o Dr. Eduardo Cordioli, ginecologista, obstetra e coordenador médico da Maternidade do Einstein, a maioria das cardiopatias possui alguns sintomas. “Se a mulher, ocasionalmente, apresenta falta de ar ao esforço ou na hora de dormir, palpitações, e se existe algum sinal de mais cansaço do que o normal, antes de pensar em engravidar ela deve relatar esses sintomas ao seu obstetra para que ele peça uma avaliação cardiológica e possa corrigir possíveis doenças do coração antes de engravidar”, aconselha o obstetra.
“O acompanhamento em casos de grávidas cardiopatas deve ser feito sempre pelo obstetra e pelo cardiologista. E exames como eletrocardiograma, ecocardiograma e exames de medicina fetal precisam ser feitos regularmente”, afirma o Dr. Born.
Se estiver tudo bem com a saúde da mãe e do bebê, as consultas são feitas da seguinte forma:
• Do primeiro ao sexto mês, consultas mensais• Entre o sétimo e o oitavo mês, consultas quinzenais
• Após o oitavo mês, consultas toda semana
Formas de tratamento
Tudo é feito para salvar tanto a mãe quanto o bebê. Algumas mulheres são operadas para tratar suas cardiopatias mesmo durante a gravidez. Sendo o período entre a 16ª e a 24ª semana o mais indicado para a cirurgia.“Hoje, os tratamentos para cardiopatias em mulheres grávidas são minimamente invasivos, sem a necessidade de se fazer grandes cirurgias, como era antigamente. Já é possível fazer cirurgias cardíacas por hemodinâmica, em que são introduzidos catéteres na veia femural e, guiado por raio X, o médico consegue tratar o coração da paciente”, explica o Dr. Cordioli.
Em mulheres que têm cardiopatias diagnosticadas há tempo e são tratadas com anticoagulantes orais, é de suma importância que ela planeje a sua gravidez com bastante antecedência, pois este tipo de medicamento pode levar à má-formação no feto. “Neste caso, recomendamos que essas mulheres passem a fazer uso dos anticoagulantes injetáveis, que não oferecem risco para a saúde do bebê”, afirma o obstetra.
Por fim, os médicos afirmam que o melhor tipo de parto para uma grávida cardiopata é o parto vaginal, com analgesia (a dor aumenta o esforço do coração e os batimentos cardíacos) e, quando necessário, com a ajuda de fórceps de alívio. No parto vaginal, a mulher perde menos sangue e de forma mais lenta do que num parto de cesárea, e isso para uma mulher cardiopata é crucial, finaliza o Dr. Cordioli.
Para saber mais: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para Gravidez e Planejamento Familiar da Mulher Portadora de Cardiopatia
Na gravidez, coração ‘trabalha’ 60% a mais, mesmo quando a mulher está em repouso
Rio - Durante os nove meses de
gravidez, o funcionamento do coração merece atenção especial da
gestante. Com aumento de 40% no volume de sangue no corpo da mulher, o
órgão trabalha 60% a mais, panorama ideal para doenças cardíacas,
alertou ontem a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia
Intervencionista. O efeito sobre o coração da grávida equivale ao de
passar o dia inteiro fazendo exercícios de média intensidade, como andar
de bicicleta ou subir escadas.
Domingos Mantelli, ginecologista
e obstetra da Superintendência da Polícia Técnico Científica de São
Paulo, alerta que muitas mulheres só descobrem algum problema cardíaco
durante a gestação. Ele lembra, que, nesse período, as doenças se
manifestam de forma mais grave.
Ele recomenda que a mulher que
pretende engravidar inclua uma visita ao cardiologista nos planos. “Há
mulheres que têm propensão a problemas cardíacos ou já são doentes e não
sabem, mas na gravidez todos os males são mais graves”, explica.
De acordo com o especialista, as
três doenças que mais afetam gestantes são hipertensão, insuficiência e
arritmia cardíaca. A hipertensão gestacional é uma das principais causas
de mortes em grávidas, pois pode causar Acidente Vascular Cerebral ou
infarto. Domingos explica que, no caso da insuficiência cardíaca
(coração sem força para bombear o sangue), o sangue tem dificuldade de
ir para a placenta, o que pode matar o feto.
Marcelo Cantarelli, cardiologista
da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista,
explica que o esforço do coração aumenta porque o volume de sangue a ser
bombeado aumenta. “Na gestação, há retenção de líquidos no corpo e
maior volume de plasma, que é a parte líquida do sangue”, disse.
Grávida de seis meses da primeira
filha, a professora Fernanda Bueno, 29 anos, sofre ao subir escadas.
Para evitar o cansaço, prefere fazer as atividades de forma mais
devagar. “Chego sempre ofegante na sala e sinto meu coração acelerar
muito mais do que quando não estava grávida”.
ATENÇÃO
GRUPO DE RISCO
Diabetes, sobrepeso antes da gravidez e idade acima de 35 anos são as principais características das mulheres que têm risco de desenvolver problemas cardíacos na gestação.
SINTOMAS Diabetes, sobrepeso antes da gravidez e idade acima de 35 anos são as principais características das mulheres que têm risco de desenvolver problemas cardíacos na gestação.
Falta de ar, cansaço extremo em pequenas atividades (trocar de roupa e tomar banho), dor ou pressão no peito, tontura e desmaio são os principais sintomas.
DIAGNÓSTICO
Exame de sangue e eletrocardiograma
TRATAMENTO
Medicamentos contra hipertensão específicos para gestantes. Atividade física, controle do peso com dieta, redução do sal na alimentação e drenagem linfática
Gestação e Doença Cardiovascular
A
gestação e o puerpério estão associados a importantes mudanças
cardiocirculatórias que podem levar à acentuada deterioração clínica em
mulheres com doença cardíaca. A importância do conhecimento das
cardiopatias e de sua influência no curso da gestação deve-se a alta
incidência de gestantes cardiopatas (4,2% no Brasil) e ao fato de que as
cardiopatias são a maior causa obstétrica indireta de morte materna no
ciclo gravídico-puerperal.
FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR DURANTE A GESTAÇÃO E PUERPÉRIO
Volemia:
aumenta durante a gestação, da 6ª semana até o meio da gestação. O
aumento da volemia varia de 20 a 100%. Em multíparas e em gestações
múltiplas, o aumento é maior. Como o aumento do volume plasmático é mais
rápido que o do hematócrito, ocorre a “anemia fisiológica da gravidez”.
Essas mudanças são atribuídas à estimulação estrogênio-mediada do
sistema renina-aldosterona, resultando em retenção de sódio e água.
Outros hormônios também estão envolvidos.
Débito cardíaco (DC), volume sistólico (VS) e frequência cardíaca (FC):
DC aumenta em 50% durante a gestação, inicialmente por um aumento do VS
e, no último trimestre, por aumento da FC (em média, há um aumento de
10 a 20 batimentos por minuto). Durante o 3º trimestre, a posição
corpórea influencia o DC, que aumenta na posição lateral e declina em
supino, em virtude da compressão da veia cava pelo útero gravídico.
Pressão sanguínea (PS) e resistência vascular sistêmica (RVS):
PS diminui no 1º trimestre, atinge o nadir no meio da gestação e
retorna aos níveis pré-gestacionais antes do termo. A pressão diastólica
se reduz mais do que a sistólica, aumentando a pressão de pulso. Esta
queda se deve à queda da RVS, provavelmente por atividade hormonal
gestacional.
Síndrome da hipotensão supina da gestação:
compressão caval pelo útero gravídico, levando a queda da FC e PS,
resulta em fraqueza, tontura, náuseas, vertigem e até síncope, com
alívio após abandono da posição supina.
Hipercoagulabilidade:
a gestação e o puerpério estão associados a um estado de
hipercoagulabilidade devido à diminuição relativa da atividade da
proteína S, à estase e à hipertensão venosa. Além disso, a ação dos
estrógenos e de elastases circulantes pode enfraquecer a parede dos
vasos, predispondo as pacientes a dissecções arteriais, com ou sem
distúrbios do tecido conectivo subjacente. A relaxina, um fator de
crescimento insulina-símile, é detectada em soro de gestantes e causa
uma diminuição da síntese de colágeno, o que pode predispor a dissecção
de aorta durante a gestação.
Trabalho de parto: devido a ansiedade, dor e contrações uterinas, ocorre aumento do consumo miocárdico de O2, do débito cardíaco, das pressões sistólica e diastólica e da RVS.
Mudanças hemodinâmicas no pós-parto:
aumento do retorno venoso após o parto devido ao alívio da cava e
desvio do sangue do útero contraído para a circulação sistêmica pode
resultar em elevações substanciais da pressão de enchimento ventricular,
volume sistólico e débito cardíaco, e pode ocasionar deterioração
clínica em gestantes cardiopatas.
SINTOMAS E SINAIS CLÍNICOS CARDIOVASCULARES ENCONTRADOS DURANTE A GESTAÇÃO
A
gestação normal pode ser acompanhada por sintomas como fadiga,
dispneia, hiperventilação, palpitações, tontura e achados ao exame
físico, como aumento do pulso jugular e edema de membros inferiores, que
podem conduzir ao diagnóstico errado de insuficiência cardíaca.
Entretanto, durante a anamnese, devem ser valorizadas queixas como
palpitações, piora da capacidade funcional, tosse seca noturna,
ortopneia, dispneia paroxística noturna, hemoptise, dor precordial ao
esforço ou síncope, e o exame físico deve considerar os achados que
podem ser encontrados em gestantes não cardiopatas.
Outros
achados que podem ser encontrados em gestantes sem cardiopatia são
pulsos arteriais cheios e colapsantes, impulso ventricular esquerdo
hipercinético e rápido e impulso ventricular direito. À ausculta,
pode-se detectar uma B1 hiperfonética, com desdobramento exagerado que
pode ser interpretado como B4 ou clique sistólico, B2 hiperfonética e
desdobrada (podendo ser interpretada como hipertensão pulmonar ou
defeito do septo atrial) e, na maioria das pacientes, pode-se encontrar
uma 3ª bulha (B3). Também podem-se auscultar sopros sistólicos
inocentes, geralmente mesossistólicos e leves, mais bem auscultados na
borda esternal esquerda baixa. Outros sopros benignos possíveis de serem
encontrados são o sopro venoso cervical (fossa supraclavicular direita)
e o sopro mamário (artérias mamárias com fluxo aumentado), que
desaparece com o aumento da pressão sobre o estetoscópio.
GESTAÇÃO EM MULHERES COM DOENÇA CARDÍACA VALVAR
No
Brasil, a doença reumática é a causa mais frequente de cardiopatia na
gravidez e sua incidência é estimada em 50% das cardiopatias em
gestantes.
De
modo geral, lesões valvares obstrutivas, como a estenose mitral e
aórtica, apresentam pior evolução clínica, com maiores índices de
complicações materno-fetais, quando comparadas às lesões regurgitantes
como a insuficiência mitral e aórtica. As lesões estenóticas apresentam
evolução clínica associada ao grau anatômico da lesão valvar, enquanto
as regurgitantes estão associadas à preservação da função ventricular.
A
dispneia classe funcional I/II (NYHA) não se associa em todas as
pacientes a boa evolução e prognóstico, especialmente naquelas com
valvopatias estenóticas, porém classe funcional III/IV estão associadas a
evolução materno-fetal ruim.
Outros
parâmetros que se correlacionam com mau prognóstico materno na gravidez
em portadoras de valvopatias são: hipertensão pulmonar, fibrilação
atrial, antecedentes de tromboembolismo e endocardite infecciosa.
As lesões valvares associadas a mau prognóstico materno-fetal são mostradas na Tabela 1.
Tabela 1: Lesões valvares associadas a mau prognóstico materno-fetal
Estenose aórtica com ou sem sintomas
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Insuficiência aórtica com dispneia classe funcional NYHA III – IV
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Estenose mitral com dispneia classe funcional NYHA II – IV
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Insuficiência mitral com dispneia classe funcional NYHA III – IV
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Valvopatia mitral e/ou aórtica resultando em hipertensão pulmonar grave (> 75% pressão sistêmica)
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Valvopatia mitral e/ou aórtica com disfunção importante de VE (FE menor que 0,40)
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Valva protética mecânica com necessidade de anticoagulação
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As lesões valvares associadas a bom prognóstico materno-fetal são mostradas na Tabela 2.
Tabela 2: Lesões valvares associadas a bom prognóstico materno-fetal
Estenose aórtica assintomática com gradiente médio baixo (< 25 mmHg e área valvar > 1,5 cm2) em presença de função sistólica de VE normal (FE > 0,50)
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Insuficiência aórtica com dispneia classe funcional NYHA I – II com função normal de VE
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Insuficiência mitral com dispneia classe funcional NYHA I – II com função normal de VE
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Prolapso valvar mitral sem insuficiência mitral (IMi) ou com IMi leve a moderada com função sistólica normal de VE
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Estenose mitral leve (área valvar mitral > 1,5 cm2, gradiente < 5 mmHg) sem hipertensão pulmonar grave
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Estenose valvar pulmonar leve a moderada
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O
aconselhamento individual das pacientes necessita de uma abordagem
multidisciplinar, envolvendo questões como contracepção, riscos
mateno-fetais e prognóstico.
Intervenções
simples que visem otimizar a volemia e o débito cardíaco, como o
repouso, a restrição hidrossalina e evitar a posição supina, devem ser
sempre encorajadas. O manejo atual dessas pacientes com equipe
obstétrica e cardiológica com experiência em gestações de alto risco é
recomendado. Na medida do possível, o uso de medicações deve ser
evitado.
As recomendações gerais para gestantes valvopatas são mostradas na Tabela 3.
Tabela 3: Recomendações gerais para gestantes valvopatas
Medidas gerais
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Restrição de sal, restrição de atividade física, ganho de peso < 10 kg, suplementação de ferro após 20ª semana.
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Prevenção de doença reumática
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Penicilina
benzatina 1.200.000 UI a cada 21 dias; estearato de eritromicina 500 mg
a cada 12 horas, se houver alergia à penicilina.
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Prevenção de endocardite infecciosa
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Não
há recomendação de rotina para antibioticoterapia profilática.
Antibióticos são opcionais em pacientes de alto risco, com valvas
protéticas, história prévia de endocardite, cardiopatia congênita
complexa ou shunts sistêmicos pulmonares cirúrgicos.
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Estenose Mitral
Lesão
valvar reumática mais frequente na gestação. A maioria das pacientes
com estenose moderada a grave demonstra piora importante de classe
funcional durante a gestação, devendo-se considerar o reparo cirúrgico
antes da concepção. O aumento da volemia e da frequência cardíaca
durante a gestação podem elevar de forma importante o gradiente
transvalvar mitral. A elevação da pressão atrial esquerda pode resultar
em arritmias atriais, levando ao aumento da frequência ventricular e à
elevação ainda mais pronunciada da pressão de átrio esquerdo. Estas
alterações elevam a pressão venocapilar pulmonar, levando a piora da
dispneia, com consequentes internações por insuficiência cardíaca
descompensada. Altera-se também o prognóstico fetal com aumento das
taxas de prematuridade, retardo de crescimento fetal e baixo peso ao
nascimento.
O
tratamento em casos de estenose mitral leve a moderada inclui a redução
da frequência cardíaca e da pressão atrial esquerda. Para tanto,
preconiza-se restrição da atividade física, restrição hidrossalina e uso
cuidadoso de agentes betabloqueadores e diuréticos, evitando-se a
depleção volêmica e a hipoperfusão uteroplacentária. Além do controle da
frequência cardíaca e, consequentemente, do enchimento diastólico
ventricular esquerdo, os betabloqueadores são utilizados na prevenção de
taquicardias. Apesar de o propranolol ser utilizado há décadas, alguns
autores recomendam o uso de betabloqueadores cardiosseletivos, como o
metoprolol ou atenolol, para prevenir os potenciais efeitos deletérios
do bloqueio adrenérgico sobre a atividade do miométrio.
Em
pacientes com fibrilação atrial, a digoxina pode ser útil para o
controle da frequência ventricular. Também pode ser utilizada em
pacientes com insuficiência do ventrículo direito.
Apesar
de o tratamento medicamentoso permitir uma gravidez bem-sucedida na
maioria das pacientes, aquelas com sintomas graves a despeito da terapia
medicamentosa adequada podem ser candidatas ao reparo percutâneo ou
troca valvar. A valvotomia mitral percutânea por balão tem sido
associada à melhora hemodinâmica e sintomática na maioria das pacientes,
com poucos efeitos adversos maternos ou fetais, que incluem arritmias
maternas, embolização sistêmica, contração uterina, trabalho de parto
prematuro ou os efeitos indesejáveis da radiação ionizante. Devido à
radiação ionizante, este procedimento está indicado após o 1º trimestre
de gestação. A valvotomia percutânea deve ser realizada em centros
experientes e após falha do tratamento clínico medicamentoso otimizado. O
procedimento está contraindicado na presença de trombo em átrio
esquerdo e insuficiência mitral moderada ou grave associada. Com o
aumento da experiência com o tratamento percutâneo, a troca valvar
cirúrgica tem sido cada vez mais infrequente durante a gestação.
O
parto vaginal pode ser permitido na maioria das gestantes. Naquelas
sintomáticas ou com estenose moderada a grave, a monitoração
hemodinâmica é recomendada.
Insuficiência Mitral
Geralmente
é bem tolerada na gestação devido à redução da pós-carga ventricular
esquerda consequente a queda fisiológica da resistência vascular
sistêmica.
Em
gestantes, o prolapso de valva mitral é a causa mais comum de
insuficiência mitral. Seus achados propedêuticos podem encontrar-se
menos evidentes devido a mudanças fisiológicas da gravidez, como o
aumento da volemia (com aumento do volume diastólico final do VE) e a
redução da resistência vascular sistêmica. Na presença de insuficiência
mitral sintomática, deve-se iniciar tratamento medicamentoso, porém em
raras situações, correção cirúrgica é necessária em razão da piora
importante e aguda da regurgitação causada pela ruptura das cordas
tendíneas.
Nas
pacientes sintomáticas, devido à congestão pulmonar, o uso de duréticos
está indicado. A digoxina pode ser útil em pacientes com função
ventricular esquerda comprometida. Há uma grande experiência no uso da
hidralazina e ela é utilizada de forma segura para redução da pós-carga
ventricular esquerda e prevenção da piora hemodinâmica associada ao
exercício isométrico durante o trabalho de parto. Deve-se utilizá-la com
cuidado em pacientes com pressões arteriais sistêmicas mais baixas. Os
inibidores da enzima conversora de angiotensina são contraindicados
devido ao seu efeito teratogênico. Por causa do risco de perda fetal, a
cirurgia deve ser evitada se possível durante a gravidez e considerada
apenas em pacientes com insuficiência cardíaca grave e comprometimento
hemodinâmico a despeito do tratamento medicamentoso.
As
pacientes com dor torácica ou arritmias devem ser tranquilizadas e
poupar o uso de medicações durante a gestação. Bloqueadores
beta-adrenérgicos são as medicações de escolha quando indicado o
tratamento de arritmias.
Estenose Aórtica
A
causa mais comum de estenose aórtica em gestantes é a doença valvar
aórtica congênita. Pacientes com estenose aórtica leve e função
sistólica ventricular esquerda normal podem ser conduzidas
conservadoramente, e apresentam prognóstico favorável na gestação.
Entretanto, a estenose aórtica moderada a grave está propensa a
deterioração sintomática durante a gestação, com aumento da
morbimortalidade materna e importantes efeitos no feto, incluindo
retardo de crescimento intrauterino, parto prematuro e baixo peso ao
nascer. Assim, essas pacientes devem ser orientadas a evitar a concepção
até que haja a correção do defeito valvar.
Em gestantes com estenose aórtica moderada ou grave (área valvar < 1,5 cm2,
gradiente transvalvar médio > 25), os sintomas geralmente se iniciam
no 2º ou 3º trimestre e surgem como dispneia aos esforços (mais comum),
dor torácica, tontura ou síncope. Para as gestantes assintomáticas ou
com sintomas leves, deve-se iniciar tratamento com repouso,
oxigenoterapia e uso de betabloqueadores. Para pacientes que desenvolvem
sintomas graves não controlados pelo tratamento medicamentoso, pode ser
indicada a valvuloplastia percutânea por cateter-balão ou intervenção
cirúrgica, a depender dos achados anatômicos valvares. Tais
procedimentos, contudo, também se associam a complicações maternas e
fetais.
Existe
uma associação entre valva aórtica bicúspide e dilatação da raiz
aórtica, que pode predispor a dissecção aórtica espontânea, usualmente
no 3º trimestre de gestação, especialmente se houver coarctação aórtica
associada.
Insuficiência Aórtica
Em
mulheres jovens, a insuficiência aórtica pode ser secundária a
valvopatia congênita bicúspide, doença reumática, endocardite prévia ou
ânulo aórtico dilatado. Geralmente é bem tolerada durante a gestação em
razão da queda fisiológica da resistência vascular sistêmica e do
aumento da frequência cardíaca, o que resulta em encurtamento da
diástole. Pacientes sintomáticas podem ser conduzidas, do ponto de vista
medicamentoso, com uso de diuréticos e, se necessário, com uso de
vasodilatadores, como a hidralazina. Os IECA são contraindicados durante
a gestação. Gestantes com sintomas ou sinais de insuficiência cardíaca
devem ser monitoradas durante o trabalho de parto e o parto. A correção
cirúrgica valvar durante a gestação deve ser contemplada apenas em
pacientes com dispneia NYHA classe funcional III ou IV, refratárias ao
tratamento clínico. Durante a gestação, em pacientes pouco sintomáticas,
não se deve considerar o volume ventricular esquerdo ou função
sistólica de VEpara indicação de tratamento cirúrgico.
Estenose Pulmonar
A
estenose de valva pulmonar pode existir isoladamente ou ocorrer
associada a outras alterações congênitas. Geralmente é bem tolerada na
gravidez. Quando possível, a estenose grave deve ser corrigida antes da
concepção. Na rara situação de insuficiência ventricular direita
progressiva ou sintomática, ou em pacientes com shunt atrial ou
ventricular com cianose, a valvotomia percutânea com balão deve ser
considerada durante a gestação.
Doença Valvar Tricúspide
A
doença valvar tricúspide pode ser congênita (anomalia de Ebstein,
atresia tricúspide) ou adquirida (endocardite, proliferação mixomatosa,
síndrome carcinoide). A condução do paciente com valvopatia tricúspide
associada a outras alterações cardíacas congênitas depende das
características das lesões associadas. Insuficiência tricúspide isolada
não deve representar um problema durante a gestação, apesar de ser
necessário cuidado quanto ao uso de diuréticos, para se evitar a
hipoperfusão uteroplacentária.
Cirurgia Valvar Cardíaca durante a Gestação
A
realização de cirurgia cardíaca valvar em gestantes apresenta
características complexas, pois, mesmo sob condições ideais, com uso de
técnicas de bypass cardiopulmonar que promovem altas taxas de fluxo
sanguíneo e perfusão com temperatura aquecida, há uma elevada incidência
de sofrimento fetal, retardo de crescimento e outras complicações
fetais. Sempre que possível, deve-se adiar a cirurgia até que o feto
encontre-se viável para que se realize uma cesariana concomitante ao
procedimento cirúrgico cardíaco. A indicação da cirurgia deve ocorrer
apenas em gestantes refratárias ao tratamento medicamentoso otimizado,
com congestão pulmonar, especialmente se apresentarem síndrome de baixo
débito cardíaco.
Sempre
que a anatomia valvar possibilitar, o reparo é preferível à troca da
valva. Se a troca for necessária, a escolha do tipo da prótese pode ser
problemática. Biopróteses degeneram de forma mais rápida em pacientes
jovens, e, apesar de não necessitarem de anticoagulação em longo prazo,
elas expõem o paciente ao risco de falência precoce da prótese e
necessidade de reoperação. Valvas mecânicas são mais duráveis, mas a
necessidade de anticoagulução complica o manejo da gestação. Para doença
valvar aórtica, homoenxertos ou autoenxertos pulmonares devem ser
considerados.
GESTAÇÃO EM MULHERES COM DOENÇA CARDÍACA CONGÊNITA NÃO VALVAR
Em
países desenvolvidos, a frequência de cardiopatias congênitas está
aumentando em relação às cardiopatias adquiridas. Isto se deve à redução
da incidência e ao tratamento precoce da febre reumática.
A
evolução materno-fetal em gestantes com cardiopatias congênitas é
determinada pelos seguintes fatores: tipo de cardiopatia, correção
cirúrgica prévia, hipertensão arterial pulmonar, cianose e função
ventricular.
A
cianose e a hemoconcentração materna estão associadas à mortalidade
fetal. Hematócrito maior que 60% associa-se a 100% de perdas fetais. A
correção das cardiopatias congênitas cianogênicas, mesmo que parcial,
diminui o risco fetal e melhora suas condições de crescimento
intrauterino.
Defeito Septal Atrial e Forame Oval Patente
Geralmente
são bem tolerados na gestação, mesmo em pacientes com grandes shunts
esquerda-direita. O desenvolvimento de hipertensão pulmonar e arritmias
cardíacas raramente ocorrem em mulheres em idade reprodutiva.
Recomendações com relação à gestação nessas pacientes devem ser feitas
em base individual, considerando lesões associadas, status funcional e
nível de resistência vascular pulmonar. A embolia paradoxal ocasionando
acidente vascular cerebral tem sido relatada.
Defeito Septal Ventricular
Mulheres
com defeito septal ventricular isolado geralmente toleram bem a
gestação, apesar de insuficiência cardíaca e arritmias terem sido
relatadas.
A
evolução clínica materno-fetal é determinada pelo tamanho do defeito
septal ventricular e pelo grau de hipertensão pulmonar. Em gestantes com
esse defeito, há uma incidência de 50% de cardiopatias em seus fetos.
Ducto Arterioso Patente
A
persistência do canal arterial é menos frequente na gestação, visto que
a maior parte das pacientes já passou por correção cirúrgica durante a
infância.
Apresenta
prognóstico favorável, mas deterioração clínica e insuficiência
cardíaca podem ocorrer em algumas pacientes. No pós-parto, pode ocorrer
queda da resistência vascular sistêmica e hipotensão em casos de
hemorragia grave ou complicações anestésicas; consequentemente, pode
ocorrer shunt reverso em pacientes com hipertensão pulmonar.
Coarctação de Aorta
Geralmente
apresenta prognóstico materno e fetal favoráveis, porém pode ocorrer
hipertensão grave, insuficiência cardíaca congestiva e dissecção de
aorta.
Como
as incidências de hipertensão e endocardite infecciosa na mãe e de
doença cardíaca no feto têm sido relatadas em casos não corrigidos por
cirurgia, parece aconselhável corrigir a coarctação antes da gravidez.
Deve-se
limitar a atividade física e controlar a hipertensão, de preferência
com agentes betabloqueadores, para se evitar dissecção de aorta e
ruptura de aneurismas cerebrais.
A
correção cirúrgica tem sido realizada com sucesso durante a gestação e
deve ser indicada em pacientes com hipertensão sistólica grave e
incontrolável ou insuficiência cardíaca. Não há informação disponível em
gestantes com coarctação aórtica tratadas por dilatação percutânea.
Tetralogia de Fallot
Dentre
as cardiopatias congênitas cianogênicas, a tetralogia de Fallot é a
mais frequente, pois cerca de 5% das mulheres alcançam a idade
reprodutiva sem correção cirúrgica.
Pacientes
tratadas com um bom reparo cirúrgico apresentam risco similar ao da
população geral. Em vista da melhora do prognóstico materno e fetal, a
correção cirúrgica deve ser realizada antes da concepção.
Em
gestantes com tetralogia de Fallot, a distribuição do fluxo sanguíneo
depende da relação entre a resistência vascular sistêmica e a
resistência na via de saída do ventrículo direito. Como a pressão na via
de saída do VD é fixa, a queda na pressão vascular sistêmica que ocorre
na gravidez pode aumentar o shunt direita-esquerda produzindo redução
da saturação arterial de O2 e elevação dos níveis de hematócrito pelo estímulo à eritropoiese, o que explica o aumento da cianose durante a gestação.
Fatores
de mau prognóstico são hematócrito materno acima de 60%, saturação
arterial de oxigênio abaixo de 80%, hipertensão ventricular direita e
episódios de síncope.
Síndrome de Eisenmenger
Está
associada a uma das maiores taxas de morbimortalidade materno-fetal
(mortalidade materna de 50%). A redução da resistência vascular
sistêmica durante a gestação, associada a alta resistência vascular
pulmonar, aumenta o shunt direita-esquerda, resultando em diminuição do
fluxo pulmonar e piora da hipoxemia. O trabalho de parto, o parto e o
puerpério são os períodos de maior mortalidade, por estarem associados a
hemorragia, tromboembolismo e insuficiência cardíaca. Também associa-se
a mau prognóstico fetal.
Devido
ao elevado risco, a gestação é contraindicada, devendo ser interrompida
no 1º trimestre. Se o abortamento não for possível, interna-se a
paciente a partir da 24ª semana de gestação, iniciando-se tratamento com
repouso absoluto, oxigenioterapia, digital e diuréticos, se
necessários, heparinização subcutânea profilática a partir de 28 semanas
até 30 dias do puerpério e cesárea por indicação obstétrica ou se
houver instabilidade hemodinâmica materna sem resposta ao tratamento
clínico.
GESTAÇÃO EM MULHERES COM SÍNDROME DE MARFAN
Síndrome de Marfan
Distúrbio
hereditário do tecido conectivo, geneticamente determinado por
alterações no gene da fibrilina no cromossomo 15. É transmitido em um
padrão autossômico dominante, sendo caracterizado clinicamente por
alterações oculares, esqueléticas e cardiovasculares.
A
dissecção ou ruptura aórtica espontâneas são as complicações
cardiovasculares mais graves durante a gestação. A dissecção pode
ocorrer em qualquer região da aorta, mas ocorre sobretudo em sua porção
ascendente e em pacientes com raiz aórtica maior que 40 mm. Pode estar
associada a diferentes graus de insuficiência da valva aórtica. O
prolapso de valva mitral associado a insuficiência também é frequente
nesses pacientes.
Todas
as mulheres com a síndrome devem ser aconselhadas a não engravidar,
visto que a dissecção ou ruptura aórticas podem ocorrer com quaisquer
dimensões da raiz aórtica.
Todos
os pacientes com síndrome de Marfan devem realizar um ecocardiograma
transtorácico para avaliar as dimensões da raiz aórtica. Aumento maior
do que 45 mm é geralmente considerado uma indicação de cirurgia eletiva
antes da concepção.
Alguns
autores recomendam interrupção da gestação se qualquer grau de
dilatação da raiz aórtica maior que 40 mm for primeiramente detectado
durante a gestação. Esta é uma conduta controversa. Gestantes com
dilatação progressiva em estudos seriados são candidatas ao reparo
cirúrgico (indicação menos controversa).
Dissecção
e ruptura aórticas ocorrem com mais frequência no 3º trimestre ou
próximo do parto. Durante o trabalho de parto, deve-se ter especial
atenção a analgesia para se evitar elevações na pressão sanguínea.
Técnicas obstétricas para encurtar o segundo estágio do parto são
apropriadas. O uso de betabloqueadores profiláticos na gestação é
fortemente recomendado, pois diminui a taxa de dilatação da raiz da
aorta e a incidência de complicações cardiovasculares. A correção
cirúrgica não confere um risco normal em gestações posteriores, pois
tais pacientes ainda apresentam risco de dissecção aórtica, apesar de
menores em relação aos pacientes não operados.
GESTAÇÃO EM MULHERES COM MIOCARDIOPATIAS
Miocardiopatia Periparto
Inicialmente
descrita em 1849, a miocardiopatia periparto (MP) é um distúrbio
inflamatório de etiologia ainda desconhecida, que afeta mulheres no
final da gestação e puerpério, com consequências muitas vezes
devastadoras.
Por definição, são 4 os critérios para MP:
1. Insuficiência cardíaca (IC) no último mês de gestação ou até o 5º mês de puerpério.
2. Ausência de causas identificáveis para IC.
3. Ausência de cardiopatia prévia.
4. Disfunção sistólica de VE (FE < 45%).
Algumas
pacientes podem iniciar quadros compatíveis com IC em fase precoce da
gestação, mas não apresentam diferença de prognóstico.
Etiologia
A
causa é desconhecida e muitos fatores estão implicados na patogênese da
MP, como o aumento das citocinas TNF alfa e IL-6. Alguns autores têm
sugerido que a miocardite é uma possível causa, e outros acreditam em
uma resposta imune anormal materna contra células fetais, que
eventualmente poderiam desencadear reação autoimune cardíaca.
Fatores de Risco
Idade acima de 30 anos;
multiparidade;
descendência africana;
gestação múltipla;
uso de cocaína;
uso de beta-agonistas por mais de 4 semanas;
história de pré-eclâmpsia, eclâmpsia e hipertensão;
deficiência de selênio (controverso).
Clínica
As manifestações clínicas raramente ocorrem antes da 36a
semana de gestação; quando a síndrome clínica aparece precocemente na
gravidez, deve-se pensar em doenças cardíacas prévias (p.ex., isquêmicas
e valvares). Essas comorbidades tendem a descompensar na época da
gestação devido à maior sobrecarga hídrica.
As
pacientes apresentam dispneia, tosse, hemoptise, dor abdominal e outros
sintomas de insuficiência cardíaca. Vale lembrar que, pelo estado de
hipercoagulabilidade, estão mais predispostas à embolia pulmonar.
Exames Complementares
1. Radiografia de tórax: cardiomegalia e congestão pulmonar.
2. ECG:
taquicardia sinusal, anormalidades do segmento ST-T, podendo apresentar
critérios para HVE, Q anterior e PR e QRS prolongados.
3. Ecocardiograma: critérios definidos em 1992:
FE < 45%;
fração de encurtamento < 30% associado a VE sistólico > 2,7 cm/m2.
4. Outros possíveis achados incluem: aumento atrial esquerdo, derrame pericárdico pequeno, regurgitação mitral e tricúspide.
5. Cateterismo não é necessário, exceto nas pacientes com fatores de risco para doença coronariana.
6. Biópsia
endomiocárdica: não existem achados patognomônicos na biópsia e não há
nível de evidência para sua indicação. Alguns pacientes podem demonstrar
achados compatíveis com miocardite.
Tratamento
O manejo dos pacientes é similar ao das pacientes não-gestantes com insuficiência cardíaca, entretanto, existem peculiaridades:
Devem
ser evitados os IECA e antagonistas da angiotensina 2, pois estão
associados a insuficiência renal e morte fetal. O risco é maior quando
dado no último trimestre, entretanto, no 1º trimestre, está associado
com malformações cardíacas e do sistema nervoso central.
Diuréticos
pode ser usados para alívio dos sintomas; o diuréticos de alça são
preferidos em relação aos tiazídicos,que estiveram associados a casos de
hiponatremia e sangramentos em neonatos de mães que usaram esses
diuréticos.
Digoxina
pode ser usada com os mesmos riscos para pessoas sem gravidez,
entretanto pode passar para os recém-nascidos pelo leite materno e, para
o feto, de forma transplacentária. Usado para tratar taquiarritmias.
Hidralazina é o vasodilatador de eleição; caso necessário seja outro vasodilatador, a preferência é a nitroglicerina venosa.
Betabloqueadores
são seguros durante gravidez. Os beta-1 seletivos são preferidos por
não interferirem com o relaxamento uterino mediado pelos receptores
beta-2. Existe uma recomendação para que recém-nascidos de mãe usuárias
dessas medicações sejam observados por um período de 72 a 96 horas
pós-parto pelo risco de apneia, hipotensão, bradicardia e hipoglicemia. É
secretado no leite materno.
Antagonistas
da aldosterona não devem ser usados durante a gravidez, pois não há
evidência de eficácia e segurança nesses pacientes.
Inotrópicos em casos refratários e vasoconstritores devem ser evitados ao máximo.
Niseritida deve ser usada apenas nos casos refratários, pois não está clara sua segurança nos fetos.
Anticoagulação
deve ser considerada em pacientes com função ventricular < 30%, pelo
estado já mencionado de hipercoagulabilidade durante a gravidez.
O
uso de imunossupressores não é recomendado; em casos especiais, com
biópsia comprovando miocardite e refratariedade ao tratamento clínico, o
uso dessas medicações foi testado com resultados incertos.
Imunoglobulina
foi testada sem benefício comprovado. Estudo retrospectivo com 6
pacientes que usaram essa medicação demonstrou melhora na fração de
ejeção ventricular.
O
transplante de coração como última terapia tem efeitos favoráveis na
sobrevida em longo prazo. É desaconselhável nova gravidez pela paciente,
principalmente se ela evoluiu com disfunção ventricular.
Prognóstico
Materno:
alguns estudos avaliaram a sobrevida dessas pacientes com resultados
similares; a mortalidade pode chegar a 10% em 5 anos e com necessidade
de transplante de aproximadamente 4 a 6%. Esses estudos identificaram os
seguintes fatores diretamente relacionados com mortalidade:
classe funcional ruim;
raça negra;
paciente multípara.
Em
relação à fração de ejeção ventricular, aproximadamente 50% evoluem com
algum grau de disfunção ventricular e outros 50% voltam a apresentar FE
> 50%. O prognóstico é muito parecido ao dos pacientes com
miocardite viral.
Obstétrico e neonatal: são limitados os estudos em relação a sobrevida nessa população.
ARRITMIAS NA GESTAÇÃO
Diagnóstico
A
gestação está associada a uma maior incidência de arritmias e
distúrbios de condução nas gestantes e nos fetos, tanto como primeira
manifestação quanto como exacerbação de eventos prévios. Mulheres com
cardiopatia congênita são mais propensas a desenvolverem tais alterações
durante a gestação. Entre as mulheres com coração normal, ainda é
incerto se a gravidez associa-se a maior incidência de arritmias.
Alterações Eletrocardiográficas
Durante a gestação normal, podem ocorrer alterações sutis no eletrocardiograma:
encurtamento dos intervalos PR e QT associado ao aumento da frequência cardíaca;
desvio do eixo frontal (raro, mais comumente para a direita);
anormalidades inespecíficas dos segmentos ST e ondas T (4 a 14% das gestantes), que geralmente desaparecem após o parto.
Extrassístoles Supraventriculares
As
extrassístoles supraventriculares e ventriculares podem estar presentes
durante a gestação, porém, geralmente não se correlacionam com
sintomas. As pacientes assintomáticas ou oligossintomáticas,
independentemente da densidade da arritmia, com função ventricular
esquerda normal, apresentam um bom prognóstico e não necessitam de
tratamento antiarrítmico. Em pacientes com doença cardíaca estrutural, a
incidência de tais arritmias também é mais frequente.
Em
gestantes com cardiopatia congênita ou nas raras pacientes gestantes
coronariopatas com infarto prévio, a presença de extrassístoles
ventriculares tem o mesmo significado em relação a mulheres
não-grávidas, ou seja, aumentam o risco de morte súbita. Contudo, o
tratamento antiarrítmico não se demonstrou eficaz na prevenção de tais
eventos nesse grupo de pacientes.
Taquicardias Supraventriculares
Taquicardias
supraventriculares (TSV) podem ocorrer em gestantes com ou sem
cardiopatia. A gestação raramente associa-se ao primeiro episódio de uma
TSV, porém esta arritmia torna-se mais frequente em mulheres com
episódios prévios a gestação.
Dentre
as TSV, a mais frequente durante a gestação é a taquicardia por
reentrada nodal, tanto em gestantes cardiopatas quanto naquelas com
coração normal. As consequências clínicas e hemodinâmicas desta
taquiarritmia dependem da presença de cardiopatia estrutural adjacente.
Em gestantes com coração normal, geralmente não há complicações para a
mulher ou para o feto. Nas cardiopatas, pode ocorrer instabilidade
hemodinâmica.
A
taquicardia por reentrada atrioventricular é a segunda TSV em
frequência. A presença do feixe anômalo é mais frequente em pacientes
com cardiopatias congênitas, como a anomalia de Ebstein.
O
flutter atrial típico é raro durante a gestação e, quando ocorre, está
associado a cardiopatias estruturais, geralmente congênitas com
envolvimento dos átrios, doenças como o hipertireoidismo.
A
fibrilação atrial também é rara durante a gestação, ocorrendo sobretudo
em gestantes cardiopatas ou com tireotoxicose. Em gestantes cardiopatas
e principalmente naquelas com estenose mitral reumática, a fibrilação
atrial pode desencadear insuficiência cardíaca e acarretar graves
consequências para a mãe e para o feto. Também é encontrada em gestantes
com cardiopatias congênitas, podendo levar a grave instabilidade
hemodinâmica.
Taquicardias Ventriculares
A
taquicardia ventricular (TV) é incomum durante a gestação e
relativamente rara em pacientes sem doença cardíaca estrutural. Além de
associada à cardiopatia estrutural, também está associada a uso de
drogas, distúrbios eletrolíticos e eclâmpsia. Raramente pode
apresentar-se em gestantes sem cardiopatia adjacente, sendo considerada
idiopática nessa situação. Em geral, são controladas com terapia
medicamentosa e apresentam bom prognóstico. Em algumas pacientes, a
taquicardia ventricular sustentada ou não sustentada é a primeira
manifestação da cardiomiopatia periparto.
A
TV paroxística sustentada pode ocorrer devido a tireotoxicose ou
hiperêmese gravídica, sendo corrigida após resolução das alterações
metabólicas subjacentes. Embora seja raro, também pode ocorrer devido à
síndrome do QT longo congênito ou em gestantes como a primeira
manifestação de um infarto agudo do miocárdio, geralmente causado por
espasmo coronariano.
A
TV não sustentada ocorre em cerca de 70% das gestantes com crises
hipertensivas, sendo causada por altos níveis de catecolaminas ou
isquemia miocárdica. O tratamento da hipertensão resulta em resolução da
arritmia.
Bradiarritmias
Os
bloqueios atrioventriculares são raros na gestação. O bloqueio de 1º
grau está associado a cardiopatias congênitas ou reumáticas. Geralmente
não é progressivo e não é associado a risco materno-fetal.
Dentre
os bloqueios do 2º grau, o mais prevalente é o bloqueio tipo Wenckebach
(alargamento progressivo do intervalo PR), geralmente não associado a
sintomas. Está associado a presença de cardiopatia orgânica ou
tratamento com digitálico. Na ausência de sintomas ou bradicardia
importante, a remoção das causas desencadeantes é o único tratamento a
ser instituído.
O
bloqueio atrioventricular total pode ser adquirido ou congênito. O
bloqueio adquirido é mais frequente em gestantes com cardiopatia
congênita, principalmente após cirurgias de correção, sendo então raro
durante a gestação.
Os
bloqueios totais congênitos apresentam prognóstico favorável em
gestantes, sobretudo quando o ritmo de escape é estreito. Na ausência de
atraso da condução intraventricular ou bradicardia sintomática, o
implante de marcapasso durante a gestação é desnecessário.
Tratamento
Apesar
de sintomas como palpitações, vertigem e síncope serem comuns durante a
gestação, raramente estão associados a arritmias. Por outro lado, mesmo
pacientes com função ventricular esquerda normal podem apresentar
instabilidade hemodinâmica em vigência de uma arritmia.
Após
o diagnóstico de uma arritmia na gestação, o início do tratamento deve
considerar a intensidade e tolerabilidade materna aos sintomas, a
repercussão hemodinâmica provocada pela arritmia e os riscos decorrentes
do uso de antiarrítmicos. Todos os antiarrítmicos apresentam efeitos
colaterais potenciais durante a gravidez, e não há grandes estudos
controlados em relação a seus efeitos deletérios. A maioria das
informações é de relatos de casos ou séries de casos pequenas. Portanto,
deve-se utilizá-los com critério, com as menores doses possíveis para o
controle da arritmia, e reavaliar periodicamente a sua indicação.
Deve-se investigar distúrbios eletrolíticos, doença tireoidiana, uso de drogas, álcool, cafeína e tabagismo.
Na
presença de arritmias com boa resposta às manobras vagais (p.ex., TRN),
deve-se priorizá-las para evitar o uso de antiarrítmicos. Se não houver
sucesso, passa-se então a outras formas de tratamento.
A
adenosina reverte cerca de 90% das TSV. Em razão de seu rápido início
de ação e curta meia-vida, é utilizada nessas taquiarritmias em caso de
insucesso das manobras vagais, sem evidências de efeitos colaterais
maternos ou fetais. Não há relatos de bloqueio atrioventricular fetal em
decorrência de seu uso.
Os
digitálicos são geralmente utilizados no tratamento de taquicardias
ventriculares maternas ou fetais ou para o controle da resposta
ventricular em gestantes com fibrilação ou flutter atriais. Cruzam a
barreira placentária e são secretados no leito materno. Há relatos de
associação com trabalho de parto prematuro e baixo peso ao nascimento,
porém outras séries demonstraram segurança em seu uso.
Os
betabloqueadores são geralmente utilizados no tratamento de
hipertensão, tireotoxicose, controle de arritmias e para controle da
frequência ventricular em pacientes com fibrilação atrial. A segurança
desses medicamentos é controversa, pois há relatos de retardo de
crescimento, bradicardia fetal, hipoglicemia e trabalho de parto
prematuro. Não há evidências comparando os betabloqueadores seletivos em
relação aos não seletivos durante a gestação. São excretados no leite
materno, devendo-se monitorar sinais de betabloqueio nos lactentes.
Os
bloqueadores dos canais de cálcio utilizados durante a gestação são o
verapamil e o diltiazém, principalmente para o controle da resposta
ventricular em fibrilação ou flutter atriais; o verapamil também é
efetivo no tratamento das taquicardias ventriculares idiopáticas. Não há
relato de efeitos colaterais sobre o feto, e pode ocorrer hipotensão
materna.
Os
antiarrítmicos da classe IA (procainamida e quinidina) são seguros para
serem utilizados durante a gravidez para o tratamento materno ou fetal
de arritmias supraventriculares ou ventriculares.
A
lidocaína (antiarrítmico da classe IB) é o agente de escolha no
tratamento agudo das arritmias ventriculares durante a gestação, sendo
bem tolerada e segura.
Em
relação aos antiarrítmicos da classe IC, não há relatos de efeitos
colaterias com a flecainida e há pouca experiência com o uso da
propafenona.
Amiodarona,
sotalol e ibutilida são os antiarrítmicos de classe III. A amiodarona é
utilizada no tratamento de arritmias maternas ou fetais
supraventriculares ou ventriculares, enquanto o sotalol é utilizado nas
taquicardias ventriculares. A amiodarona merece especial atenção, pois
pode apresentar meia-vida muito longa (26 dias a 6 meses); contém grande
quantidade de iodo, podendo levar a distúrbios da função tireoidiana;
associa-se a bradicardia fetal, prolongamento do intervalo QT no feto,
trabalho de parto prematuro e baixa peso ao nascimento. Como é excretada
no leite, pode ocorrer hipotireoidismo no lactente. Deve ser utilizada
apenas nos casos de arritmias maternas ou fetais que não responderam a
outros antiarrítmicos. Deve-se evitar o uso concomitante com
betabloqueadores e não se recomenda a amamentação durante seu uso pela
mãe.
Há pouca evidência clínica em relação ao uso do sotalol e da ibutilida.
Por
causa da exposição à radiação ionizante, o estudo eletrofisiológico e a
ablação por cateter devem ser realizados de preferência após o parto.
Se a demora para tais procedimentos for arriscada, deve-se minimizar a
exposição à radiação durante o estudo. Outra possibilidade para a
ablação é em mulheres com arritmias, em uso de antiarrítmicos, que
desejam engravidar. O controle da arritmia pela ablação evitaria os
riscos associados ao uso dos antiarrítmicos.
A
cardioversão elétrica sincronizada está indicada em taquiarritmias com
grave instabilidade hemodinâmica. É bem tolerada pela gestante e não
deve ser retardada se houver indicação clínica.
HIPERTENSÃO E GRAVIDEZ
A
incidência de hipertensão arterial sistêmica (HAS) na gestação é de
10%. Independentemente de sua etiologia, é a primeira causa de
mortalidade materna no ciclo gravídico-puerperal, chegando a 35% dos
casos de óbito materno nesse período. Isso decorre das suas inerentes
complicações, conforme mostra a Tabela 4.
Tabela 4: Complicações da HAS na gravidez
Complicações maternas
|
Complicações do concepto
|
Insuficiência cardíaca
|
Abortamento
|
Encefalopatia hipertensiva
|
Prematuridade
|
Insuficiência renal
|
Retardo de crescimento intrauterino
|
Ruptura hepática
|
Sofrimento fetal agudo e crônico
|
Dissecção aguda da aorta
|
Óbito fetal
|
Descolamento prematuro da placenta
|
|
Óbito materno
|
O
diagnóstico de hipertensão durante a gravidez depende, em parte, da
idade gestacional à apresentação. De uma maneira geral, caracteriza-se
HAS na gravidez quando a pressão arterial sistólica (PAS) for = 140mmHg e
a diastólica (PAD) for = 90mmHg em duas tomadas, com intervalo de 4
horas, em repouso, ou quando houver aumento = 30 mmHg na PAS e/ou
aumento = 15 mmHg na PAD, em relação a conhecidos níveis prévios à
gestação.
A hipertensão durante a gestação pode ser classificada da seguinte maneira:
Tabela 5: Classificação da HAS na gravidez
Classificação
|
Características
|
Hipertensão crônica
|
Hipertensão
(PA = 140x90 mmHg em duas ocasiões distintas) presente antes da
gravidez ou diagnosticada antes da 20ª semana de gestação.
|
Hipertensão gestacional
|
Nova
hipertensão surgindo após a 20ª semana de gestação; ausência de
proteinúria; normalização da PA cerca de 12 semanas após o parto.
|
Pré-eclâmpsia superajuntada a HAS crônica
|
Elevação da PA acima dos valores basais da paciente; alteração em proteinúria ou evidência de disfunção orgânica.
|
Pré-eclâmpsia/eclâmpsia
|
Nova
hipertensão; proteinúria (> 300 g/24 hs ou 2+/4+ em 2 amostras). Se
não houver proteinúria, suspeita é feita com aumento da PA associado a
cefaleia, visão borrada, dor abdominal, plaquetopenia ou elevação de
enzimas hepáticas. Eclâmpsia é caracterizada pelo aparecimento de
convulsões em paciente com pré-eclâmpsia, sem causa identificável.
|
Pré-eclâmpsia
Ocorre
mais comumente em primíparas e em gestações gemelares. Geralmente, não
há desenvolvimento de hipertensão franca até a segunda metade da
gestação (uma explicação provável é a disfunção endotelial, que leva a
remodelamento anormal das artérias espiraladas da placenta).
O
tratamento definitivo é a resolução da gestação, o que é sempre
benéfico à mãe, sendo que, após o parto, os níveis pressóricos
normalizam-se rapidamente. Permanecendo grávida, a mulher com
pré-eclâmpsia permanece com risco aumentado de complicações, como
convulsões, trombocitopenia, hemorragia cerebral, edema pulmonar,
hemorragia hepática e insuficiência renal. O risco dessas complicações
desaparece com o parto, uma vez que a pré-eclâmpsia é uma situação
completamente reversível. A via de parto é de indicação obstétrica.
O
tratamento anti-hipertensivo não é eficaz na sua prevenção, sendo a
conduta adequada constituída de repouso, restrição salina e monitoração
cuidadosa. Além disso, as indicações de tratamento anti-hipertensivo não
são baseadas em revisões sistemáticas, as quais são limitadas. A
principal indicação é a prevenção de episódio convulsivo, uma vez que a
redução dos níveis pressóricos não altera o curso da pré-eclâmpsia.
Sulfato de magnésio é geralmente administrado em um esforço para
prevenir a ocorrência de eclâmpsia com suas convulsões e para prolongar a
gestação, facilitando assim a maturidade fetal.
Apesar
de não haver consenso quanto aos níveis de PA a partir dos quais está
indicada a administração de anti-hipertensivos, sabe-se que níveis muito
aumentados representam um maior risco de hemorragia cerebral. Dessa
forma, recomenda-se iniciar o tratamento anti-hipertensivo em mulheres
com eclâmpsia ou pré-eclâmpsia quando a PAS for ³ 150 mmHg e/ou a PAD ³ 100 mmHg, para a prevenção de complicações vasculares maternas.
Resumidamente, há duas situações em que o tratamento anti-hipertensivo deve ser considerado:
manejo agudo de hipertensão grave, situação que pode requerer terapia parenteral;
controle pressórico durante manejo expectante de pré-eclâmpsia severa.
Para
tratamento agudo, as medicações recomendadas são hidralazina
intravenosa e bloqueadores do canal de cálcio, como nifedipina de
liberação prolongada e verapamil intravenoso. Posteriormente, como
manutenção do tratamento anti-hipertensivo após o controle da crise
hipertensiva, têm-se como opções de hipotensores para uso oral:
alfametildopa: dose até 2 g/dia;
verapamil: dose até 240 mg/dia;
nifedipina: dose até 120 mg/dia ou, de ação prolongada, até 60 mg/dia.
pindolol e hidralazina: devem ser evitados no 1º trimestre, por sua controversa ação teratogênica.:
Cabe
ainda ressaltar que o nitroprussiato é droga contraindicada nas fases
mais tardias da gestação e que os inibidores da enzima de conversão da
angiotensia (IECA), assim como os bloqueadores do receptor da
angiotensina II (ARAII), são drogas contraindicadas em todas os estágios
da gestação, uma vez que são teratogênicas.
Hipertensão Gestacional
As
indicações de tratamento e as drogas a serem utilizadas na hipertensão
gestacional são as mesmas citadas para mulheres com pré-eclâmpsia.
Com
o tempo, cerca de 50% das pacientes com hipertensão gestacional irão
desenvolver proteinúria, preenchendo, pois, critérios para
pré-eclâmpsia.
Hipertensão Pré-existente
HAS
crônica é aquela identificada antes da gravidez ou diagnosticada antes
da 20ª semana de gestação, ou ainda que aparece pela primeira vez na
gravidez e persiste depois do 42º dia após o parto. É importante
salientar que este diagnóstico pode ser dificultado pela existência de
redução fisiológica da PA no 2º trimestre da gravidez, caso a paciente
seja vista pela primeira vez nesse período gestacional.
Mulheres
com hipertensão crônica pré-existente apresentam risco aumentado de
complicações na gravidez. Pré-eclâmpsia superajuntada é a complicação
mais comum, sendo de 2 a 4 vezes mais comum de ocorrer do que na
população obstétrica geral. Outras complicações incluem: morte
perinatal, baixo peso ao nascer e crescimento fetal restrito. Outros
problemas decorrem dos riscos inerentes à doença hipertensiva, como
insuficiência cardíaca, encefalopatia hipertensiva, retinopatia,
hemorragia cerebral e insuficiência renal aguda.
Recomendações Adicionais
Apesar
de amplamente recomendado, não há estudos amplos randomizados avaliando
os benefícios e os riscos do repouso no leito para pacientes grávidas
com hipertensão de qualquer etiologia. Considerando os efeitos negativos
de uma atividade limitada para a maioria das mulheres, como o risco
aumentado de problemas tromboembólicos, o repouso no leito não é
recomendado para todas as mulheres grávidas com hipertensão. Todavia,
ainda é recomendação de rotina algum grau de repouso em decúbito lateral
para aumentar o fluxo sanguíneo placentário, em pacientes com suspeita
de insuficiência placentária, como aquelas com restrição do crescimento
fetal ou pré-eclâmpsia.
ANTICOAGULAÇÃO DURANTE A GESTAÇÃO
O
manejo de pacientes grávidas que necessitam de anticoagulação para
profilaxia ou tratamento de complicações trombóticas é um verdadeiro
dilema. Exemplos incluem mulheres com próteses valvares mecânicas,
tromboembolismo venoso imediatamente antes ou durante a gravidez,
insuficiência cardíaca grave e síndrome do anticorpo antifosfolípide.
Estratégias
para se manter uma adequada anticoagulação, ao mesmo tempo em que se
evitam danos ao feto ou à mãe pelos agentes antitrombóticos, são
baseadas em estudos retrospectivos, uma vez que seria legal e eticamente
difícil conduzir grandes estudos prospectivos na população de
gestantes.
Os
agentes antitrombóticos mais comumente considerados para uso em
mulheres grávidas incluem: anticoagulantes orais (ACO), usualmente a
varfarina; heparina não fracionada (HNF); e heparina de baixo peso
molecular (HBPM).
Recomendações Gerais
As
diretrizes da ACCP (American College of Chest Physicians) para terapia
antitrombótica recomendam uma de três estratégias para anticoagulação
durante a gestação:
uso controlado de HNF com ajuste da dose durante toda a gestação, com aplicação subcutânea a cada 12 horas;
uso
de HBPM subcutânea com ajuste da dose, durante toda a gestação,
atingindo-se o nível recomendado de anti-Xa 4 horas após injeção;
uso
de HNF ou HBPM (como acima) até a 13ª semana de gestação, substituindo
por varfarina até a metade do 3º trimestre e, após, retomada do uso de
HNF ou HBPM até o momento do parto.
Anticoagulação
em longo prazo deve ser reiniciada no pós-parto, independentemente do
regime utilizado. Heparina pode ser administrada 12 horas após parto
cesariano e 6 horas após parto vaginal, se não tiver ocorrido
sangramento significativo.
Anticoagulação da Gestante com Prótese Mecânica
Ainda
há muita controvérsia e ausência de consenso no manejo dessas
pacientes. O fundamental, independentemente da estratégia utilizada, é
explicar os riscos para a paciente.
Durante
a gestação, o sangue materno é altamente trombogênico, uma vez que há
aumento da concentração de fatores de coagulação e da adesividade
plaquetária, além de diminuição da fibrinólise. Com isso, há um aumento
no risco de trombose valvar e de eventos tromboembólicos.
Agentes Antitrombóticos Comuns
Heparina Não Fracionada (HNF)
Esse
tipo de heparina tem um grande peso molecular, não atravessando a
barreira placentária. Dessa forma, não leva a anormalidades no
desenvolvimento do feto. Pertence à categoria C, quanto à segurança do
seu uso para a Food and Drug Administration (FDA). Não apresenta risco
teratogênico conhecido e não provoca anticoagulação do feto.
Vários
são os motivos de preocupação em relação à administração da HNF durante
a gestação, como a relativa dificuldade de se manter uma resposta
terapêutica estável, a inconveniência da administração parenteral e as
complicações induzidas pela heparina, como trombocitopenia e
desmineralização óssea em pacientes tratados por mais de 7 semanas.
Doses
maiores de HNF são necessárias em pacientes gestantes para se atingir
níveis terapêuticos adequados, tanto pra profilaxia, quanto para
tratamento. Isso se deve ao maior número de proteínas que se ligam à
heparina e de fatores de coagulação, assim como ao maior volume
plasmático, à depuração renal aumentada e à maior degradação da heparina
pela placenta durante a gestação.
Quando
a anticoagulação plena é desejada, o controle da dose é feito pela
relação do TTPa (tempo de tromboplastina parcial ativado), o qual deve
ser mantido em pelo menos 2,0.
A
HNF tem sido usada por via subcutânea ou via endovenosa e, geralmente,
tem seu uso iniciado já no 1º trimestre da gestação, assim que a
gravidez é diagnosticada, para minimizar a exposição do feto à varfarina
no período crítico de embriogênese fetal. É usualmente mantida até a
13ª ou 14ª semana da gestação, quando a embriogênese fetal está
praticamente completa, sendo assim substituída pela varfarina.
Alguns
médicos optam por manter a heparina durante toda a gestação, para
evitar qualquer exposição fetal à varfarina; todavia, como observado
anteriormente, a HNF tem se mostrado um anticoagulante mais fraco
durante a gestação.
Mulheres
que são anticoaguladas com heparina até o momento do parto geralmente
não apresentam sangramento maior que as gestantes não anticoaguladas. A
infusão de heparina deve ser interrompida aproximadamente 4 horas antes
do parto cesariano.
Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM)
A
HBPM tem como vantagens em relação à HNF a facilidade de uso e uma
maior biodisponibilidade. Leva a uma resposta anticoagulante mais
previsível, comparada à HNF, com doses fixas 1 ou 2 vezes/dia. A
monitoração laboratorial do seu efeito anticoagulante geralmente não é
realizada em pacientes não grávidas; todavia, alguns autores recomendam
mensurar os níveis de anti-fator Xa 4 horas após a injeção em gestantes,
mantendo-se o nível em cerca de 1 a 1,2 U/mL, com medida semanal. Uma
explicação seria a alteração da farmacocinética da droga durante a
gestação, tornando essa monitoração laboratorial de vital importância.
A
enoxaparina, HBPM mais comumente utilizada nos EUA, é listada pela FDA
como categoria B na gravidez. Não é clara a existência de relação entre
HBPM e perda óssea materna, como existe para a HNF. O Colégio Americano
de Ginecologistas e Obstetras afirma que a HBPM pode ser considerada em
mulheres candidatas à anticoagulação profilática ou terapêutica durante a
gestação.
Para portadores de prótese mecânica, tem sido recomendada a associação de AAS em baixas doses (75 a 162 mg).
Uma
revisão sistemática de 64 estudos, envolvendo 2.777 mulheres grávidas,
concluiu que a HBPM é segura e efetiva na prevenção e no tratamento de
tromboembolismo venoso durante a gestação.
Apesar
do exposto, o uso da HBPM na gestação ainda é controverso, sem grande
estudo prospectivo e sem nível adequado de anti-Xa definido. Mesmo
assim, caso seja utilizada, deve ter seu uso descontinuado pelo menos 24
horas antes do parto, no caso de analgesia peridural, pelo risco de
hematoma espinhal. Nesse caso, deve ser substituído por HNF.
Varfarina
É
o anticoagulante de escolha em pacientes não grávidas, porém, sua
grande desvantagem durante a gestação é o fato de atravessar livremente a
barreira placentária, em virtude do seu baixo peso molecular, podendo
prejudicar o feto.
Os efeitos adversos fetais da varfarina resultam de sua teratogenicidade e de sua propensão de causar sangramento no feto.
A
exposição do feto à varfarina no 1º trimestre de gestação pode
associar-se a embriopatia fetal. As anormalidades de crescimento mais
comuns afetam ossos e cartilagens. Na sua forma mais grave, pode
manifestar-se como hipoplasia nasal, atrofia óptica e retardo mental. O
risco exato de embriopatia secundária à varfarina é desconhecido, sendo a
melhor estimativa de que o risco encontra-se entre 5 e 7%.
Aparentemente, o uso de varfarina aumenta o risco de perda fetal e de
aborto espontâneo. O risco de embriopatia fetal parece ser
dose-dependente, sendo que doses menores ou iguais a 5 mg/dia têm a
melhor margem de segurança.
Hemorragia
fetal ou neonatal é motivo de preocupação quando a varfarina é
administrada no 2º e 3º trimestres da gestação, no entanto, essa
complicação é raramente observada. O risco parece ser maior durante e
imediatamente após o parto.
Dessa
forma, a abordagem da mulher com valva mecânica, no que diz respeito à
anticoagulação, deve ser individualizada. Se gestante de baixo risco, a
opção é terapia com heparina assim que feito o diagnóstico de gravidez,
retomando o uso da varfarina com 13 a 14 semanas de gestação.
A
passagem transplacentária da varfarina aumenta o risco de morte
hemorrágica fetal durante parto vaginal. Para que esse risco seja
minimizado, o uso de varfarina deve ser descontinuado após 34 a 36
semanas de gestação e/ou parto cesariano deve ser considerado.
Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR - HC-FMUSP)
Ricardo Casalino Sanches de Moraes
Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Médico Colaborador do Grupo de Válvula do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
João Ricardo Cordeiro Fernandes
Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR - HC-FMUSP)
Leonardo Vieira da Rosa
Médico Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutorando em Cardiologia do InCor-HC-FMUSP. Médico Cardiologista da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês.
Autores:
Paulo Cury RezendeResidente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR - HC-FMUSP)
Ricardo Casalino Sanches de Moraes
Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Médico Colaborador do Grupo de Válvula do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
João Ricardo Cordeiro Fernandes
Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR - HC-FMUSP)
Leonardo Vieira da Rosa
Médico Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutorando em Cardiologia do InCor-HC-FMUSP. Médico Cardiologista da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês.
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