5.05.2015

Os anos 90 estão na moda: nostalgia ou frustração?

Quem foi criança na década de 90 e hoje está prestes a fazer 30 anos acaba se frustrando, ao perceber que não conseguiu realizar seus sonhos e expectativas, dizem especialistas

TIAGO FREDERICO
Goku, protagonista de Dragon Ball
Foto:  Reprodução
Rio - Backstreet Boys, Dragon Ball e Xuxa, sem dúvidas, povoarão para sempre o imaginário daqueles que tiveram a infância vivida nos anos 90. E, recentemente, diversos ícones daquela década voltaram a ocupar espaço na grande mídia, além de se tornarem motivo de comentários nas mais diversas redes sociais. Prova disso foi a euforia com que fãs do anime japonês receberam a notícia, na última semana, de que novas aventuras de Goku seriam lançadas, a partir de julho deste ano, no Japão.
Outro caso envolve a rainha dos baixinhos. Em março, a ida de Maria da Graça "Xuxa" Meneghel para a Rede Record causou comoção nacional. Somado a tudo isso ainda temos a mobilização de milhares de pessoas para ir aos shows da maior boyband dos últimos tempos, Backstreet Boys, que acontecerão em junho no Brasil. Tal nostalgia com os velhos tempos pode ser explicada através da ciência. E o motivo para este fenômeno ocorrer está fortemente ligado a outro sentimento, a frustração. É o que você confere abaixo na reportagem de O DIA , com a análise de especialistas sobre o assunto.
‘Toda geração é nostálgica do passado’
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutor em sociologia, Ronaldo Helal acredita que "toda geração é nostálgica do passado". "É muito normal que nossos pais, nosso avós sempre falem que o tempo deles era melhor. O filme 'Meia-Noite em Paris', do Woody Allen, por exemplo, fala que a belle époque francesa era um dos melhores tempos", explica Helal.
O sociólogo se coloca como exemplo, ao afirmar ter saudade da sua infância. "Eu tenho saudade da década de 70, que foi a época da minha geração. É normal que uma geração sinta saudade do tempo em que era criança", avalia.
Ronaldo Helal também explica o motivo de temas dos anos 90 estarem na moda nos dias atuais. "É uma tendência a sociedade ser nostálgica do seu passado e, por isso, há essa transição entre os anos 80 e 90", avalia o professor da Uerj, que acredita existir uma relação entre a chegada da fase adulta com a nostalgia. "Essa nostalgia é constante", finaliza.
As Paquitas da apresentadora Xuxa
Foto:  Mirian Monteiro / Agência O DIA
Nostalgia x Frustração
A saudade da infância pode indicar uma frustração na fase adulta e há possibilidade desse sentimento estar diretamente relacionado à nostalgia dos anos 90 que observamos na sociedade atual. Segundo a psiquiatra e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Vania Novelli, a pessoa que foi criança na década de 90 e que, hoje, está prestes a completar 30 anos acaba se frustrando, ao perceber que não conseguiu realizar seus sonhos e expectativas.
"A pessoa nessa faixa etária é um adulto-jovem, que está naquele momento de saída de um mundo cheio de sonhos. Ela passa pela infância, a adolescência, pelo vestibular, e, quando chega ao mercado de trabalho, se depara com um emprego que não a sustenta, não consegue se tornar independente e vê que não tem a vida que queria. Então, toda aquela expectativa se torna frustração", explica Vania.
De acordo com a psiquiatra, a baixa remuneração oferecida pelas empresas aos jovens que entram no mercado de trabalho hoje em dia contribui para o sentimento de frustração.
Apresentadora no programa Xuxa Park, em 1998
Foto:  Margareth Lipes / Agência O DIA
"Tenho muitos pacientes assim. Eles fazem faculdade, trabalham o dia inteiro, em geral, em empresas privadas, onde são muito exigidos, mas quando vão alugar um imóvel, pagar as contas, veem que aquilo (que recebem) não dá. São poucas as vagas que dão boa remuneração. Isso faz você criar uma saudade da infância, de quando os pais eram os provedores. Você é um adulto-jovem e quer ter uma vida de adulto. Então, fica saudoso com relação ao tempo que seus desejos eram cumpridos com certa facilidade, tem saudade de si mesmo, daquele outro que você era, daquela época do descompromisso, quando podia ficar despreocupado, curtir e pedir dinheiro aos pais. Não é uma questão de preguiça", considera a membro da ABP.
No entanto, ainda segundo a psiquiatra, a frustração é apenas um dos fatores que alimentam a nostalgia. “Há também outro que é uma mudança no modo das pessoas se relacionarem. A definição do que seria você se relacionar com alguém da sua área amoroso-sexual. Quando você observa estes modelos de relacionamento, você vê que eles também não te servem", opina.
Vania Novelli explica que o sentimento de frustração dos jovens que estão se tornando adultos não existia antigamente. "Isso não era muito comum na fase dos 30 anos. Eu acho que isso surge devido a essa baixa remuneração de hoje em dia. Ele não consegue sair de casa e as frustrações vão se somando. Então, ele busca fazer uma pós-graduação, concurso público, etc. Vejo muita gente procurando a carreira pública para sair dessa massa”, avalia a psiquiatra, afirmando que "o mais frustrante é que, apesar do esforço e da capacitação, o adulto-jovem se sente incompetente para ser realmente independente e se tornar um adulto com a vida que esperara".
Mesmo assim, a psiquiatra não vê a frustração como um sentimento totalmente negativo. "A nostalgia é a saudade de uma determinada época. Você fica envolvido em determinados sentimentos. Se está frustrado, busca aquele equilíbrio, aquele conforto. Esse fator ajuda a pessoa que está se sentindo assim", pondera a psiquiatra, acrescentando que, "naquele momento (de nostalgia), é como se ele (o jovem) tivesse uma vivência. É um momento bom, que traz prazer, que alegra. É um momento de amparo e de conforto, como se fosse um oásis no deserto", diz.
Recorrer às memórias e às lembranças, para a Vania Novelli, “é um recurso para suprir ausências do cotidiano, é uma forma da pessoa se prevalecer”.
Fãs se mobilizam para show da maior boyband dos anos 90
A grande procura pelos shows dos Backstreet Boys obrigou a produtora Time For Fun a acrescentar mais três shows extras na agenda da boyband de junho no Brasil, sendo dois na capital paulista e um no Rio de Janeiro. Com isso, fãs dos músicos norte-americanos terão a oportunidade de assisti-los nos dias 8 e 11, e no Rio, e nos dias 12, 13 e 14, em São Paulo. Outras capitais também receberão apresentações, como Recife, onde eles cantam no dia 6; Belo Horizonte, com show marcado para o dia 9; e Porto Alegre, no dia 15 de junho.
A moradora de São Gonçalo, Bruna Albuquerque, de 30 anos, está ansiosa pelas apresentações na capital fluminense. "Sou fã da banda há mais de 16 anos, desde quando eu tinha 13 anos de idade. Sempre acompanhei o trabalho deles e fui a todos os shows no Rio", conta a designer de moda. Bruna irá aos shows do dia 8 e 11.
Com 30 anos, Bruna Albuquerque irá aos dois shows dos Backstreet Boys no Rio de Janeiro. Moradora de São Gonçalo, ela mostra ingressos e camisa customizada
Foto:  arquivo pessoal
"Irei aos dois shows do Rio. No dia 8, irei de 'PIT' que é um setor exclusivo do fâ clube deles, um espaço dentro do palco. No dia 11, irei de pista premium, colada com a grade e irei conhecê-los no meet antes da apresentação, além de subir ao palco com eles durante a parte acústica do show, que é uma das regalias de quem compra um meet platinum", explica ela, dizendo ter pago pelo serviço mais de R$ 1 mil devido a alta do dólar.
Sobre a relação entre nostalgia e frustração, a fã conta que não sente falta dos velhos tempos. "Apesar das facilidades de se manter uma família no passado, eu não sinto saudades da infância pois tive uma infância difícil, fui criada pela minha mãe e ela era empregada doméstica", conta a moradora de São Gonçalo, que explica: "Embora as coisas estejam mais caras, mais difíceis e eu tenha mais obrigações e responsabilidades, ainda sim prefiro os tempos atuais, pois quando estou empregada trabalho como analista ou gerente financeira e com meu salário consigo me manter, manter a casa e ainda fazer mais pelo meu filho do que minha mãe conseguia por mim no passado", acredita.
Fãs reunidos para show da banda Backstreet Boys, no Maracanã, em 2001
Foto:  Márcio Mercante / Agência O Dia
A designer ainda revela que no primeiro show da banda no Brasil, em 2001, foi acompanhada da mãe. "Minha mãe até teve vontade de ir, mas o ingresso estava caro e ela não pôde comprar. Quanto ao meu marido,ele também gosta de algumas músicas da banda,me apoia,porém prefere não ir ao show", revela.
Outra fã que não pretende perder as apresentações dos Backstreet Boys é a carioca Nathalia Marvila, de 28 anos. "A minha expectativa é de vê-los novamente. Em todos os shows no Brasil, eu tive oportunidade de ir, mas esse ano será diferente porque, graças a Deus, tive como comprar o ingresso VIP para conhecê-los e tirar fotos com eles", conta a estudante de Recursos Humanos, que também irá nos dois dias de shows no Rio.


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