O enredo da
Mangueira para o Carnaval de 2018, "Com dinheiro ou sem dinheiro eu
brinco", é um ponto fora da curva na história da escola de samba, diz o
carnavalesco Leandro Vieira. As escolas sempre foram mais adesistas, ou
seja, sempre fizeram desfile com conteúdo político, mas na maior parte
das vezes alinhado ao poder. Agora, contudo, 2018 vai representar um
capítulo de crítica opositora. A Mangueira e a Paraíso do Tuiuti
preparam uma crítica direta à Prefeitura do Rio, no primeiro caso, e às
mudanças nas relações de trabalho estabelecidas pelo governo Temer, no
caso da segunda.
“O país sempre foi conservador, mas estamos em um momento em que o conservadorismo virou um plano de poder, de governo, e de cidade”, diz o carnavalesco da Mangueira Leandro Vieira para o Jornal do Brasil.
Leandro explica que o enredo da Mangueira nasce enquanto a política de Crivella aponta para uma tentativa "de diminuir a importância de manifestações afro-brasileiras". "E uma das vertentes das atividades de matriz africana que nos últimos 50 anos tem alcançado notoriedade internacional é o carnaval das escolas de samba. O enredo nasce deste momento. O corte de verba do Carnaval tem clara essa tentativa de esvaziamento, de domesticar as ruas, domesticar o carnaval, uma festa que é desde sempre espontânea.”
O carnavalesco chama atenção para o discurso de que a redução da verba para o Carnaval teria como intenção beneficiar a saúde e a Educação. "A gente vive a falência completa da saúde e da educação", aponta. "Por isto faremos um desfile dos descontentes, um desfile afirmativo da cultura popular, do que somos, enquanto cultura indomesticável. De forma abusada, digo que [Crivella] dando ou não dinheiro, vai ter Carnaval, vai ter brincadeira.”
Os blocos de rua, inclusive, são um ponto fundamental na apresentação da Mangueira neste ano, como um “tributo à espontaneidade das ruas”. Leandro alerta para a criação do chamado ‘blocódromo’ na cidade como uma ameaça a esta espontaneidade.
“A imprensa tem transformado o pré-carnaval de 2018 numa visão tenebrosa do Carnaval deste ano. Acho que as pessoas não estão levando em conta a capacidade que o carioca e o brasileiro têm de se reinventar, de se recriar. Eu estou apostando que 2018 é o ano da retomada do papel desse carnaval que é válvula, momento de exacerbar essa tristeza que tem rondado a cidade, de forma alegre, incontida. Será um carnaval mais pleno de sentido do papel político do folião. Vai ser muito importante brincar o carnaval, ir pra rua", conclui.
“Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”
Já a escola Paraíso do Tuiuti vai fazer um desfile com foco nas relações de trabalho estabelecidas pelo governo atual. Um dos setores será uma referência direta à Reforma Trabalhista do governo de Michel Temer. A escola, contudo, frisa que tal representação “será feita de forma irreverente, e respeitosa”.
Uma das fantasias, chamada de Guerreiro da CLT, traz um trabalhador sobrecarregado com várias funções tentando se proteger da exploração patronal. Como defesa, ele usa sua abatida carteira de trabalho, transformada em uma espécie de escudo.
No segundo ano no Grupo Especial, a escola tem o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”, do carnavalesco Jack Vasconcelos.
Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Uerj na graduação e na pós-graduação, coordenador do Centro de Referência do Carnaval e autor de diversos livros sobre o tema, lembra que críticas políticos contundentes e diretas não são novidade para escolas de samba, embora exista a diferença entre o enredo e/ou conteúdo político de apoio ao poder e de crítica ao poder, os dois com espaço nesta história.
A favor, por exemplo, Ferreira lembra das escolas da década de 1940, quando era comum enredos louvando Getúlio Vargas, que ficaram famosos, inclusive, como o da Mangueira. Ele resgata também os famosos dois enredos da Beija Flor em louvor aos governos militares, que levaram a escola para o Grupo Especial.
Escolas de samba que não necessariamente tinham enredo político incorporavam partes políticas, ele explica. "Eu me lembro agora quando teve o confisco, lá do Plano Cruzado, a Imperatriz terminou o seu desfile sobre a banana, com uma grande mão dando banana para o Plano Cruzado. A Mocidade com um enorme abacaxi, que seria o Plano Cruzado."
“Este é um um ano que marca um momento importante dessa questão da crítica política no carnaval. Mas vale ressaltar realmente que o carnaval realmente sempre teve seu lado crítico, não é nenhuma novidade isso. Desde o tempo das grandes sociedades tinham o que era chamado carro de crítica, que sempre vinha com uma crítica ao imperador, por exemplo. O Pedro II foi muito criticado nesses carros. Mas, como era um monarca democrático, apoiava isso, não passou pela cabeça dele censurar."
João Gustavo Melo, jornalista e pesquisador do Carnaval, comenta que a contestação carnavalesca está presente, por exemplo, no quadro de Pieter Brugel, "A Luta do Carnaval contra a Quaresma" (1559), que questionava a austeridade religiosa católica. “O Carnaval se fortalece e se reafirma sempre historicamente em momentos em que há personalidades ou elementos que representam ideias conservadoras ou baseadas em determinados dogmas religiosos, como estamos vendo hoje no país, em que política e religião estão se misturando de forma nefasta. Não à toa, o Carnaval mete tanto medo nos detentores do poder. É, como disse Goethe, ‘o Carnaval é uma festa que o povo dá de presente a si mesmo’. E sendo assim, torna-se muitas vezes porta-voz de tensões latentes na sociedade.”
O pesquisador vê o Carnaval 2018 como uma resposta à onda conservadora que se ergueu no país e no mundo. “Por reunir milhares de pessoas em espaços públicos, como ruas, praças e avenidas, o Carnaval tem uma grande capacidade mobilizadora em torno da alegria e também, em certa medida, contra o poder institucionalizado.”
“O país sempre foi conservador, mas estamos em um momento em que o conservadorismo virou um plano de poder, de governo, e de cidade”, diz o carnavalesco da Mangueira Leandro Vieira para o Jornal do Brasil.
Leandro explica que o enredo da Mangueira nasce enquanto a política de Crivella aponta para uma tentativa "de diminuir a importância de manifestações afro-brasileiras". "E uma das vertentes das atividades de matriz africana que nos últimos 50 anos tem alcançado notoriedade internacional é o carnaval das escolas de samba. O enredo nasce deste momento. O corte de verba do Carnaval tem clara essa tentativa de esvaziamento, de domesticar as ruas, domesticar o carnaval, uma festa que é desde sempre espontânea.”
O carnavalesco chama atenção para o discurso de que a redução da verba para o Carnaval teria como intenção beneficiar a saúde e a Educação. "A gente vive a falência completa da saúde e da educação", aponta. "Por isto faremos um desfile dos descontentes, um desfile afirmativo da cultura popular, do que somos, enquanto cultura indomesticável. De forma abusada, digo que [Crivella] dando ou não dinheiro, vai ter Carnaval, vai ter brincadeira.”
Os blocos de rua, inclusive, são um ponto fundamental na apresentação da Mangueira neste ano, como um “tributo à espontaneidade das ruas”. Leandro alerta para a criação do chamado ‘blocódromo’ na cidade como uma ameaça a esta espontaneidade.
“A imprensa tem transformado o pré-carnaval de 2018 numa visão tenebrosa do Carnaval deste ano. Acho que as pessoas não estão levando em conta a capacidade que o carioca e o brasileiro têm de se reinventar, de se recriar. Eu estou apostando que 2018 é o ano da retomada do papel desse carnaval que é válvula, momento de exacerbar essa tristeza que tem rondado a cidade, de forma alegre, incontida. Será um carnaval mais pleno de sentido do papel político do folião. Vai ser muito importante brincar o carnaval, ir pra rua", conclui.
“Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”
Já a escola Paraíso do Tuiuti vai fazer um desfile com foco nas relações de trabalho estabelecidas pelo governo atual. Um dos setores será uma referência direta à Reforma Trabalhista do governo de Michel Temer. A escola, contudo, frisa que tal representação “será feita de forma irreverente, e respeitosa”.
Uma das fantasias, chamada de Guerreiro da CLT, traz um trabalhador sobrecarregado com várias funções tentando se proteger da exploração patronal. Como defesa, ele usa sua abatida carteira de trabalho, transformada em uma espécie de escudo.
No segundo ano no Grupo Especial, a escola tem o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”, do carnavalesco Jack Vasconcelos.
Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Uerj na graduação e na pós-graduação, coordenador do Centro de Referência do Carnaval e autor de diversos livros sobre o tema, lembra que críticas políticos contundentes e diretas não são novidade para escolas de samba, embora exista a diferença entre o enredo e/ou conteúdo político de apoio ao poder e de crítica ao poder, os dois com espaço nesta história.
A favor, por exemplo, Ferreira lembra das escolas da década de 1940, quando era comum enredos louvando Getúlio Vargas, que ficaram famosos, inclusive, como o da Mangueira. Ele resgata também os famosos dois enredos da Beija Flor em louvor aos governos militares, que levaram a escola para o Grupo Especial.
Escolas de samba que não necessariamente tinham enredo político incorporavam partes políticas, ele explica. "Eu me lembro agora quando teve o confisco, lá do Plano Cruzado, a Imperatriz terminou o seu desfile sobre a banana, com uma grande mão dando banana para o Plano Cruzado. A Mocidade com um enorme abacaxi, que seria o Plano Cruzado."
“Este é um um ano que marca um momento importante dessa questão da crítica política no carnaval. Mas vale ressaltar realmente que o carnaval realmente sempre teve seu lado crítico, não é nenhuma novidade isso. Desde o tempo das grandes sociedades tinham o que era chamado carro de crítica, que sempre vinha com uma crítica ao imperador, por exemplo. O Pedro II foi muito criticado nesses carros. Mas, como era um monarca democrático, apoiava isso, não passou pela cabeça dele censurar."
João Gustavo Melo, jornalista e pesquisador do Carnaval, comenta que a contestação carnavalesca está presente, por exemplo, no quadro de Pieter Brugel, "A Luta do Carnaval contra a Quaresma" (1559), que questionava a austeridade religiosa católica. “O Carnaval se fortalece e se reafirma sempre historicamente em momentos em que há personalidades ou elementos que representam ideias conservadoras ou baseadas em determinados dogmas religiosos, como estamos vendo hoje no país, em que política e religião estão se misturando de forma nefasta. Não à toa, o Carnaval mete tanto medo nos detentores do poder. É, como disse Goethe, ‘o Carnaval é uma festa que o povo dá de presente a si mesmo’. E sendo assim, torna-se muitas vezes porta-voz de tensões latentes na sociedade.”
O pesquisador vê o Carnaval 2018 como uma resposta à onda conservadora que se ergueu no país e no mundo. “Por reunir milhares de pessoas em espaços públicos, como ruas, praças e avenidas, o Carnaval tem uma grande capacidade mobilizadora em torno da alegria e também, em certa medida, contra o poder institucionalizado.”
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