A importância de ensinar o paciente com diabetes a prevenir as doenças cardiovasculares vem do fato de que eles têm duas vezes mais chances de ter um infarto agudo do miocárdio do que as pessoas sem diabetes e de que 8, em cada 10 pacientes com diabetes não insulino dependentes, são acometidos por complicações cardiovasculares e muito provavelmente morrerão em decorrência delas.
A maior dificuldade que encontramos na prática clínica diária em conscientizá-los sobre os riscos que correm é a evolução silenciosa da doença cardíaca, que geralmente não se manifesta, até que seja tarde demais. Neste momento, só temos a possibilidade de socorrê-los em um evento final já manifesto, com poucas chances de evitar o comprometimento cardíaco que inviabiliza uma vida produtiva e saudável.
Não é exagero reforçar os alertas sobre os riscos que correm, a cada nova consulta médica. Muitos pacientes até pensam que estamos tentando “amendrontá-los” sem motivo evidente, pois não apresentam nenhum sintoma cardiológico: não têm dor no peito, nem palpitações, não se cansam facilmente e se sentem muito bem... Entretanto, um exame mais cuidadoso pode revelar uma pressão arterial limítrofe ou até elevada; níveis de colesterol já aumentados; peso normal, mas com circunferência abdominal aumentada; tabagismo ocasional e sedentarismo... Nenhuma dessas alterações denuncia o risco, pois todas elas também são assintomáticas.
Por isso, as orientações médicas para os pacientes diabéticos sobre as ameaças à sua saúde cardiovascular devem sempre ser reforçadas. É fundamental que todo paciente diabético seja informado das possibilidades de prevenir o aparecimento destas doenças, pois esta é a única maneira efetiva de impedir a progressão das temíveis lesões ateroscleróticas, que progressivamente comprometem todo o leito vascular, incluindo as artérias coronárias, inviabilizando a reversão do processo que leva ao infarto e à falência miocárdica.
Como principais medidas preventivas destacamos:
(1) Fazer o controle glicêmico – significa glicemias normais em jejum e antes das refeições (em torno de 100mg/dL) e pós prandiais de 2 horas após o início da refeição (até 140mg/dl). Isso deve ser aferido através de monitorização de glicemia diária, idealmente nos vários períodos do dia, tanto pré como pós refeições, buscando alcançar níveis de hemoglobina glicosilada em torno de 6,5%. Em muitos casos, principalmente, no diabetes tipo 2, não há a necessidade de várias medições diárias, desde que as medidas glicêmicas sejam realizadas uma vez ao dia, em horários diferentes, para se ter uma idéia, principalmente do perfil glicêmico após as refeições;
(2) Manter o peso corporal – não dá para falar em prevenção de doenças cardiovasculares, mesmo com controle glicêmico normal, sem buscar alcançar e manter o peso ideal. Sabemos da grande dificuldade de obtermos essa medida preventiva, principalmente entre os diabéticos tipo 2, que têm tendência à obesidade devido às suas altas taxas de insulina. Mesmo nesses casos, podemos utilizar medicamentos que auxiliam o controle da resistência insulínica, principal causadora dessa alteração. Além disso, muitos pacientes, apesar de terem peso normal ou pouco elevado, têm a chamada obesidade visceral, que nada mais é do que uma maior localização de gordura na região abdominal. Nesses casos, mesmo para os pacientes com peso normal, devemos instituir um tratamento para tentar reduzir esse acúmulo de gordura, que idealmente não deve ultrapassar 80cm nas mulheres e 94cm nos homens;
(3) Fim do tabagismo – todo paciente diabético deve ser estimulado a interromper o fumo e para isso podemos lançar mão de programas de aconselhamento, reposição de nicotina através de gomas de mascar e adesivos, e medicamentos comprovadamente eficazes e seguros como a bupropiona e a vareniclina;
(4) Prática da atividade física – além de melhorar o controle glicêmico, os exercícios físicos aeróbicos ajudam na busca do peso ideal e garantem um condicionamento físico e cardiológico que viabilizam um coração normal. Não se trata necessariamente de se ver forçado a freqüentar academias, bastam 3 vezes por semana, de 30 a 60 minutos de atividade física de intensidade moderada, ou seja, aquela que permite a conversação durante a sua prática;
(5) Controle de colesterol e triglicérides – as metas de colesterol para os pacientes com diabetes são mais rigorosas do que para a população em geral. Isso porque para eles, que já têm o dobro de risco para o infarto, a elevação do colesterol, mesmo que muito pequena, já aumenta muito suas chances de infarto. Por isso, as metas para LDL colesterol são de mantê-lo abaixo de 100mg/dL e triglicérides abaixo de 150mg/dL. O HDL colesterol ou colesterol bom deveria ficar acima de 50mg/dL, meta muito difícil de alcançar nos diabéticos tipo 2. Eles, caracteristicamente, têm essa fração abaixo dos níveis normais, o que agrava o risco cardiológico. Já avançamos muito em relação aos medicamentos que asseguram colesterol e triglicérides dentro da faixa de normalidade. Entretanto, o HDL colesterol ainda representa um desafio, uma vez que não contamos com ajuda medicamentosa eficiente que cause elevação dos seus valores acima dos 50mg/dL desejados. Algumas atitudes, entretanto, podem influenciar positivamente esses índices, como a perda de peso, a atividade física e a melhor distribuição de gorduras na dieta;
(6) Controle da pressão arterial – a pressão arterial deve ser mantida abaixo de 130x80mmHg, mesmo que para isso tenhamos que recorrer a dois ou três tipos de medicamentos que abaixam a pressão. Entretanto, pacientes que conseguem reduzir o sal, moderar o consumo de álcool e gorduras, alcançar o peso ideal, aumentar o consumo de frutas e vegetais e praticar atividade física conseguirão essa meta utilizando de uma menor participação medicamentosa;
(7) Dieta adequada – a terapia nutricional adequada ajuda na proteção cardiovascular, uma vez que interfere favoravelmente nos vários fatores de risco cardiovascular. Vamos a algumas considerações:
- As gorduras, por exemplo, apesar da crença tão difundida de que as gorduras fazem mal ao coração, os trabalhos científicos recentes têm mostrado, com consistência, que esta regra tem exceções. Todas as vezes que reduzimos as gorduras da dieta, reduzimos não só o colesterol ruim (LDL), mas também o bom colesterol (HDL), importante para a saúde. A quantidade adequada de gorduras das dietas deve ser fixada em torno de 30% do total das calorias ingeridas diariamente. O que determina a saúde cardiovascular é o tipo de gordura que colocamos no prato. Neste sentido, o grande vilão são as gorduras saturadas, aquelas encontradas nas carnes vermelhas, principalmente nos cortes da picanha, contrafilé, filé mignon, costelas, cupim, nas peles do frango, no torresmo, nos embutidos, no leite integral, nos queijos amarelos, no óleo de dendê e até no coco. Outro tipo de gordura potencialmente lesiva ao coração é a famosa gordura hidrogenada (Trans). Essa é produzida industrialmente, e mostrou-se ainda pior que a gordura saturada, pois além de aumentar o LDL, ela reduz o HDL colesterol. Como estamos falando da prevenção de doenças, é importante reforçar que nem todas as gorduras são deletérias. Vale lembrar do potencial beneficio das gorduras insaturadas, aquelas encontradas nos óleos vegetais, azeite de oliva, nozes, castanhas, sementes oleaginosas (linhaça) e peixes de água fria (salmão, atum, truta, arenque, cavala e sardinha). O consumo dessas gorduras, incluindo o azeite, não aumenta o HDL colesterol, como muitos pensam. Seu maior benefício refere-se ao papel de proteção cardiovascular que elas exercem, pela redução do LDL colesterol. Logo, reduzir simplesmente as gorduras da dieta, de uma maneira geral, não exerce efeito protetor ao coração, isso se consegue através do consumo preferencial das gorduras insaturadas, em detrimento das saturadas;
- Sobre frutas e vegetais: recomenda-se um consumo diário de 3-4 porções desses alimentos por dia. Esses alimentos exercem seu poder protetor, muito provavelmente, pela sua riqueza em fibras, minerais e vitaminas antioxidantes e carotenóides;
- O consumo de grãos integrais, ao contrário dos refinados, estão associados a um menor risco de doenças cardiovasculares e estão indicados em toda dieta saudável para o coração. Essa orientação não significa ter uma dieta somente com alimentos integrais, pois a substituição de pelo menos um dos alimentos diários pela sua versão integral já causa um grande impacto à saúde cardiovascular.
Se pudéssemos resumir em três estratégias as orientações nutricionais para a prevenção do aparecimento de doenças cardiovasculares estas seriam: substituir as gorduras saturadas e hidrogenadas pelas gorduras insaturadas, através da ingestão de óleos vegetais e peixes; aumentar o consumo de frutas, vegetais, nozes e grãos integrais e alcançar e manter o peso ideal.
Ellen Simone Paiva
Médica Especializada em Endocrinologia e Nutrologia e diretora clínica do CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional.
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