6.12.2009

O Maior desafio: Células-tronco e a cura do câncer

Uma das idéias mais quentes na área de células-tronco é a hipótese de que o processo cancerígeno seja originado a partir de algumas células-tronco que se replicariam rapidamente, dando origem à massa tumoral com células mais diferenciadas.

A idéia surgiu há uns 15 anos, quando o pesquisador canadense John Dick descobriu que nem todas as células do câncer são iguais. Com uma estratégia bem elegante, seu grupo demonstrou que apenas uma pequena parcela de uma população de células oriundas de um paciente com leucemia era capaz de gerar tumores. Essa pequena parcela tinha como característica a capacidade de se expandir rapidamente quando comparada com as outras células, mais vagarosas. Essas células foram então batizadas de células-tronco de câncer.

O modelo foi revigorado em 2003, com a demonstração de que cânceres sólidos também continham uma pequena fração de células com o potencial de gerar novos tumores (Al-Hajj e colegas, “PNAS”, 2003). Desde então, o isolamento dessas células-tronco em diversos outros tumores, incluindo cérebro, pulmão e pâncreas, vêem reforçando a idéia original. A excitação de médicos e pesquisadores com essa idéia é óbvia. Afinal, bastaria atingir as células-tronco do câncer para impedir que o tumor prolifere.

Em 2007, um grupo de Harvard publicou dados que confrontavam essa teoria. No trabalho, o grupo mostrou diversas diferenças genéticas entre as ditas células-tronco de um câncer de mama e outra população de células mais diferenciadas do mesmo tumor. Acabaram por descobrir que as populações eram geneticamente diferentes, sugerindo que cada uma teria uma origem distinta e não que as células-tronco do câncer fossem o foco originário da massa tumoral (Shipitsin e colegas, “Cancer Cell”, 2007).

Esse novo dado sugere que, ao contrário da teoria das células-tronco cancerígenas, as células do tumor teriam origem clonal. Eu explico: seriam necessários eventos isolados que levariam uma única célula a perder o controle da proliferação celular. Assim, essa única célula daria origem a outras que poderiam sofrer novas alterações genéticas, criando populações de células geneticamente distintas (clones) que competiriam entre si. Dessa forma, eliminar as potenciais células-tronco do tumor não seria suficiente, pois as células restantes ainda poderiam sofrer novas alterações, contribuindo para o crescimento do tumor.

Apesar da dicotomia entre essas duas idéias, é possível que a carcinogênese seja uma mistura desses dois fenômenos. Afinal, a teoria das células-tronco de câncer não exclui o surgimento de novas mutações em células mais diferenciadas. Além disso, essas células-tronco não são homogêneas entre si e já foi relatado que podem surgir variantes genéticas com o tempo.

Outro conceito instável atualmente é o de que as células-tronco seriam extremamente raras. No ano passado, o grupo de Sean Morrison demonstrou que bastaria apenas 1 em 4 células para iniciar um processo tumoral em um modelo animal para melanomas humanos (Quintana e colegas, Nature 2008). A percepção original era de 1 em 1 milhão de células!

Faltam modelos
Infelizmente, um dos problemas nessa área é a falta de modelos biológicos relevantes. Normalmente, esses modelos são criados com a injeção ou transplante de células tumorais humanas em camundongos geneticamente modificados para manter o sistema imune deficiente, evitando a rejeição. Funciona, mas está longe de reproduzir o que realmente acontece no corpo humano. Por isso mesmo, existe uma série de pesquisadores e indústrias farmacêuticas interessados em desenvolver modelos animais mais semelhantes aos seres humanos.

É bem provável que, dependendo do tipo de câncer, uma teoria ou a outra se aplique. Também é possível que surjam novas idéias para explicar por que alguns tumores são mais resistentes e agressivos que outros, e que não envolva nenhum desses dois conceitos. O campo de pesquisa na área é fértil e profissionais de diversas áreas serão necessários para entender um dos maiores mistérios da medicina: afinal, o que causa o câncer?

Globo.com

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