4.02.2015

PM espanca manifestante que defendia democracia em ato pró-ditadura


víctor santana ditadura militar
Não chores, Víctor. Nós vencemos!
O jovem ator Víctor Santana caminhava com uma mochila nas costas. 
Estava a caminho do trabalho, nesse sábado dia 28 de março. Na porta do
 Comando Militar Leste do Exército, ao lado da Central do Brasil, foi 
surpreendido com bandeiras integralistas, saudações nazistas e um
 grupo que pedia golpe militar. Eram cerca de 70 pessoas, alguns
 visivelmente transtornados e agressivos. Olhei pro Vitor e vi que
 chorava. Muito. Quem sabe pensando em um parente desaparecido
 ou morto pela ditadura. Não sei.
Também passava por ali, depois de uma manifestação em comemoração
 aos 93 anos do Partidão e em um gesto solidário segurei no braço dele 
– ‘Não fique assim, essa gente não significa nada’ – justifiquei. Vitor seguiu
 em direção ao grupo e eu o acompanhei já prevendo confronto.
 Disse ao policial que escoltava o grupo que era inconstitucional e
 criminosa aquela manifestação. Um rapaz se aproximou e gritou a 
centímetros do meu rosto: ‘você é um viado maconheiro’
 e ‘Comunista tem que morrer’. Respondi no mesmo tom e intensidade
 e chamei atenção do policial: ‘Quero o mesmo direito deles e vou 
ficar aqui protestando contra a manifestação’.
Lembrei ao policial: ‘Não há intervenção militar com consentimento
da Constituição, que define as atribuições das Forças Armadas,
 subordinadas ao Presidente da República, eleito pelo povo e dono
 do poder’. Me dirigi aos manifestantes com o megafone: ‘Prestem
 continência para esse povo que passa aqui em direção a Central
, esse povo é que paga seus salários e o das forças armadas’, concluí.
 ‘É pra eles que vocês devem continência!’
Sob ameaças de agressão física e morte por muitos homens e mulheres
 da marcha solicitei novamente proteção policial. Victor se negou 
a sofrer a revista – por que ele e não a mim também que estava
 com mochila? Minha cor de pele influenciou? Em alguns minutos
 Vitor foi cercado e levado pela policia. Foi injustamente preso
 com uso de uma força desproporcional, tendo sido alegado
 desacato. Um absurdo.
Tentei negociar sua libertação mas ele extremamente nervoso
 reagiu a violência. Fiquei sozinho e sem saber o que fazer, 
apenas tomado pela indignação. Victor desapareceu em meio
 a dezenas de policiais, foi colocado em um camburão e sob
 aplausos do grupo. Munido de um megafone que havia trazido 
na mochila do ato que promovemos em Teresópolis naquela 
manhã, comecei então a enfrentar a marcha, que foram cercados
 e isolados pelos policiais. Eu é que sou apenas um e eles 
é que ganham proteção?, me perguntei.
Comecei a convocar e a explicar aos trabalhadores que 
passavam em direção à Central do Brasil o que estava acontecendo.
 Uma dezena pelo menos parou. Uma transexual na calçada também 
enviava gestos e gritos ao grupo. Começamos aos poucos a sufocar
 e paralisar a manifestação fascista. Cercados pelo cordão de isolamento,
 alguns faziam gestos obscenos para nossa direção, outros exibiam
 faixas. Conseguimos depois de uma hora de intenso confronto verbal 
calar o grupo, que foi se dispensando.
Embora não intencional – não sabia da manifestação e nem conhecia
 Vitor – a mobilização deu uma resposta aos fascistas. Assanhados
 pelo êxito das manifestações contra Dilma de algumas semanas 
atrás, acreditavam que poderiam empurrar a multidão a pauta do golpe.
 O tom anticomunista dominou o ato, com cantos militares, hinos
 e os gritos de ordem contra bandeiras vermelhas.
Nasci meses após o golpe militar de 1964 e, quando jovem, a
 ditadura já estava deteriorada e a esquerda em ascensão. 
Nunca tinha ouvido ou sofrido agressão por ser de esquerda
 ou por ser comunista, muito pelo contrário, acostumado ao
reconhecimento por tantos anos de ilegalidade e tantas lutas
 que vencemos. Foi um batismo cruel ver e ouvir que eu era o 
inimigo que precisa ser destruído e eliminado. Minha geração de
 militantes jamais viveu essa situação e com sinceridade não sei 
como enfrentá-la. A direita saiu do armário, está empoderada pelas
 manifestações, pela bancada que elegeram, pelo crescimento do
 apoio popular a sua pauta conservadora. Tudo que ganhamos nos
 últimos trinta anos – esses poucos avanços – está sob risco de 
desaparecer.
Nossas bandeiras atacadas, nossos militantes atônitos diante do
 ódio. Eu nunca havia experimentado o olhar do ódio anticomunista,
 antes sempre adormecido, envergonhado, tímido e trabalhando 
na escuridão. Minha geração está ainda anestesiada, achando 
que esses grupos são ainda minoritários e sem futuro. Como já disse
 Bertolt Brecht, ‘a cadela do fascismo está sempre no cio’.
 Jamais devemos subestimar esses grupos e seus líderes.
 A última vez que assim fizemos, amargamos uma grande 
derrota para a humanidade que foi o nazismo. Hoje foi um dia 
de comemoração pelos 93 anos do partido em minha cidade.
Hoje foi um dia que aprendi o que outras gerações viveram
. E viver esse Partido é viver sua história e entender como 
foi difícil vencer o fascismo em todas suas versões e roupagens.
 Retroceder jamais.Vou tentar achar Vitor (só descobri seu
 nome depois que li a denúncia de sua prisão feita por
 Chico Alencar) e dizer que vencemos aquela batalha.
 E que estou à disposição para testemunhar e processar 
aqueles policiais violentos. E todas as outras que virão 
vai depender também dele e de todos os camaradas. 
Vamos enfrentar esse neofascismo com inteligência, estratégia
 e mobilização. Vamos vencer porque somos 
a humanidade e eles, a barbárie.
Cenas da prisão de Victor:

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