Por
- iG São Paulo
Detentos contam ao iG suas histórias, objetivos e como foi a preparação para o exame, aplicado a 23 mil presos no País
Este
mês de dezembro está sendo especial para Wander Henrique Alixandria e
Hernani de Carvalho Costa. Após meses de estudo em um ambiente
pouco favorável, as expressões eram de dever cumprido naquela
quinta-feira (3).
Os dois são detentos do Centro de
Detenção Provisória (CDP) Belém 2, localizado na marginal Tietê, na zona
norte de São Paulo. Eles realizaram a prova do Exame Nacional do Ensino
Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL), aplicada nos dias
1º e 2 deste mês.
Vestindo camisetas brancas e calças
beges, eles mal conseguiam disfarçar a timidez e o nervosismo ao contar
suas impressões e histórias
Wander
tem 24 anos de idade e aproximadamente 1,70 m de altura. Hernani é um
pouco mais alto e já chegou aos 35 anos. Eles vivem com outros 200
detentos na ala do semiaberto do CDP, que foi projetada para receber 108
presos. Nos prédios voltados ao regime fechado, estão 2.450 homens
apesar de a unidade comportar 768 pessoas.
Mesmo com a superlotação, Hernani conta que os demais presos respeitam os momentos em que ele se dedica aos estudos.
"Concluí
o Ensino Médio dentro das unidades prisionais e este é o terceiro ano
que estou fazendo o Enem. Procuro estudar no horário da manhã, que é
quando minha mente está mais fresca. É quando consigo absorver mais as
ideias e assim elas se tornam mais contundentes na hora de responder às
questões. Eu sempre procuro motivar as pessoas e tento trazer isso para
que os outros também possam sentir o gosto do saber. Então fica mais
fácil", relata Hernani.
Wander lembra do apoio que recebeu da família para se
preparar para o Enem. Nascido em Peruíbe, na Baixada Santista, ele
chegou a cursar os primeiros semestres do curso de Direito, mas havia
trancado a graduação quando foi preso.
"Mesmo estando
aqui dentro, ainda tenho objetivos de estudar lá fora, de fazer uma
faculdade. Então o Enem me possibilitou retomar a minha vida. Meu irmão
também fez a prova e minha família mandava o material didático dele para
eu me preparar."
Assim como os dois detentos do CDP Belém 2, mais
de 23 mil jovens e adultos realizaram a prova em presídios ou unidades
socioeducativas de todo o País. Somente no Estado de São Paulo,
foram 12.028 adultos e 1.154 adolescentes tentando solucionar
as questões das quatro provas objetivas que compõem o exame, além da
redação, que teve proposta diferente da realizada pelos demais
candidatos do Enem.
Enquanto os estudantes de todo o
Brasil escreveram sobre a violência contra a mulher – tema que gerou
polêmica na edição deste ano –, os candidatos do Enem PPL
dissertaram sobre a valorização dos professores.
E é
justamente o desempenho na redação que deixa Hernani mais otimista para
conseguir alcançar seu objetivo: uma bolsa de estudos em um curso
superior.
"Tive algumas dificuldades porque a gente
fica um pouco nervoso na prova. Sempre é um momento tenso, mesmo que a
gente já tenha feito antes. Mas acho que consegui me dar muito bem na
redação."
Futuro
Hernani está
preso há 15 anos. Ele foi condenado a 28 anos e sete meses de prisão
por receptação, tráfico de drogas e roubo. Segundo ele, a dedicação aos
estudos foi fundamental para encarar esse período de sua vida.
"Nós
estamos conscientes da nossa condição, mas temos de acreditar. Mesmo na
condição na qual nos encontramos, nós temos possibilidade de alcançar
algo. Se uma história foi escrita, uma nova história pode ser
reescrita", acredita
Já Wander está na prisão há um ano e
quatro meses. Ele foi detido pela Polícia Federal com 28 mil porções de
LSD e condenado a 11 anos e oito meses de reclusão por tráfico
internacional de entorpecentes.Mesmo sem saber ao certo quanto tempo levará até deixar a prisão de uma vez por todas, ele faz planos para sua vida após o CDP. Para Wander, o fato de milhares de presos estarem prestando a prova do Enem pode ajudar a quebrar preconceitos com a população carcerária.
"A visão de todos que estão do lado de fora é diferente. Você acaba quebrando barreiras fazendo o Enem, mostrando que está motivado a fazer um curso, a mudar de vida. Assim que passar este pesadelo, pretendo colocar a minha vida no lugar: voltar a trabalhar, voltar a estudar e, se Deus quiser, alcançar todos os meus objetivos."
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