12.14.2015

O DIA DA INFÂMIA

Colaboração da Tia Pilar
> Minha geração testemunhou o que eu acreditava ter sido o episódio mais infame da história do Congresso. Na madrugada de 2 de abril de 1964, o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República, sob o falso pretexto de que João Goulart teria deixado o país, consumando o golpe que nos levou a 21 anos de ditadura.
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> Indignado, o polido deputado Tancredo Neves surpreendeu o plenário aos gritos de "Canalha! Canalha!".
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> No crepúsculo deste 2 de dezembro, um patético descendente dos golpistas de 64 deu início ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
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> A natureza do golpe é a mesma, embora os interesses, no caso os do deputado Eduardo Cunha, sejam ainda mais torpes. E no mesmo plenário onde antes o avô enfrentara o usurpador, o senador Aécio Neves celebrou com os golpistas este segundo Dia da Infâmia.
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> Jamais imaginei que pudéssemos chegar à lama em que o gangsterismo de uns e o oportunismo de outros mergulharam o país. O Brasil passou um ano emparedado entre a chantagem de Eduardo Cunha –que abusa do cargo para escapar ao julgamento de seus delitos– e a hipocrisia da oposição, que vem namorando o golpe desde que perdeu as eleições presidenciais para o PT, pela quarta vez consecutiva.
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> Pediram uma ridícula recontagem de votos; entraram com ações para anular a eleição; ocuparam os meios de comunicação para divulgar delações inexistentes; compraram pareceres no balcão de juristas de ocasião e, escondidos atrás de siglas desconhecidas, botaram seus exércitos nas ruas, sempre magnificados nas contas da imprensa.
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> Nada conseguiram, a não ser tumultuar a vida política e agravar irresponsavelmente a situação da economia, sabotando o país com suas pautas-bomba.
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> Nada conseguiram por duas singelas razões: Dilma é uma mulher honesta e o povo sabe que, mesmo com todos os problemas, a oposição foi incapaz de apresentar um projeto de país alternativo aos avanços dos governos Lula e Dilma.
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> Aos inconformados com as urnas restou o comparsa que eles plantaram na presidência da Câmara –como se sabe, o PSDB, o DEM e o PPS votaram em Eduardo Cunha contra o candidato do PT, Arlindo Chinaglia. Dono de "capivara" policial mais extensa que a biografia, Cunha disparou a arma colocada em suas mãos por Hélio Bicudo.
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> O triste de tudo isso é saber que o ódio de Bicudo ao PT não vem de divergências políticas e ideológicas, mas por ter-lhe escapado das mãos uma sinecura –ou, como ele declarou aos jornais, "um alto cargo, provavelmente fora do país".
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> Dilma não será processada por ter roubado, desviado, mentido, acobertado ou ameaçado. Será processada porque tomou decisões para manter em dia pagamentos de compromissos sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.
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> O TCU viu crimes nessas decisões, embora não os visse em atos semelhantes de outros governos. Mas é o relator das contas do governo, o ministro Augusto Nardes, e não Dilma, que é investigado na Operação Zelotes, junto com o sobrinho. E é o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, e não Dilma, que é citado na Lava Jato, junto com o filho. Todos suspeitos de tráfico de influência. Provoca náusea, mas não surpreende.
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> "Claras las cosas, oscuro el chocolate", dizem os portenhos. Agora a linha divisória está clara. Vamos ver quem está do lado da lei, do Estado democrático de Direito, da democracia e do respeito ao voto do povo.
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> E veremos quem se alia ao oportunismo, ao gangsterismo, ao vale-tudo pelo poder. Não tenho dúvidas: a presidente Dilma sairá maior dessa guerra, mais uma entre tantas que enfrentou, sem jamais ter se ajoelhado diante de seus algozes.
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> FERNANDO MORAIS, 69, é jornalista e escritor. É autor, entre outros, dos livros "Chatô, o Rei do Brasil" e "Olga"

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