O NOVO LIMIAR DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
A história da indústria farmacêutica no Brasil é marcada por dois momentos bem distintos.
O primeiro, que durou até o fim da década passada, é caracterizado pelo domínio absoluto dos grandes laboratórios multinacionais.
O segundo reflete a ascensão das empresas brasileiras de medicamentos genéricos que, em menos de dez anos, chegaram à liderança do setor em volume de vendas.
Nos últimos meses, começou a se desenhar um terceiro ciclo, o dos fabricantes de medicamentos de biotecnologia. Trata-se de laboratórios dedicados à produção de drogas extremamente sofisticadas, sintetizadas pela manipulação genética de células e destinadas ao tratamento de doenças complexas.
Entre abril e outubro do ano passado, três multinacionais especializadas nesse tipo de remédio se instalaram no Brasil: a anglo-inglesa Shire, com faturamento de 1,7 bilhão de dólares, e as americanas Biogen (2,6 bilhões de dólares) e Biomarin (90 milhões de dólares).
Até então, apenas duas empresas do gênero atuavam no Brasil, a americana Genzyme e a suíça Actelion. Por enquanto, nenhuma das cinco possui fábrica no país -- sua atuação se restringe à importação de produtos e, em alguns casos, a pesquisas envolvendo novos medicamentos. Mas pelo menos uma das recém-chegadas, a Shire, planeja instalar nos próximos anos uma linha de produção local. A empresa já tem duas drogas destinadas a doenças genéticas degenerativas em fase de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O desembarque das empresas de biotecnologia no Brasil é reflexo do forte crescimento global desse segmento da indústria farmacêutica. O mercado de biotecnologia faturou 70 bilhões de dólares em 2006, mais que o dobro do valor registrado no início da década. Até o momento, essa expansão tem se sustentado basicamente nos Estados Unidos e na Europa, mercados prioritários das multinacionais do setor. Agora, essas empresas passam a prestar mais atenção nos países emergentes. No caso específico do Brasil, o tamanho da população é um dos principais atrativos. Os três laboratórios que se instalaram no país recentemente produzem medicamentos contra doenças raras, para as quais a indústria tradicional não conseguiu desenvolver drogas eficazes. São problemas que atingem um número limitado de pessoas. Daí a relevância de mercados grandes, em virtude do maior número de clientes potenciais. Também estão em jogo fatores econômicos -- um ano de tratamento com essas drogas pode custar até 50 000 dólares. "Além do tamanho da população, leva-se em conta a capacidade das pessoas e dos governos de comprar medicamentos", diz Roberto Marques, diretor-geral da Shire no país. "Sob esses critérios, o Brasil é um dos três mercados com maior potencial de crescimento.
" A biotecnologia representa um sopro de renovação para a indústria farmacêutica, que, há dez anos, enfrenta dificuldades para lançar novos medicamentos por meio de processos tradicionais. Já os remédios biológicos são a grande esperança de cura para doenças como alguns tipos de câncer e o mal de Alzheimer -- para as quais a pesquisa convencional ainda não encontrou solução definitiva. Um relatório recente da consultoria Ernest & Young apontou a biotecnologia como o motor da inovação no setor.
Cerca de metade de todos os medicamentos em fase de desenvolvimento no mundo hoje são derivados de processos biológicos. Em 2006, as empresas americanas de biotecnologia cresceram 20% -- mais que o dobro que a média do setor farmacêutico. A relevância desse segmento da indústria fez com que as gigantes do setor também passassem a apostar em biotecnologia. Fusões e aquisições nessa área movimentaram 135bilhões de dólares em 2006, o segundo maior índice de sua história, alimentado principalmente pelo interesse de potências como Pfizer e Merck em pequenas e médias companhias dedicadas ao desenvolvimento de drogas biológicas.
Praticamente todas as multinacionais farmacêuticas têm divisões de biotecnologia ou parcerias com empresas especializadas. Em algumas dessas grandes corporações, as drogas que mais vendem são justamente as produzidas por meio de processos biológicos. É o caso da Abbott, em que uma única droga biotecnológica, a Humira, indicada para o tratamento de artrite reumatóide, é responsável pelo faturamento de 2bilhões de dólares por ano, o equivalente a 10% da receita total da empresa.
A opção pela biotecnologia mudou radicalmente o modelo de negócios da indústria farmacêutica.
Em média, o desenvolvimento de uma droga biológica custa cerca de 25% mais que o de uma droga tradicional. O processo de produção também é mais demorado.
Os laboratórios levam até um ano para produzir um lote de medicamento biológico esse prazo se resume a alguns dias no caso das drogas químicas.
Além disso, a aprovação pelos órgãos de governo leva cerca de 10% mais tempo, pois os testes são mais exaustivos. Mas, ainda assim, o uso de biotecnologia é bastante vantajoso.
Além de ter margens mais altas, as drogas biotecnológicas sofrem menos com a concorrência. Copiá-las é uma tarefa extremamente complexa, o que dificulta o lançamento de genéricos -- mais um motivo para essas empresas se sentirem tão à vontade para atuar no Brasil.
A FÁBRICA VIVA - Como os cientistas transformam células em pequenas linhas de produção de medicamentos:
1 - As células vivas são separadas em laboratório. Podem ser células de bactérias, animais ou até humanas;
2 - Os cientistas inserem um gene humano no código genético de uma bactéria; 3 - A molécula é injetada na célula e se mistura a seu código genético;
4 - Graças ao novo gene, a célula começa a produzir substâncias que, depois de purificadas por um processo industrial, funcionarão como remédio.
Fonte: Revista Exame
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