Por:Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques
Agência redefiniu as regras para o registro e a renovação do registro de medicamentos no Brasil. As mudanças se basearam nos seguintes princípios:
1. adoção de três paradigmas para o registro de medicamentos: homeopatia, alopatia fitoterápica e alopatia sintética. A homeopatia leva em conta a energia vital proveniente do processo de dinamização de um extrato vegetal, animal ou mineral. A alopatia fitoterápica tem como base o princípio de que extratos vegetais, compostos de substâncias produzidas pela natureza são tão ou mais seguros e eficazes que os produzidos sinteticamente por tecnologias avançadas. A alopatia sintética faz uso da tecnologia de produção e avaliação de um medicamento oriundo de sínteses químicas ou biológicas;
2. verificação da qualidade quanto à reprodutibilidade (igualdade entre lotes), segurança e eficácia terapêutica dos medicamentos dentro dos marcos dos três paradigmas por meio de comprovação laboratorial ou de estudos clínicos;
3. adoção do critério da relação entre baixo risco sanitário e tratamento de sintomatologia aguda como base para a definição da categoria de venda dos produtos isentos de prescrição médica;
4. exigência da certificação de Boas Práticas de Fabricação para concessão de registro para linha de produção de medicamentos;
5. redução da assimetria de informação (diferenças de níveis de informação na cadeia prescritor-ponto de venda-paciente) e aumento do controle sobre a veracidade da propaganda de medicamentos feita para prescritores e pacientes;
6. aumento do controle da venda de medicamentos de tarja preta;
7. ampliação do acesso a medicamentos pela maioria da população;
8. informatização e desburocratização do processo de registro e das alterações pós-registro.
9. ampliação do monitoramento da qualidade dos medicamentos já em comercialização;
10. redução do número de associações irracionais (dois ou mais princípios ativos que possam levar a um aumento de toxicidade sem aumento de eficácia, princípios ativos em quantidade insuficiente para atingir o efeito desejado ou em desacordo com guias de prática clínica);
OS TRÊS PARADIGMAS
Do ponto de vista do desenvolvimento da ciência, o paradigma da alopatia sintética utiliza fármacos sintéticos ou semi-sintéticos, muitos provenientes do isolamento ou modificações de moléculas de produtos naturais durante a etapa de pesquisa do fármaco. A produção em escala industrial destas moléculas garante a reprodutibilidade lote a lote, e os resultados dos estudos de segurança e eficácia podem ser aplicados a todos os lotes.
O paradigma da homeopatia utiliza-se do princípio de diluições sucessivas e agitação de soluções para extrair a energia vital de substâncias vegetais, animais ou minerais. A essa energia vital é debitada o poder de cura ou prevenção de doenças conforme as características individuais dos pacientes. A qualidade da produção em escala industrial destes produtos somente pode ser garantida por inspeções periódicas dos quesitos de Boas Práticas de Fabricação e Controle. Não há parâmetros científicos, atualmente, capazes de quantificar a energia vital levando, assim, a dificuldades para comprovação da eficácia terapêutica.
O paradigma da alopatia fitoterápica tem como base o uso de extratos de substâncias vegetais aos quais a tradição cultural de alguns povos ou sub-grupos populacionais atribuem eficácia terapêutica. A produção industrial em escala destes produtos pode apresentar problemas de reprodutibilidade lote a lote caso não sejam acompanhados de controle de qualidade que envolva a mensuração de marcadores (padrões) específicos de cada produto. Estudos clínicos de segurança e eficácia são possíveis para validar a informação proveniente da tradição cultural.
QUALIDADE
A qualidade de um produto começa pela inspeção satisfatória de sua linha de produção condizente com a descrição detalhada do processo de produção aliada às respectivas metodologias de controle de qualidade em diferentes etapas. O perfil de segurança e eficácia é obtido por meio da análise dos ensaios clínicos (envolvendo seres humanos) controlados, preferencialmente randomizados (fase 3), de um produto novo ou da revisão bibliográfica de utilização em diferentes sub-grupos populacionais em produtos de uso tradicional.
Para as cópias: genéricos e similares, não há necessidade de repetir os ensaios clínicos fase 3 desde que comprovem equivalência farmacêutica (teste in vitro para comprovar que têm a mesma formulação) e bioequivalência (teste in vivo para comprovar que têm a mesma absorção e distribuição na corrente sanguínea) para aqueles que necessitam ser absorvidos pelo trato gastro-intestinal (teste de biodisponibilidade relativa). A escolha dos medicamentos de referência para os testes de equivalência leva em conta o primeiro a registrar o produto com apresentação de ensaio clinico na fase 3 ou em caso de ausência destes estudos, o mais vendido que apresente dados confiáveis de farmacovigilância.
Há ainda a possibilidade de registro de novas associações para similares, sem apresentação de ensaios clínicos fase 3, por meio de análise caso a caso de testes de biodisponibilidade relativa.
A qualidade das matérias-primas influencia na qualidade dos medicamentos. As empresas privadas têm que certificar seus fornecedores para garantir a equivalência e bioequivalência lote a lote. Se houver alterações no processo de fabricação de uma matéria-prima ou alteração de fornecedor, a equivalência farmacêutica e a bioequivalência podem ser comprometidas. A certificação de fornecedores e o controle de qualidade no recebimento da matéria-prima na empresa fazem parte das boas práticas de fabricação. As empresas farmacêuticas públicas (laboratórios oficiais) têm enfrentado dificuldades para se adaptarem a esta prática, o que demandará para 2004 uma ação conjunta governamental para resolver o problema.
CATEGORIA DE VENDA
Como a Vigilância Sanitária não tem o devido controle sobre a venda de medicamentos de tarja vermelha (sob prescrição médica), na prática o acesso a estes medicamentos sem o receituário médico é livre. A importância de critérios para a permissão de venda sem prescrição médica está relacionada ao direito de propaganda direta ao consumidor. Portanto, no Brasil de hoje, há a necessidade de associar risco sanitário baixo com indicações terapêuticas, que são os termos permitidos para a propaganda direta ao consumidor.
Deve-se utilizar os critérios de categoria de venda para não permitir a propaganda direta ao consumidor de produtos que mesmo com risco sanitário baixo tenham indicações terapêuticas cuja eficácia é controvertida. Exemplos: probióticos e anti-sépticos locais.
BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÂO E CONTROLE
Inspeções periódicas em linhas de produção no espaço fabril pela Vigilância Sanitária têm levado à modernização das linhas de produção e a uma maior capacidade de garantir a qualidade de produtos. Para fortalecer o cumprimento da legislação específica que trata das boas práticas de fabricação e controle, o registro de produtos somente será aprovado em caso de condições satisfatórias na última inspeção e com o pedido já protocolado na Anvisa, por parte da empresa, da certificação da linha inspecionada.
ASSIMETRIA DE INFORMAÇÃO E FALSA PROPAGANDA
As bulas e rótulos são os instrumentos de informação sobre medicamentos dirigidos aos pacientes e prescritores por parte da indústria. No passado recente, estes instrumentos eram usados para fins de marketing e não havia controle por parte da Vigilância Sanitária sobre o conteúdo das bulas. Não há ainda um compêndio de bulas com informações validadas e atualizadas por parte da Anvisa a serviço de pacientes e prescritores. Este ano será lançado o Compêndio de Bulas de Medicamentos, para suprir esta necessidade. As bulas dos medicamentos novos não poderão ter informações suprimidas, presentes nas bulas dos países de origem do medicamento. Similares e genéricos deverão seguir o conteúdo das bulas dos medicamentos de referência.
As propagandas diretas ao consumidor e aos prescritores são monitoradas por meio de um convênio com diversos grupos universitários. Multas e processos judiciais são aplicados àqueles que violam as leis atuais e divulgam falsas informações.
CONTROLE DA VENDA DE MEDICAMENTOS COM TARJA PRETA
O uso racional de medicamentos depende de diversas iniciativas. A Anvisa, por meio da Gerência de Vigilância em Serviços de Saúde, vem promovendo cursos de Boas Práticas de Prescrição em alguns Hospitais-Escolas do País. Porém, além da prescrição racional, cabe o controle informatizado da distribuição e consumo de medicamentos de alto risco para evitar abusos em sua utilização. Este ano será implantado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), que permitirá o aperfeiçoamento do controle da movimentação de medicamentos, substâncias e plantas controladas. Após a efetivação deste sistema para medicamentos controlados, o mesmo será estendido a medicamentos de tarja vermelha. Dessa forma, o gerenciamento das movimentações, desde a fabricação/ importação até o consumo final de tais produtos, poderá ser efetivamente acompanhado pelos órgãos de controle competentes.
FACILITAR O ACESSO
Hoje, a aprovação de um medicamento novo no Brasil, também leva em conta os dados de preço no mercado internacional, para que o governo possa negociar valores adequados ao consumidor brasileiro. Os medicamentos genéricos, no momento de seu lançamento, são 35% mais baratos que os produtos que copiam. Os laboratórios oficiais que produzem medicamentos distribuídos pelo SUS gratuitamente estão isentos das taxas da Anvisa e têm prioridade na análise de seus processos. A execução da política de controle de preços de medicamentos, definidas pela Câmara de Medicamentos com participação interministerial, está sediada na Anvisa.
INFORMATIZAR E DESBUROCRATIZAR
A construção do banco de dados da Anvisa (Datavisa) facilitará a rastreabilidade, a verificação de toda a história de um produto desde o seu registro, a avaliação das atividades e a produção de relatórios gerenciais. É um processo em construção que se aprimora dia a dia com a entrada de dados neste sistema e seu desenvolvimento concomitante em termos de complexidade. Processos como a petição eletrônica, avaliação de bula, transmissão de dados de farmacovigilância, já estão em andamento. Hoje há uma fila de petições organizada eletronicamente o que facilita a transparência das atividades e o planejamento adequado para suprir a demanda de análise de processos.
A introdução da notificação de contratos de terceirização de etapas de produção no lugar de petições para a análise a anuência prévia para estes contratos pela Anvisa vem contribuir para a desburocratização. O cumprimento das regras dos contratos de terceirização será averiguado durante as inspeções de boas práticas de fabricação por linha de produção.
MONITORAMENTO PÓS-MERCADO
A farmacovigilância tem uma rede que já conta com a adesão de várias empresas, centros de toxicologia, secretarias estaduais de saúde e 100 hospitais sentinelas. Há, ainda, acesso a dados internacionais. Para este ano, está prevista a conclusão do processo informatizado da coleta e análise de dados. Os hospitais sentinelas já estão conectados em rede e o envio de relatório à Organização Mundial da Saúde (OMS) ocorrerá por meio eletrônico. Hoje, já existem atividades regulares de monitoramento pós-mercado de produtos genéricos, entretanto ainda se encontram aquém da necessidade. Para facilitar a produção de padrões de qualidade no Brasil a preços compatíveis houve um grande apoio ao crescimento e estruturação da Farmacopéia Brasileira (instituição que cuida da padronização das fórmulas farmacêuticas).
REDUÇÃO DE ASSOCIAÇÕES IRRACIONAIS
No paradigma da alopatia sintética, associações racionais são aquelas em que há evidência de que há aumento de eficácia sem aumento de toxicidade; os diferentes fármacos têm mecanismos de ação distintos e atendem a um único diagnóstico. As associações podem se apresentar em uma mesma formulação ou em duas ou mais apresentações em uma mesma embalagem para uso concomitante ou seqüencial. A nova legislação exige estudos clínicos fase 3 para a permanência no mercado de associações entre drogas sintéticas com fitoterápicos e/ou homeopáticos e/ou vitaminas e de associações com quatro ou mais princípios ativos sintéticos. Entre antigripais e hepatoprotetores, alguns princípios ativos foram listados para serem retirados das formulações.
REPRESSÃO À FALSIFICAÇÃO
Três medidas conjuntas estão permitindo o combate à falsificação de medicamentos no país: obrigação da presença do número do lote em cada nota fiscal de medicamentos transportados, cadastramento dos estabelecimentos farmacêuticos na Anvisa e capacitação de inspetores das vigilâncias sanitárias estaduais. Essas medidas permitem que as regulamentações quanto a exigências de qualidade se ampliem sem o risco de as empresas que não queiram se adaptar às novas legislações insistam em permanecer no mercado de forma clandestina.
ENCONTROS TÉCNICOS COM AS VIGILÂNCIAS SANITÁRIAS ESTADUAIS
Entre 2002 e 2003 realizaram-se oito encontros técnicos com as vigilâncias sanitárias estaduais para a discussão, principalmente, de aspectos relacionados à farmacovigilância, inspeções, estudo das propostas de regulamentação em consultas públicas, farmácias de manipulação e outros temas específicos. Este ano os encontros continuarão ocorrendo.
REPACTUAÇÃO DO TERMO DE AJUSTES E METAS COM ESTADOS E MUNICÍPIOS
O Termo de Ajuste e Metas (TAM) acordado em 2003 para vigir em 2004, facilitará a integração das atividades entre a Anvisa, os estados e os municípios, permitindo maior eficiência das atividades descentralizadas e delegadas.
FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO E FARMÁCIAS VIVAS
A regulamentação de registro de produtos fitoterápicos tem como abrangência medicamentos cujos princípios ativos são exclusivamente derivados de drogas vegetais. Não é objeto de registro planta medicinal ou suas partes, após processos de coleta, estabilização e secagem, podendo ser íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. Portanto, as farmácias vivas não são objeto de regulamentação.
Quanto às farmácias de manipulação, há uma legislação em vigor sobre boas práticas de manipulação. Em 2003, tendo em vista óbitos por má prática de manipulação em produtos de baixo índice terapêutico (alto risco), estes chegaram a ser proibidos de serem manipulados. Tal medida foi substituída por nova legislação que permite a manipulação destes produtos com critérios mais rígidos de controle.
MEDICAMENTOS NOVOS
Na área de medicamentos novos a Câmara Técnica de Medicamentos deixou de ser a única responsável pela avaliação de eficácia e segurança desses produtos, e passou a ter principalmente uma função de subsidiar a Agência por meio da padronização de critérios de análise e da emissão de pareceres sobre temas controversos. Uma postura importante adotada pela Anvisa foi a de não aprovar o registro de medicamentos oncológicos novos que não tenham comprovado sua eficácia por ensaios clínicos controlados, independentemente de eles terem sido registrados por outras agências reguladoras. Até que tais evidências sejam apresentadas e aceitas esses produtos podem ser utilizados no país em ensaios clínicos e em programas de acesso expandido, situações nas quais o ônus permanece com as empresas farmacêuticas, ao invés de ser transferido para o SUS.
PESQUISA CLÍNICA
Na área de pesquisa clínica três propostas de regulamentação passaram por consulta pública. Pelo menos duas outras propostas deverão passar por consulta pública ao longo deste ano. Entre todas elas, duas, a relativa à obrigatoriedade de notificação de eventos adversos observados em estudos clínicos e a de realização de auditorias nesses estudos representam um avanço considerável no controle da pesquisa clínica no país, pois permitirão que a Anvisa acompanhe o desenrolar desses estudos ao invés de apenas aprovar sua realização.
PATENTES
Os pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos passaram a ter sua análise obrigatória pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária desde 1999, através do instituto da anuência prévia. Ressalta-se que esta anuência é concedida ou negada após a avaliação do pedido, considerando além dos aspectos formais da análise (verificação técnica dos requisitos de patenteabilidade) e os aspectos próprios de saúde pública (acesso aos medicamentos e avaliação técnica dos compostos).
Vale lembrar que, quando a patente é concedida, o seu detentor passa a ter direitos exclusivos de exploração do objeto protegido (produção, utilização, comercialização sem concorrência, venda ou importação) pelo período de 20 anos. Por isso, há a necessidade de uma análise criteriosa dos requisitos para a concessão de tal benefício, tendo sempre em conta que esta proteção pode se refletir diretamente no custo final do medicamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tarefa é controlar a proliferação de nomes comerciais diferentes para produtos iguais. Várias são as causas para esta situação:
1. As indústrias de medicamentos vêm se especializando. Algumas são fortes em fabricação, investindo em linhas de produção modernas que têm menos riscos de desvios de qualidade. Outras se destacam no desenvolvimento de produtos, investindo em pesquisa e desenvolvimento. Há ainda as que investem em equipes de propagandistas que visitam periodicamente consultórios médicos. Essa especialização vem propiciando o aparecimento de inúmeros acordos comerciais para a produção de um mesmo medicamento, porém com o lançamento do produto no mercado com diferentes nomes comerciais para fins de controle de venda por cada uma das empresas parceiras da produção.
2. Inúmeras fusões de empresas e posterior alteração de local de fabricação levaram ao acúmulo de nomes comercias para mesmos medicamentos pelos mesmos fabricantes. Continuaram a comercializar o mesmo medicamento com nomes comercias diferentes para não perderem o valor de marketing que estes produtos tinham antes da fusão de empresas.
3. Cabe lembrar que algumas empresas lançaram o mesmo medicamento com vários nomes comerciais para ocupar o mercado dificultando o aparecimento de concorrência.
4. Com a introdução dos medicamentos genéricos, várias empresas entraram neste mercado, porém não abriram mão do mercado com nomes comerciais. Trata-se do mesmo produto de uma mesma linha de produção com embalagens diferentes.
As conseqüências diretas para a vigilância sanitária desta situação são:
1. dificuldade na rastreabilidade de um mesmo produto por ocasião de suspeita de desvio de qualidade, pois cada registro se associa a uma marca/nome comercial e não a um mesmo fabricante/local de fabrico.
2. ineficiência no sistema de registro de medicamentos pois há uma multiplicação de processos a serem analisados por técnicos diferentes.
3. ineficiência no controle de preços e grau de monopolização por falta de informação sobre quem é quem no mercado.
Há a necessidade de novas regras para a obtenção do número de registro de um medicamento. Estas regras não devem engessar o desenvolvimento das parcerias entre as indústrias e devem eliminar as ineficiências descritas acima e riscos à vigilância sanitária.
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