BULAS INCENTIVAM AUTOMEDICAÇÃO, DIZ ESTUDO
11/02/2008
Os dados que acompanham os remédios são incompletos, aponta levantamento feito pelo Idec com 19 medicamentos. Versão genérica do Prozac (antidepressivo), por exemplo, omite alerta de que pacientes jovens podem ter comportamento suicida. As bulas dos remédios vendidos nas farmácias brasileiras são incompletas e incentivam a automedicação, aponta um estudo recém-concluído do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Isso, diz a entidade, pode comprometer seriamente a saúde das pessoas. O antidepressivo Prozac (da Eli Lilly), por exemplo, traz o alerta de que pacientes jovens podem ter idéias e comportamentos suicidas durante o tratamento. E avisa: "Os médicos devem ser consultados imediatamente se os pacientes de todas as idades relatarem quaisquer pensamentos suicidas". O Cloridrato de Fluoxetina (da EMS), uma das versões genéricas do Prozac, simplesmente não diz nada sobre esse risco. O Idec se debruçou sobre as letras miúdas que acompanham 19 remédios (antidepressivos, calmantes, antiinflamatórios, vasodilatadores, anti-reumáticos e drogas contra pressão alta e para baixar o colesterol) e constatou que há diferenças significativas entre as informações dos medicamentos de referência (originais) e seus genéricos ou similares. A entidade também comparou as bulas nacionais com as americanas. Nos Estados Unidos, os antiinflamatórios avisam -com destaque- do risco de morte por problemas cardiovasculares durante o tratamento. No Brasil, o Voltaren e o genérico Diclofenaco Sódico (ambos da Novartis) não trazem esse alerta. A mesma diferença, na comparação com o produto americano, foi encontrada nas bulas do antiinflamatório Cataflam (da Novartis) e do genérico Diclofenaco Potássico (da Medley). Em 2004, o antiinflamatório Vioxx foi retirado do mercado no mundo inteiro após um estudo ter mostrado o aumento do risco de ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. "Essas irregularidades violam o direito do consumidor à informação correta e completa. Podem representar um risco à saúde. Existe muita intoxicação por remédios", diz Karen Lagen, a responsável do Idec pela pesquisa. AUTOMEDICAÇÃO - Há casos em que, na avaliação do Idec, as bulas incentivam que os pacientes façam uso de remédios sem acompanhamento médico. No antidepressivo Zoloft (da Pfizer), por exemplo, lê-se o seguinte: "Se você não responder à dose de 50 mg, pode aumentar a dose". O estudo apontou ainda que muitos medicamentos não trazem orientações caso o paciente se esqueça de tomar uma dose. Supondo que deve tomar três doses ao dia e acidentalmente pulou a segunda, ele deve dobrar a terceira dose? Ignorar o esquecimento e tomar a terceira normalmente? Tomar a segunda dose imediatamente, não importando a hora? Segundo o Idec, 11 dos 19 medicamentos não sanam essa dúvida. Para o médico sanitarista José Ruben de Alcântara Bonfim, coordenador da Sobravime (Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos), uma origem das falhas é o fato de as bulas não serem atualizadas periodicamente. "Como os médicos no Brasil não são obrigados a notificar os efeitos adversos dos medicamentos -apenas a indústria [farmacêutica]-, muitas bulas estão incompletas, desatualizadas." Os laboratórios fabricantes dizem que apenas seguem as determinações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e que seus folhetos têm a aprovação da agência. Para o Idec, a atuação da Anvisa está longe da ideal, pois permite que as bulas dos medicamentos de referência e as dos genéricos e similares sejam diferentes -embora o efeito no organismo deva ser, teoricamente, o mesmo. "A Anvisa deve ser mais rigorosa e melhorar a legislação", diz Karen Lagen. A pesquisa do Idec chegou à Anvisa. A agência informou que as irregularidades apontadas serão investigadas. "Se confirmadas, serão corrigidas e ensejarão medidas punitivas para os laboratórios infratores. O desrespeito às normas de registro de medicamentos constitui uma infração sanitária", disse Pedro Ivo Sebba Ramalho, da assessoria técnica da presidência da Anvisa. As punições vão de uma advertência à apreensão dos produtos e à interdição das empresas. As multas podem chegar a R$ 1,5 milhão. A agência informou ainda que está estudando fazer mudanças nas bulas para, "entre outros objetivos, viabilizar o direito à informação adequada e clara sobre produtos, em especial sobre os riscos". Professor da Unifesp defende as bulas mais "enxutas" e menos detalhadas - DA REPORTAGEM LOCAL - O médico Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, considera que a melhor bula de remédio é aquela que tem menos informações. Para ele, dados que interessam apenas ao médico têm de ser omitidos. O folheto que acompanha o remédio deve trazer somente as orientações gerais para os pacientes. "Se você põe numa bula que o remédio pode levar a suicídio, o paciente simplesmente não toma o medicamento. Ele fica atemorizado. Não dá para colocar na bula todos os efeitos colaterais", afirma Lopes. O médico, que também é professor na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), conta a orientação que costuma dar. "Eu digo ao acompanhante do paciente: "Tira a bula, senão ele não toma o medicamento". Quantas vezes eu já fiz isso..." LINGUAGEM COMPREENSÍVEL - O presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica diz que as bulas brasileiras são "bastante boas" e não devem seguir as americanas, que são extremamente detalhadas. "As bulas não devem ter informações que são da alçada do médico. As americanas são verdadeiros minicapítulos de um compêndio de farmacologia, que não acrescentam nada ao paciente", afirma. Segundo Lopes, cabe ao médico informar os efeitos colaterais no momento da consulta, com uma linguagem compreensível, e deixar claro que o paciente deve voltar ao consultório caso surja alguma reação inesperada. "As dúvidas devem ser esclarecidas sempre com o médico, não com a bula." O único senão das bulas nacionais, na opinião de Lopes, é o fato de não serem idênticas às dos medicamentos de referência e as dos genéricos. "Não faz sentido serem diferentes." (RW) LABORATÓRIOS DIZEM CUMPRIR TODAS AS NORMAS DA ANVISA - Pfizer admite mudar trecho de bula do Zoloft; Novartis diz que Voltaren e Cataflam são vendidos só com receita médica. DA REPORTAGEM LOCAL - Os laboratórios farmacêuticos citados na pesquisa do Idec (Eli Lilly, Biosintética, Novartis, Medley, EMS e Pfizer) afirmaram que as informações que acompanham seus remédios seguem rigorosamente as normas estabelecidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Acusada pelo Idec de incentivar a automedicação, no caso do antidepressivo Zoloft, a Pfizer disse que "não encoraja nem incentiva a automedicação de nenhum produto", mas admitiu que pode fazer mudanças no trecho da bula apontado como problemático ("Se você não responder à dose de 50 mg, pode aumentar a dose"). "Estamos revendo esse pedaço da bula e vendo se é o caso de adicionar algo como "siga a orientação do seu médico". De qualquer forma, esse tipo de alerta já é encontrado em grande quantidade na bula do remédio", disse o diretor médico da Pfizer, João Fittipaldi. A Novartis respondeu que a acusação de incentivo à automedicação nos casos dos antiinflamatórios Cataflam (de referência e genérico) e Voltaren (de referência) não procede porque os dois medicamentos, com tarja vermelha, só podem ser vendidos com receita médica, após uma consulta com um profissional. A Eli Lilly diz que não traz na bula do Prozac informações sobre problemas cardiovasculares porque as normas da Anvisa exigem apenas as "reações adversas" (decorrentes do tratamento), e não os "eventos adversos" (não necessariamente decorrentes do tratamento). "A informação presente no material americano faz referência a eventos adversos relatados no sistema cardiovascular, informando inclusive que não há associação causal", disse a empresa, por nota. No caso do antidepressivo cloridrato de fluoxetina (versão genérica do Prozac), que não traz o alerta sobre o risco de idéias e comportamentos suicidas em pacientes jovens, o laboratório EMS disse que o medicamento é vendido apenas com receita médica e que "o médico é o profissional habilitado para orientar o paciente". "O conteúdo das bulas EMS é condizente com a do seu medicamento de referência", disse o laboratório, em nota. O remédio de referência, entretanto, traz o alerta sobre o risco de comportamentos suicidas. A respeito das comparações que o Idec fez com as bulas dos medicamentos americanos, os laboratórios e a própria Anvisa disseram que as regras válidas para o Brasil não são iguais às dos Estados Unidos. Fonte: Folha de São Paulo
FARMÁCIAS CONTESTAM NOVA REGRA DA ANVISA
08/02/2008
Cerca de duas mil farmácias ligadas à Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) conseguiram, na 19ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, uma liminar que suspende a aplicação de penalidades pelo não-cadastramento no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), que fiscaliza a venda de medicamentos entorpecentes e psicotrópicos. O prazo de adaptação ao novo sistema, criado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), era o dia 28 de janeiro (com exceção do norte do país), mas farmácias em todo o país têm ido à Justiça contestá-lo alegando falhas no cadastramento. O novo sistema da Anvisa entrou em funcionamento em maio de 2007 e tem o objetivo de monitorar de forma mais rápida o consumo abusivo de cerca de 450 medicamentos e substâncias sob controle - como anabolizantes e remédios para emagrecimento. Isto porque ele permite que a fiscalização seja feita semanalmente e por via eletrônica, por meio de dados enviados pelas farmácias e drogarias diretamente à Anvisa. Até então, as informações eram prestadas de forma manual e trimestralmente para os agentes da vigilância sanitária. O prazo inicial estabelecido pela Anvisa - novembro do ano passado - já havia sido adiado em função de uma liminar. De acordo com informações da agência, até agora aproximadamente 49 mil estabelecimentos no país se habilitaram no novo sistema de fiscalização, mas não há uma estimativa do total de estabelecimentos existentes. O que está motivando as ações judiciais não é o novo sistema em si, mas a suposta dificuldade no cadastramento e a multa prevista em caso de descumprimento da norma. No caso da ação ajuizada pela Anfarmag, a entidade pediu a suspensão do prazo e da aplicação das penalidades previstas até que o sistema estivesse em pleno funcionamento. De acordo com o vice-presidente da Anfarmag, Álvaro Favaro Júnior, até agora as farmácias não foram autuadas devido à compreensão dos agentes da vigilância sanitária. A Justiça Federal intimou a Anvisa a prestar esclarecimentos em até dez dias e concedeu uma liminar para que o órgão se abstenha de aplicar as penalidades referentes à adoção do sistema até a vinda das informações - o que beneficia cerca de dois mil estabelecimentos associados à Anfarmag, localizados em São Paulo e em 19 municípios paulistas. Segundo o advogado Wander da Silva Saraiva Rabelo, do escritório Moreau Advogados, que defende a Anfarmag no caso, a partir da obtenção da liminar será colocada em prática uma estratégia para ampliar a propositura de ações judiciais em outros Estados e garantir o direito de extensão do prazo aos cinco mil associados da entidade no Brasil. "A liminar possibilita a defesa administrativa das farmácias em caso de multas", diz. O prazo de cadastramento no novo sistema da Anvisa - novembro do ano passado - foi adiado anteriormente em função de uma ação impetrada em outubro pela Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), que reúne 21 redes de farmácias no país. A entidade ajuizou uma ação declaratória da ilegalidade da resolução da Anvisa que instituiu o sistema e conseguiu, na 26ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, uma liminar para garantir às afiliadas da Abrafarma o não-cumprimento da resolução. A Anvisa acabou por estender o prazo para 28 de janeiro deste ano, mas, ainda assim, as contestações judiciais continuaram. Em dezembro, o Tribunal Regional Federal (TRF) do Rio de Janeiro concedeu uma liminar em uma ação ajuizada pela Associação do Comércio Farmacêutico do Estado do Rio de Janeiro (Ascoferj) - que reúne cerca de mil farmácias e drogarias - ampliando o prazo de adesão dos associados ao novo sistema para 27 de fevereiro. Segundo a assessoria de imprensa da Anvisa, o sistema já está completamente normalizado e as falhas alegadas ocorreram devido à sobrecarga de acessos de estabelecimentos que resolveram fazer o cadastro, disponível desde maio, somente nos últimos dias do prazo. Segundo o órgão, cerca de seis mil cadastros foram feitos entre os dias 25 e 30 de janeiro. A assessoria informou ainda que a Anvisa irá recorrer das decisões obtidas pela Anfarmag e pela Ascoferj na Justiça. - Luiza de Carvalho, de São Paulo -
Fonte: Valor Econômico
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