5.29.2008

QUANDO O CÉREBRO RENASCE

QUANDO O CÉREBRO RENASCE
25/05/2008
Botox, jogos virtuais, dança e teatro estão entre as novidades para recuperar as habilidades perdidas após o acidente vascular cerebral. O sorriso da mineira Marilene Lopes, 55 anos, estampado na foto ao lado, é emblemático. Ele retrata a nova fase da ex-executiva da área de comunicação que, há sete anos, perdeu a capacidade de falar, de raciocinar corretamente e de administrar a própria vida. No dia 17 de O maio de 2001, ela sofreu um acidente vascular cerebral, o AVC, problema gravíssimo que pode matar ou deixar seqüelas devastadoras, como a paralisia de braços e pernas. Como se vê pela vitalidade de Marilene, porém, hoje a única lembrança do dia em que seu cérebro quase parou é uma dificuldade eventual e muito discreta de memória. Com a assistência correta para se recuperar, o cérebro de Marilene renasceu. E assim tem sido com milhares de pacientes ao redor do mundo. Cada vez mais, a medicina desenvolve recursos para o tratamento mais eficiente do AVC. O esforço é para impedir a escalada de mortes causadas por ele, hoje estimadas em cerca de sete milhões no mundo. Calcula- se que 75% deles sejam isquêmicos - quando há entupimento da artéria por um coágulo. Os outros 25% são hemorrágicos, caracterizados pela ruptura do vaso sangüíneo. As investidas têm resultado em descobertas para impedir que ele aconteça um dia. É conhecida a lista de fatores de risco clássicos - hipertensão e diabete entre eles. Agora, a ciência estuda a relação do acidente com outras condições. Entre elas, as doenças respiratórias, como indicou trabalho recente publicado no European Heart Journal. Produzido por cientistas ingleses, o estudo revelou que o indivíduo que sofre uma infecção respiratória tem o dobro de risco de manifestar um acidente cerebral na semana seguinte. O motivo da associação está sendo investigado. Os pesquisadores verificaram também que a poluição eleva a chance de um AVC em portadores de doenças cardíacas, fato constatado estatisticamente. Uma das respostas é que os poluentes atmosféricos elevam a produção de uma substância que deixa o sangue vulnerável à coagulação. Informações como essas servirão para controlar melhor os gatilhos que detonam os acidentes. Mas os cientistas buscam outros recursos de prevenção. Parte deles, está-se descobrindo, pode ser obtida na alimentação. Nos EUA, cientistas da Northwestern University Feinberg mostraram que a suplementação de ácido fólico - substância do grupo das vitaminas B encontrada em alimentos de folha verde-escura - reduz em cerca de 18% a vulnerabilidade ao AVC. Isso porque o nutriente diminui no sangue a concentração da homocisteína. Em altos níveis, esta proteína contribui para a formação de coágulos. Na França, médicos da Faculdade de Montpellier anunciaram, na última semana, que o consumo de três maçãs ou de três cachos de uva por dia é uma boa escolha para evitar coágulos. Muito trabalho tem sido feito também para aperfeiçoar a assistência na hora em que o acidente está ocorrendo. Nesse momento, a luta é contra o tempo. Quanto mais rápido o paciente for atendido, menores as chances de seqüelas graves. Afinal, a extensão dos circuitos cerebrais lesados está diretamente relacionada à quantidade de habilidades atingidas. Hoje há a certeza de que o socorro deve ser feito de preferência até três horas após o início dos sintomas, podendo se estender até seis horas depois, no máximo. "Nesse período, os remédios para dissolver os coágulos podem ser ministrados com bom resultado", explica o neurologista Fernando Morgadinho, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Alguns estudos sugerem, porém, que pelo menos um medicamento apresenta benefícios mesmo após essa janela de tempo. É a minociclina. Segundo uma pesquisa recém- divulgada do Medical College of Georgia School of Medicine, o antibiótico atenuou seqüelas até três dias depois do AVC. Uma medida fundamental para o sucesso do atendimento é a realização de exames de imagem apurados. Eles fornecem dados sobre a localização e a extensão dos danos. Nessa área, a novidade é um ultra-som em 3D criado pela Duke University, nos EUA. O diferencial do aparelho, que está em teste, é sua capacidade de obter imagens muito claras das artérias cerebrais. Identificada a posição do entupimento, no caso do tipo isquêmico, os médicos recorrem a cateteres que "buscam" os coágulos dentro da artéria. Quando se trata de acidente hemorrágico, utilizam-se drogas para conter o sangramento e, em alguns casos, cirurgia. "Mas isso ainda é controverso e há poucas indicações precisas", informa o neurologia Eduardo Mutarelli, do Hospital SírioLibanês, de São Paulo. Os médicos também estão testando a técnica de resfriamento. Ao baixar a temperatura corporal para 32 graus, em geral, pretende-se diminuir a atividade das células que geram coágulos. Mas cientistas australianos e chineses querem dar umpasso adiante. Eles testarão uma espécie de capacete de resfriamento direto no cérebro. Passado o período crítico, o empenho é pela reabilitação. E também nessa etapa muito se avançou. O primeiro progresso foi registrado na própria maneira de encarar a recuperação de habilidades prejudicadas. A abordagem mais moderna prevê um estímulo forte para devolver ao paciente capacidades especialmente importantes para ele. Se o indivíduo for um pianista, a atenção é dobrada no movimento das mãos. Trata-se de uma espécie de ovo de Colombo da neurologia. Ao priorizar as preferências, é mais fácil para os médicos reativar os circuitos neuronais freqüentemente exigidos antes do AVC ou forçar a criação de outros com as células nervosas não atingidas. "Estimulamos a reabilitação a partir da rede de neurônios que mais funciona naquele momento. É um método baseado no que o paciente gosta", explica a neurocientista Lúcia Braga, presidente da Rede Sarah, considerada uma das melhores do mundo nessa área de pesquisas. A OPÇÃO PELA DANÇA - A atriz Estela Lapponi (na foto, à direita) convive há dez anos com as conseqüências de um AVC. Tem dificuldade para movimentar a mão, o braço e a perna esquerdos. No Danceability, criado por Neca Zarvos, aprendeu a se sentir mais à vontade com o corpo. "Aceitei as limitações e achei formas de trabalhar com elas de modo criativo", relata. Entre os recursos usados na reabilitação, a ciência aposta na eficácia de técnicas como a terapia de contenção - o membro sadio é impedido de se movimentar para obrigar o que ficou prejudicado a se exercitar. O método foi aprovado em um trabalho publicado na revista The Lancet Neurology. "Vemos os melhores resultados em pacientes com menos perda motora", explicou à ISTOÉ Steven Wolf, da Emory University School of Medicine, nos EUA, autor da pesquisa. Para auxiliar esses indivíduos, também existem aparelhos portáteis que estimulam o movimento dos músculos por meio do envio de sinais elétricos. Um deles é o NESS L300, usado para melhorar a capacidade de andar. Outro, para o braço, está em teste no Instituto Tecnológico de Massachussetts. PERCEPÇÕES AGUÇADAS PARA A PINTURA - Cinco anos após um AVC, o arquiteto Nilo Santos, de Brasília, recuperou as habilidades. Ele foi tratado na Rede Sarah. "Voltei a ter 100% da memória e a mesma capacidade cognitiva. Algumas percepções ficaram ainda mais aguçadas", diz. De fato. Nilo agora também se tornou pintor. Mais uma estratégia com importância crescente é o uso de videogames para treinar o raciocínio e o domínio de movimentos. Recentemente, pesquisadores da Universidade de Haifa, em Israel, inovaram nessa área ao criar um jogo virtual para identificar qual atividade é mais indicada e as chances de recuperação de cada indivíduo. "Nos testes, o jogo mostrou 90% de eficácia nessa distinção", contou à ISTOÉ o cientista Larry Manevitz, um dos responsáveis pelo trabalho. Para atenuar a contração muscular - e a dor resultante disso - que costuma acometer os pacientes com seqüelas, uma das opções mais recentes é o botox. A toxina botulínica relaxa o músculo. Num futuro próximo, o arsenal poderá contar com as células-tronco. Diversos trabalhos verificam se essas estruturas podem regenerar áreas lesadas. No Brasil, um dos centros envolvidos nessa pesquisa é a Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objetivo, por enquanto, é testar a segurança dos implantes (as células são retiradas da medula óssea do paciente e levadas ao cérebro por cateter). "A próxima etapa será medir a eficácia disso", informa a neurologista Valéria Battistella, uma das envolvidas no projeto. Outro recurso em teste é a estimulação magnética transcraniana. "Sua função é gerar um campo magnético para ajudar a reorganizar os padrões elétricos cerebrais", explica a fisiatra Isabel Salles, do Hospital SírioLibanês. TRATAMENTO DENTRO DO PRAZO - A paulistana Mariana Chaves tem 19 anos. Há nove meses, porém, uma nova contagem de tempo de vida começou para ela. Em agosto de 2007, Mariana sofreu um AVC. Foi socorrida quando faltavam apenas dez minutos para completar três horas após o início dos sintomas. "Hoje, tenho apenas certa dificuldade de movimento do lado esquerdo do corpo", diz ela, que faz fisioterapia e exercícios com personal trainer Em meio a tantas saídas tecnológicas, uma alternativa tem se sobressaído pela simplicidade. É o estímulo a práticas como o teatro e a dança. Em São Paulo, o grupo Danceability reúne para dançar pessoas com e sem deficiência, incluindo portadores de seqüelas de AVC. "Estimulamos o uso do corpo de acordo com as condições de cada um. Mas é arte, não fisioterapia", diz a dançarina Neca Zarvos, criadora da iniciativa. No teatro, o ator Nicholas Wahba reúne no Ser em Cena mais de 30 pacientes com dificuldade para falar. Ele mesmo usou a arte para recuperar a fala após um acidente cerebral e resolveu passar o benefício adiante. "Quem tem dificuldade de falar uma palavra recebe ajuda de outro que não consegue dizer outra parte do texto. E rimos muito", conta. Hoje, o grupo busca patrocínio cultural para novas turmas e apresentar a peça Reconstruindo a palavra. Colaborou Hugo Marques.
Fonte: ISTO É

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