6.21.2009

Veneno também pode ser 100% natural


Remédios são bons quando receitados por quem entende do assunto.

Prescritos por anúncios como curas milagrosas, podem fazer mal à saúde e ao bolso.Chá de ginseng

O QUE PROMETE: Combater a diabetes e ajudar a emagrecer.

O QUE FAZ: O extrato reduz o teor de glicose no organismo, mas não há garantia de que um chá possa surtir efeito, pois a concentração do princípio ativo varia de uma planta para outra. Quanto ao emagrecimento, ajuda na eliminação de água mas não na perda de gordura.

Não há mágicas que melhorem a aparência
Quer emagrecer? Compre, por meio de um telefone anunciado na televisão, uma palmilha que ativa pontos de acupuntura. Ande com ela 4 horas por dia e use a escada no lugar do elevador. A cada sete dias, passe um comendo apenas frutas. Você deverá perder 3 quilos em uma semana. Mas será que a palmilha ajudou? "Se a pessoa emagrecer é porque queimou caloria, exercitando-se, ou comeu pouco".

É sabido que não se consegue reduzir o peso sem sacrifício e reeducação dos hábitos alimentares. Mesmo assim, a promessa de emagrecimento mágico continua sendo vendida. Há de tudo, até um batom: se você usá-lo oito vezes por dia, vai perder de 5 a 7 quilos por mês. Se não funcionar, o dinheiro não será devolvido. O batom é feito com uma planta chamada Garcinia camboja, que foi enquadrada no mês passado pelo governo brasileiro num grupo de produtos naturais que podem ser vendidos desde que não façam promessas terapêuticas.

Mas quem sabe disso? A propaganda continua enganando os desinformados que, além do dinheiro, podem perder a saúde. E não é só por aqui.
O farmacologista Richard Ko, da Universidade da Califórnia, em Sacramento, Estados Unidos, analisou recentemente 260 produtos do gênero, baseados na medicina oriental. Descobriu que catorze não traziam os níveis prometidos de ingredientes farmacêuticos e 83 continham metais pesados ou outras substâncias não declaradas.

No Brasil, em 1989, o Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, examinou 74 emagrecedores. Em 50% deles havia anfetaminas, estimulantes que causam dependência, e benzodiazepínicos que, tomados junto com bebida alcoólica, podem levar ao coma. Outro trabalho, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, mostrou que os chás emagrecedores tinham mais problemas: 90% das amostras analisadas estavam contaminadas com fungos e bactérias.


Consumidores ingênuos
E há outros contos-do-vigário que se apóiam na vaidade, especialmente das mulheres.
"Comprei o creme Striaway depois de ver o anúncio no programa de TV.
Constatada a ineficiência, Michelle tentou reclamar, mas foi convencida a levar uma segunda dose.

Repetido o fracasso, a moça se queixou ao Procon e aguarda uma audiência com a empresa. Ela quer de volta os 200 reais que gastou inutilmente.

Como estrias são cicatrizes causadas pelo rompimento de fibras da pele (veja o infográfico à esquerda), não há cremes capazes de acabar com elas. "É pura mentira", afirma o dermatologista Mário Grinblat, da Universidade Federal de São Paulo. Se a promessa for acabar com os pêlos, também é preciso desconfiar. Para que eles desapareçam, o bulbo capilar, conjunto de células que produzem a matéria-prima do pêlo, teria que ser destruído. "Nenhum creme faz isso", garante Grinblat.

O que se compra, na maioria das vezes, são os chamados placebos, produtos sem ação, que custam caro e contam com a ingenuidade dos consumidores. Um deles, o Freshbreath, promete eliminar o mau hálito com uma fórmula à base de óleos de girassol, de semente de salsa e de Menta piperita (hortelã), além de vitamina E. "Seu efeito é o mesmo de chupar uma bala", diz o gastroenterologista paulista Thomaz Szego. Deve ser a bala mais cara do mercado (69,99 reais por 60 cápsulas).

As estrias são marcas profundas da pele.


A pele é formada por fibras elásticas. Quando elas esticam demais, por esforço físico ou obesidade, se rompem e formam uma espécie de cicatriz. Não há creme que consiga emendar as fibras. Alguns médicos as disfarçam, "pintando-as" com ácido.

Cuidado com produtos que apelam para a vaidade.


Cápsulas para o hálito com óleos de girassol, semente de salsa e Menta piperita

O QUE PROMETE: Melhorar o hálito.

O QUE FAZ: A Menta piperita (hortelã) é eliminada por meio da respiração, mas apenas em pequenas quantidades. Portanto, só mascara o mau hálito por alguns minutos. Nada que uma bala não fizesse.

Creme redutor de pêlos
O QUE PROMETE: Inibir o crescimento dos pêlos até que não seja mais necessária a depilação.

O QUE FAZ: Pode ajudar a afinar o pêlo, mas não acaba com ele porque não destrói as células que produzem queratina, a proteína da qual ele é feito.

Cremes antiestrias e anticelulite
O QUE PROMETE: Acabar com essas marcas da pele.

O QUE FAZ: O produto pode, no máximo, prevenir o aparecimento das estrias e da celulite, como qualquer outro hidratante.

Palmilha emagrecedora
O QUE PROMETE: Melhorar o funcionamento do sistema digestivo de maneira a reduzir peso.

O QUE FAZ: Estimula os pontos indicados pela acupuntura como responsáveis pelo sistema digestivo. Não há indícios de que isso ajude a emagrecer.


Cápsulas de Gingko biloba
O QUE PROMETE: Ajudar no tratamento de microvarizes, úlceras varicosas, vertigem, perda de memória.

O QUE FAZ: Melhora a elasticidade dos vasos e previne a coagulação do sangue dentro deles.
É usado como auxiliar no tratamento de varizes. Estudos investigam sua ação contra vertigens e perda de memória.

Buracos na lei e pouca fiscalização

O abusos são tantos que o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) já não dá conta de controlar a veiculação de propagandas enganosas, especialmente pela TV.

"É preciso que as redes de televisão colaborem, fazendo uma triagem do que vão colocar no ar".

"Já é hora de as emissoras pararem de se omitir".

"A venda por telefone facilita muito a compra".

Para completar, a fragilidade da lei e da fiscalização faz com que a quantidade de remédios e cosméticos irregulares no mercado seja muito grande. Há desde os que nem se preocupam em colocar o nome do fabricante na embalagem (caso do Freshbreath) ou imprimem nela licenças de comercialização falsas (a sigla do Ministério da Saúde, MS, acompanhada de um número) até os que disfarçam. Eles entram com pedido de registro e usam o número do protocolo como se fosse a licença do ministério (casos do Cartilife e do Nutrishark). Se o registro é recusado, mudam o nome e fazem novo pedido — que, aliás, custa pouco: de 200 a 900 reais.

A cada tentativa, precisam apresentar ensaios clínicos que comprovem a eficácia da droga ou do cosmético. Hoje, a regra inclui os fitoterápicos, mas até 1995 qualquer produto à base de plantas recebia registro sem ter que provar nada. Como a validade da licença é de até seis anos, um lote grande dessa velha geração ainda está no mercado.

Para completar o circo de absurdos, até o mês passado a lei ignorava os suplementos alimentares, o que tornava irregular mesmo o inofensivo própolis.

"Alguns desses produtos circulavam com licença de medicamento. Outros estavam sem licença nenhuma",

A fiscalização, no entanto, só vai atrás de denúncias. Por isso, o consumidor precisa ficar atento e reclamar quando perceber irregularidades. Hoje, no grande mercado em que se transformou a área de saúde, não basta cobrar aval científico. É preciso checar se ele é verdadeiro.

Para se defender

Vigilância Sanitária: 0800 61 1997

Anunciar embustes faz parte do trabalho de apresentadores de programas populares. Mas eles não gostam de falar disso.

Foi uma tentação. Cansada de sofrer com a artrite, inflamação das articulações, a dona de casa paulista Otília Antunes Lima, 75 anos, se rendeu às maravilhas ditas na TV sobre a cartilagem de tubarão e decidiu comprar.
Foram 176 reais por 200 cápsulas da marca Nutrishark.
Mas quando o produto chegou, pelo correio, a filha de dona Otília, Adair, já tinha lido denúncias de que o precioso remédio era pura farinha de trigo. E resolveu reclamar o dinheiro de volta na Procuradoria de Defesa do Consumidor (Procon).

Como dona Otília, gente do país inteiro é iludida, todos os dias, por anúncios de remédios, chás e cosméticos que prometem o impossível, embora poucos sejam ressarcidos do prejuízo, como ela foi.

Somente este ano, até agosto, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) abriu 67 processos contra propagandas enganosas na área de saúde. Pior: para atingir seus objetivos, esses comerciais ainda usam o nome da ciência. Pesquisas interpretadas de maneiras estapafúrdias, estudos superados e investigações ainda em andamento servem de esteio para mentiras homéricas.

O caso da cartilagem é exemplar. Ela ganhou fama a partir de 1976, quando pesquisadores americanos isolaram duas de suas proteínas e observaram que elas tinham a capacidade de reduzir o câncer em ratos. A boa notícia acabou se tornando um perigo danado. Transformada em panacéia, a cartilagem hoje é indicada para tudo em anúncios na televisão: artrite, osteoporose, câncer, diabetes, reumatismo e doenças do coração. O que a propaganda não diz é que a substância ainda está em estudos. E só no que diz respeito ao câncer. Sem contar que não há resultados sobre a sua atuação em humanos. Todo o resto é pura invenção.


Veneno também pode ser 100% natural
De tanto ver mulheres com osteoporose trocando tratamentos convencionais pela cartilagem de tubarão, o médico Nelson Menda, da Sociedade Brasileira de Ortopedia, do Rio de Janeiro, resolveu encomendar análises de duas marcas (Cartilife e Nutrishark).
Entregou a tarefa ao renomado Instituto Nacional de Tecnologia, do Ministério da Ciência e Tecnologia, e descobriu o que já desconfiava: a quantidade de cálcio (fundamental no tratamento da doença) era muito inferior à prometida. "Para suprir a necessidade diária do organismo com esses produtos, seria necessário tomar de sessenta a noventa cápsulas por dia".

Mesmo que não houvesse fraude, a propaganda mentirosa já seria suficiente para levar a conseqüências sérias. "Tive pacientes diabéticos que pioraram porque pararam a reposição de insulina para tomar cartilagem", afirma o endocrinologista Fadlo Fraige Filho, presidente da Associação Nacional de Assistência ao Diabético, em São Paulo.

Vítimas de doenças crônicas são alvo fácil para os vendedores de ilusões. "É que eles prometem fazer milagres com produtos 100% naturais que, teoricamente, não fazem mal", alerta Fraige Filho. Muitos não fazem mesmo. Nem mal, nem bem. Outros possuem, sim, efeitos terapêuticos, mas não são inofensivos. "Tudo o que tem princípio ativo também pode ter efeito colateral", diz o farmacologista Paulo Chanel, da Universidade de São Paulo.

Veja o caso do confrei. Largamente propagandeado para tratar úlcera, artrite, infecções e problemas de fígado, descobriu-se depois que a ingestão do chá ou da folha por períodos prolongados, em torno de dez anos, provocava o aparecimento de câncer. E no fígado. Para uso externo, como cicatrizante, a planta não tem efeitos colaterais.

Antecedentes do gênero preocupam os médicos. Recentemente, uma planta européia conhecida como erva-de-são-joão passou a ser vendida para o tratamento da depressão. De fato, há estudos que comprovam sua eficácia em casos leves e moderados. Coisas como uma tristeza persistente. Ocorre que só um médico pode fazer essa avaliação. "Meu receio é que pacientes graves abandonem os medicamentos convencionais", diz o psiquiatra Wagner Gattaz, da Universidade de São Paulo. Outro complicador é que a planta pode intensificar o efeito de outras drogas antidepressivas, levando a crises de hipertensão. Se a prescrição é do médico, tudo bem, ele conhece o perigo. O problema é tomar o remédio por indicação da TV, pois o alerta que acompanha o produto é bem difícil de entender.


Chazinhos perigosos
Apresentar remédios como substâncias inofensivas é um problema sério. Em 1996, a empresa Procter & Gamble lançou no Brasil o Vick Pyrena, um chá à base de paracetamol (analgésico e antitérmico) para combater os sintomas do resfriado. O.k., o produto é eficiente e a embalagem avisa que se trata de medicamento. Mas foi mostrado na TV apenas como uma bebida saborosa. "Sem lembrar que é remédio, a pessoa vai tomando. E pode acabar com náuseas, vômito, arritmia cardíaca e sérios problemas de fígado", reclama Elisaldo Carlini, ex-secretário da Vigilância Sanitária, o órgão do governo responsável pelo controle de medicamentos.

Além de induzir à automedicação, esses comerciais sonegam informações importantes. Só depois que compra, por telefone, o Sexfortil, composto natural contra impotência (veja tabela ao lado), o consumidor lê, na bula, que ele ainda está em estudos. A única coisa certa é que as ervas nas quais se baseia ajudam na ereção em ratos.

De acordo com a agência americana que controla drogas e alimentos, você deve desconfiar do produto se a propaganda...

...Diz que se trata de uma cura milagrosa. Caso fosse a solução para uma doença séria, a substância teria sido amplamente divulgada pela mídia.

...Usa palavras como "desintoxica", "purifica", "energiza" para descrever os efeitos. Esses conceitos são vagos e difíceis de verificar.

...Afirma que pode curar um grande número de doenças que não têm relação umas com as outras. Nenhum medicamento faz isso.

...Fala de estudos científicos, mas não fornece dados específicos sobre eles.

...Declara que não há efeitos colaterais. Qualquer produto com potência suficiente para curar uma doença também será potente para causar efeitos adversos.


Fonte: Administração de Alimentos e Drogas (FDA)/Governo dos Estados Unidos

Nem sempre as promessas dos anúncios são verdadeiras.

Fonte:Super Interessante

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