9.06.2009

Redemoinhos capilares e a homossexualidade



Estudo sobre redemoinhos capilares e homossexualidade
04 de setembro de 2009

Foi durante um congresso sobre epigenética, em Boston neste ano, que tive a chance de conhecer pela primeira vez Amar Klar, do Centro para Pesquisa de Câncer, em Maryland, nos Estados Unidos. Ele palestrava sobre a segregação não aleatória dos cromossomos durante a divisão celular. Um assunto polêmico na comunidade científica, pois dados convincentes ainda não foram publicados. Com um jeitão enrolado e uma aparência notória (apesar da origem indiana, ele é branco pálido devido ao vitiligo e se parece muito com Zorba, o grego), Klar usa de um raciocínio perspicaz (aliado a um humor de gosto duvidoso) para passar sua mensagem.

As evidências de Klar sobre a segregação não aleatória dos cromossomos me pareceram sólidas e os experimentos que ele usou para demonstrar seu ponto de vista, extremamente elegantes. Ao me interessar mais pela sua pesquisa, decidi procurar no Pubmed (um site público que lista as publicações dos cientistas na área biomédica) outros trabalhos do seu grupo de pesquisa. Entre diversas outras publicações em revistas científicas de peso, me deparei com uma curiosa publicação em seu nome, sobre a orientação do redemoinho capilar em indivíduos homossexuais (Klar, A. J. S. “Excess of counterclockwise scalp hair-whorl rotation in homosexual men”, Journal of Genetics, 2004).

Vale lembrar que os fatores que determinam a variação da preferência sexual em humanos são ainda desconhecidos. Acredita-se que a preferência sexual seja consequência da combinação genética e ambiental. Assume-se que os fatores sejam semelhantes para homens e mulheres gays. A maioria dos trabalhos que tentam explicar a homossexualidade está baseada em alguns genes ou no ambiente hormonal durante o desenvolvimento, influenciando redes neuronais nas quais a preferência sexual estaria, presume-se, codificada.

No trabalho, Klar tenta estabelecer uma conexão genética para o homossexualismo masculino. Para isso, procurou relacionar a direção dos redemoinhos capilares com o comportamento sexual. Cerca de 96% da população tem apenas um redemoinho, que rota no sentido horário ou anti-horário (veja a figura acima). Os redemoinhos são determinados geneticamente, não se alteram com o ambiente e estão diretamente relacionados à preferência do uso das mãos.

Segundo descrito na parte de metodologia do trabalho, ele fez as primeiras observações enquanto circulava por uma praia em Miami (Rehoboth Beach), frequentada em sua maioria por homossexuais masculinos. Caminhava pela praia e notava a orientação dos redemoinhos sem interagir com as pessoas (uma forma de manter o anonimato na pesquisa).
Os indivíduos foram por ele considerados homossexuais baseando-se nas observações sobre o comportamento interpessoal típico e ausência de mulheres e crianças no local. Klar fez as observações durante dois anos consecutivos naquela praia e depois validou seus achados em outros locais frequentados por homossexuais masculinos. Como controle, ele usou recintos neutros, como shopping centers, onde observou que a frequência de redemoinhos anti-horários em homens era de, aproximadamente 8%.

Ele excluiu da pesquisa mulheres, por causa dos penteados e adornos que poderiam interferir na observação exata da direção dos redemoinhos. Obviamente, excluiu os carecas também. Os resultados estatísticos sugerem que os homossexuais masculinos têm 3,6 vezes mais chance de ter redemoinhos anti-horários do que os não homossexuais.

Klar propõe uma explicação para a influência genética do homossexualismo. Baseia-se no desenvolvimento da lateralidade cerebral. Os dois hemisférios do cérebro são, de um modo geral, espelhados, mas existem pequenas diferenças entre eles. Mais importante, acredita-se que os hemisférios executem tarefas cognitivas bem distintas. O hemisfério dominante estaria envolvido nos processos de linguagem e coordenação motora das mãos, ao passo que o outro envolveria atividades “automáticas” como orientação espacial e outras funções não verbais. O lado “dominante” está bem relacionado com o uso preferencial das mãos (destro ou canhoto).

Mas como explicar essa correlação? Tanto nossos cabelos como os hemisférios cerebrais e o uso predominante de uma das mãos, são originados do mesmo tecido embrionário, a camada da ectoderme. Dessa forma, uma possibilidade seria que um cérebro menos simétrico teria mais chances de estabelecer conexões neuronais entre os dois hemisférios, favorecendo a tendência homossexual.

Como o fenômeno não é único da espécie humana, pode haver alguma vantagem evolutiva correlacionada a esse comportamento. Talvez a vantagem evolutiva seria de permitir o surgimento de indivíduos na população com uma percepção acentuada ou maior sensibilidade, auxiliando o grupo em situações de perigo ou estresse, por exemplo. Obviamente, um número elevado de pessoas com essas características poderia ser prejudicial, daí o controle populacional pela orientação sexual.

Segundo essa lógica, Amar propõe que o fenótipo da orientação do redemoinho seja um indicativo do comportamento sexual masculino. Como esse comportamento não é patológico, ele sugere que futuras pesquisas se concentrem na análise da lateralidade dos homossexuais para comprovar a teoria.

O trabalho é certamente provocativo. Fortalece alguns dados obtidos em irmãos gêmeos que sugerem 50% de influência genética no comportamento sexual. Por outro lado, os dados precisam ser confirmados em outras populações homossexuais, incluindo mulheres. Outro ponto importante é que, apesar dos redemoinhos não se alterarem com o ambiente, o uso preferencial das mãos pode ser modificado culturalmente, influenciando a atividade cerebral. Dessa forma, mesmo que o giro anti-horário do redemoinho seja um indicativo do comportamento sexual, me parece tão superficial quanto a preferência pelo rosa (uma tendência feminina).

Sei que existem pessoas que ignoram trabalhos como esse ou mesmo repudiam cientistas que trabalham com esse tipo de pesquisa. Entendo a polêmica e certamente Klar não passou ileso. Segundo ele, ao tentar publicar seus achados na “Science”, foi rejeitado justamente pelo teor polêmico do artigo – e não pelo rigor científico. Acabou publicando numa revista indiana de baixo impacto, e mesmo assim teve de remover o nome de seu departamento nos EUA e usar seu endereço residencial e contato pessoal para evitar possíveis conflitos com colegas cientistas.

Felizmente, os dados de Amar Klar foram publicados e trazem uma hipótese provocativa, que ainda não foi provada correta ou incorreta, mas faz refletir.

G1.com

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