O acesso a medicamentos para o
tratamento de HIV e Aids continua sendo um grande desafio para a saúde
pública mundial. Uma das principais batalhas é para derrubar o tratado
de propriedade intelectual, que garante monopólios na comercialização de
medicamentos. “Mas saúde não é comércio. É preciso lutar para mudar
essa realidade”, esta é a opinião de Eloan Pinheiro, ex-diretora de
Farmanguinhos, durante o debate sobre o documentário Fogo nas Veias,
do diretor canadense Dylan Mohan Gray. O filme foi exibido para cerca
de 120 pessoas, na Mostra Aids, evento promovido pelo Grupo de Trabalho
sobre Propriedade Intelectual (GTPI), coordenado pela Associação
Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), e pelo Grupo Pela Vidda/São
Paulo, na última segunda-feira (31/8), no Museu de Arte Moderna do Rio
(MAM).
O documentário mostra como as indústrias
farmacêuticas defendem sua riqueza construída sobre o desastre humano.
São inúmeras as manobras para bloquear o acesso de pacientes aos
medicamentos antirretrovirais. Uma das estratégias foi a criação do TRIPs
(sigla em inglês para Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio), assinado pelos países-membros da
Organização Mundial do Comércio (OMC).
“A gente precisa aprender a viver mais
como cidadão que realmente luta. Governos existirão, promessas
existirão, leis de patentes podem ser modificadas. E o TRIPs
tem que sair da OMC”, enfatiza Eloan, afirmando que, para isto
acontecer, é preciso pressionar os governos. “Eu gostaria que tivessem
mil ou duas mil pessoas aqui, mas eu acho que cada formiguinha pode
multiplicar e formar um exército”, frisa.
O diretor do documentário, Dylan Mohan
Gray, lembrou que, assim como no Brasil, o acesso universal à saúde é um
direito humano garantido pela constituição indiana. No entanto, segundo
ele, este direito só é aplicado esporadicamente. “A razão de gravar
este documentário surgiu da ideia de que saúde é um direito humano
fundamental. Quando comecei a gravar, nem estava pensando muito nesta
questão HIV/Aids. Mas me dei conta de que se trata de seres humanos num
sistema totalmente errado. Um sistema de saúde estremecido. Tal sistema
aceita que um número incalculável de pessoas morram para que outros
tenham lucro. É inaceitável”, enfatiza Gray, que demorou cinco anos para
concluir o filme.
Representante da organização Médicos Sem
Fronteiras (MSF), Felipe de Carvalho destacou o trabalho realizado em
Farmanguinhos no período denunciado pelo filme. “Foi Eloan Pinheiro quem
liderou a equipe de Farmanguinhos na produção dos primeiros
antirretrovirais no Brasil, o que permitiu ao país pagar U$ 300 por
paciente ao ano, ao invés dos U$ 15 mil, como era cobrado na ocasião”.
Protagonismo – Filmado a
partir de 1996, o documentário mostra como o desenvolvimento de
antirretroviriais mudou radicalmente a perspectiva de vida dos pacientes
com HIV/Aids. Por outro lado, poucos tinham acesso devido aos altos
preços cobrados pelas indústrias farmacêuticas, o que ocasionou milhões
de mortes por falta de acesso ao tratamento.
Durante o período, mais precisamente em
1998, o Brasil viu Farmanguinhos produzir se primeiro antirretroviral, o
AZT . “Na época, todo mundo em Farmanguinhos trabalhou
para poder produzir antirretrovirais sem ter uma receitinha do bolo. Em
pouco tempo nós produzimos zidovudina, estavudina, lamivudina e
nevirapina. Lembro-me que todos, eu e meus colegas de Far, trabalhávamos
dia e noite. Para isto, a gente teve que atuar com o coração. Foi o que
aconteceu com a equipe de Farmanguinhos. Absolutamente todos colocaram a
mão na massa e atuaram com o coração. Nós salvamos vidas, e eu me
orgulho muito disso”, lembra a ex-diretora do Instituto.
O deputado federal Jean Willys (PSOL/RJ)
compareceu ao debate e explicou como o financiamento privado de
campanhas pode provocar impacto na saúde. “Eu defendo o financiamento
público de campanhas. Sou contra o financiamento privado por conta desta
realidade aqui (apresentada no filme). Os políticos eleitos em
campanhas financiadas por empresas privadas, entre as quais indústrias
farmacêuticas, vão operar para atender os interesses dessas corporações e
não os da sociedade”, explica.
Patentes – Alguns
desafios mostrados no filme continuam atuais. “A patente chegou ao nível
de permitir abusos de uma situação de crise humanitária e de saúde.Um
medicamento custa mais do que o ouro ou diamante. Se antes eram 10 mil
dólares por pacientes, hoje tem medicamentos de 100 mil dólares. Em
outras palavras, aquelas situações ainda existem e, se não fizermos
nada, elas podem gerar crises iguais, ou piores, às ocorridas na época
em que o filme foi gravado”, avalia Carvalho.
Outro fator abordado foi a falta de
transparência, uma vez que as empresas cobram caro, mas não revelam o
que realmente gastam. “Parte deste segredo tem a ver com o fato de que
muitas dessas pesquisas vêm de universidades, e de recursos públicos.
Então, não há o interesse da transparência porque vai se revelar de
forma mais escancarada ainda como o sistema é injusto. Portanto,
aumentar a transparência é super importante”, observa Carvalho.
De fato a transparência poderia ser uma
aliada fundamental na negociação de preço. Segundo Eloan Pinheiro, o
medicamento para hepatite sofosbuvir custa U$ 80 mil por paciente nos
Estados Unidos. “E quem financiou a pesquisa para este medicamento foi o
próprio governo americano. Essa nação é insana. A gente não pode
permitir que o governo brasileiro pague U$ 7500, porque este produto
pode custar U$ 200 por paciente. Isso é um crime contra o erário
público. Isto eu gostaria, Sr. deputado (Jean Wyllys) que o senhor
levasse para o Congresso. O que a gente paga em preço de medicamentos
para Aids, para hepatite e para câncer é um crime ao erário público.
Isso não pode continuar acontecendo”, assinala Eloan.
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