5.08.2017

Esquerda: isolamento ou capitulação?



Ricardo Stuckert / Fotos Públicas

(originalmente publicado na Revista do Brasil)
Uma derrota como a do golpe de 2016 provoca obrigatoriamente muitos balanços e debates. Mas, vista na perspectiva do final do período, corre-se o grave risco de se perder o significado de todo o processo e de se deixar abater por perspectivas catastrofistas e derrotistas.
A necessária busca das razões do golpe não pode, em primeiro lugar, deixar de lado, antes de tudo, os motivos pelos quais, contra muitas evidências, esse período foi possível e representou avanços fundamentais para o povo brasileiro e para o país. Sem esta referência, se subestimará tudo o que se viveu, não se aprenderá com as experiências, especialmente em relação aos avanços, e se deixará passar a visão de que no fundo tudo foi um fracasso e se trataria de buscar as razões e os responsáveis por isso.
Como o golpe se deu pela reversão do papel do PMDB, o mais fácil é fazer repousar nas politicas de aliança as responsabilidades pela derrota e estender o diagnóstico para todo o período, como se o problema fosse ter feito alianças com o PMDB. Desemboca numa visão pobre de todo o processo, redutiva das politicas de aliança – todas representariam conciliação de classe –, desembocando no caminho seguro da derrota, do isolamento da esquerda.
O problema, teórico e politico, é que essas visões não enfocam todo o período como um processo de construção de hegemonia da esquerda. Lula, como sua intuição política, tem uma visão muito superior a essas concepções reducionistas. Ele pergunta sempre aos interlocutores: ganhamos e tínhamos 100 parlamentares. Não se governa sem maioria. Como queriam que fizéssemos?
A genialidade de Lula foi construir um projeto hegemônico da esquerda partindo da sua eleição, mas com uma esquerda minoritária no Congresso. Lula entendeu, empiricamente, que o problema de toda aliança é saber quem detém a hegemonia. Foi a aliança com o PMDB que tornou possível realizar o sonho de sempre do PT – a prioridade do social. Além de colocar em prática uma política externa soberana, resgatar o papel ativo do Estado.
Disputar o PMDB era disputar maioria. Quando o PMDB estava com o FHC, a esquerda ficou isolada. O prestígio do Lula e do seu programa para o Brasil permitiu conquistar setores de outros partidos que se somaram e deram a maioria necessária para um governo de esquerda. Ter conquistado naquele momento essas forcas para um arco de alianças hegemonizado pela esquerda, pelo programa antineoliberal, foi uma conquista, uma condição do governo mais importante, até aqui, da história do Brasil.
Toda aliança implica em concessões, de parte a parte. A questão essencial é quem detém a hegemonia. Na aliança com FHC, o PMDB deu maioria para um programa neoliberal. Na aliança com o PT, para um programa antineoliberal.
O problema passou a existir quando o PMDB mudou e aderiu a um programa frontalmente neoliberal, rompendo com o PT e aliando-se aos tucanos. Isolou a esquerda e deu o golpe da direita.
Qual a alternativa a alianças amplas, que dão um caráter nacional ao programa da esquerda? O isolamento, o "classe contra classe", a derrota e, se for tentar governar em minoria, tornar-se força autoritária, que trata de impor a minoria sobre a maioria. Há vários exemplos catastróficos dessa via.
Quando perguntei uma vez a Lula qual o maior ensinamento que ele tirou da experiência de governo, ele me respondeu: "Que não se pode governar sem maioria, sem o apoio da maioria da população". O que ele fez com maestria, porque soube conquistar a grande maioria do povo – saiu do governo com 84% de apoio – e, baseado nessa popularidade, construiu um bloco de forças políticas que deu sustentação ao seu governo.
Desqualificar toda política de alianças e, mais além, o marco da esquerda como “conciliação de classes” é se manter numa perspectiva pré-gramsciana, é não fazer as análises do ponto de vista fundamental: o da construção da hegemonia da esquerda

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