10.03.2018

Por que figuras folclóricas, medíocres e violentas como Bolsonaro acabam desafiando a razão e a inteligência?





Mais do que os valores que defendem, esses personagens inimigos da democracia e da liberdade.





O candidato Jair Bolsonaro (PSL) em encontro com mulheres em Porto Alegre no dia 30 de agosto



O capitão reformado Jair Messias Bolsonaro,
 de extrema direita, com ideias fascistas, que discrimina as minorias, denigre as mulheres,
 exalta a tortura e defende a violência, lidera
 as intenções de voto nas eleições 
presidenciais no Brasil, uma das maiores 
democracias do mundo. Isso deveria 
obrigar os demais políticos a se fazerem
 algumas pergunta incômodas.
Precisamos nos perguntar por que o 
político brasileiro poderia, hoje, como 
no passado Hitler, Mussolini ou o caudilho
 Franco, chegar ao poder, até mesmo 
pelas urnas, apesar de serem figuras 
folclóricas, inexpressivas e com biografias insignificantes. Precisamos nos perguntar
 o que os tornou protagonistas e inimigos
 da democracia e da liberdade. 
Descobriríamos que todos eles, a começar
 pelo capitão brasileiro, mais do que os 
valores que defendem, são o fruto dos 
erros dos que os precederam.
Por trás desses personagens, que estão
 mais para figuras do teatro do absurdo 
do que para guias mundiais e estadistas 
de alto nível, está a deterioração de uma
classe política e de uma sociedade na qual
 as pessoas perderam a confiança nos 
valores da democracia e da liberdade. 
E nesses casos é forte a tentação, sobretudo
 dos mais desesperados, de cair nas 
mãos de caudilhos iluminados, 
messias religiosos e
salvadores da pátria.
Há traços comuns nesses personagens,
 banais, mas perigosos para a democracia,
 que os unem numa espécie de destino 
curioso e fatal. Um deles é um desejo quase psicanalítico de superar sua mediocridade
 com a força de um messianismo que os
 resgate de sua pequenez e que, levado 
ao paroxismo, de repente os transforme 
em heróis e garantidores de uma sociedade
 que se sente ameaçada.
Não por acaso, em Bolsonaro e nos outros
 ditadores aparece sempre um conflito 
religioso que acaba sendo resolvido a 
serviço de sua divinização, de escolhidos
 pelos deuses para sua missão. 
Todos eles haviam tido antes uma relação
conflituosa com a religião que acabaram instrumentalizando para fortalecer seu poder.
 Hitler foi ao mesmo tempo cristão e ateu, 
defensor e perseguidor da fé, conforme sua conveniência. Mussolini era filho de um 
socialista ateu convicto e de uma mãe 
religiosa, e terminou, por interesse, 
tornando-se católico e defendendo a Igreja
e o Vaticano.
O ditador Franco foi outro personagem 
ambivalente com a religião, que acabou
 usando – e abusando– para manter seu
 poder. Ele foi o grande abençoado pelos
 papas e saía em procissão sob ornamentos
 religiosos, acompanhado de bispos e 
cardeais. E hoje, no Brasil, Bolsonaro, 
que tem formação católica, está nas mãos
 das poderosas igrejas evangélicas nas 
quais foi batizado novamente e que o 
apoiam nas eleições. E seu lema é
 "Deus acima de tudo". E foi Deus, 
segundo ele, que milagrosamente 
o salvou do ataque sofrido durante 
a campanha, que o deixou à beira da morte.
Todos esses personagens medíocres
 que acabaram surpreendendo o mundo
 com a força de sua violência aparecem
 em suas biografias como artistas 
malsucedidos ou militares fracassados
 com sede de superação para exorcizar
 suas fraquezas. Hitler queria, e não 
conseguiu, ser um grande pintor,
 assim como o ditador espanhol. 
E hoje Bolsonaro, que aparece como 
o grande ex-militar capaz de redimir 
o Brasil de seus demônios do comunismo
 e dos destruidores da família e dos bons
 costumes, era um paraquedista sem brilho,
 demitido do Exército por sua conduta.
O deificado estrategista militar Franco,
 que levou a Espanha a uma sangrenta 
guerra civil e a 40 anos de ditadura e 
terror policial, que estudou em uma 
escola religiosa, era chamado por seus
 colegas da Academia de Toledo
 – dizem seus biógrafos – de "Franquito",
 por ser pequeno, miúdo, fraco e ter 
voz afeminada. Chegou-se a pensar 
em lhe dar uma arma de cano curto, 
um mosquetão, em vez do pesado rifle
 do regulamento. A vingança de Franco
 por sua mediocridade juvenil é conhecida
 por seu mais de um milhão de mortos 
nas costas e seu hábito de anotar em 
uma folha de papel, enquanto tomava café,
 aqueles que deveriam ser fuzilados, 
desenhando uma flor sobre cada nome
 destinado à morte.
Bolsonaro foi um dos políticos brasileiros
 mais insignificantes em 27 anos como 
deputado federal, durante os quais, sem
 conseguir aprovar sequer uma única lei
 importante, se distinguiu apenas por suas
 bravatas e insultos a mulheres e gays, e sua 
defesa dos valores mais retrógrados da 
sociedade.
Na manifestação em favor de sua candidatura
 em São Paulo, um de seus filhos ofendeu
 as mulheres quando disse que as da direita
 são "mais bonitas e limpas" do que as da 
esquerda, que até "defecam na rua". 
Mussolini, um dos fundadores do fascismo
 mundial, que alardeava suas aventuras 
sexuais, tinha um conceito menos higienista
 nessa questão. Contava, sem pudor, que 
preferia, quando desfrutava das mulheres,
 que fossem "cabeludas e não muito limpas"
 (La Caída de Mussolini, Ed. Planet, 
Barcelona). Também entre ditadores 
costuma haver uma estranha criatividade
 sexual e uma alergia e até mesmo 
desprezo, quando não perseguição, 
por tudo que não for macho 
e fêmea em estado puro. As políticas de 
gênero e sua riqueza humana e sexual 
tendem a ser ignoradas, e até a irritar 
aqueles líderes e salvadores da moralidade
 e da religião.
No entanto, permanece sem resposta, 
como no caso do capitão brasileiro, quem
 foram os verdadeiros responsáveis que lhes permitiram crescer e ganhar eleições 
que mais tarde desprezariam para dar 
lugar ao totalitarismo. Há um dito dos
 romanos que poderia nos ajudar a 
decifrar esse enigma que hoje atormenta
 o Brasil com Bolsonaro: "Corruptio optimi,
 pessima", isto é, "a pior corrupção é a 
dos melhores". E um mais moderno, 
que se escuta em alguns países da 
América Latina: "Quando os que mandam
 perdem a vergonha, os que obedecem
 perdem o respeito por eles". É essa 
corrupção de quem deveria ter zelado 
pelos valores da civilização e da democracia
 que acaba gerando os monstros e
fantasmas que hoje atormentam quem 
não abandonou os valores da democracia.
 Esses valores foram o sustentáculo das
 grandes civilizações do passado e de
 todas as lutas contra a barbárie.
Que o Brasil saiba escolher desta vez,
 com as armas da democracia e a aposta
 na liberdade, para não reescrever as 
páginas trágicas de um passado que 
sua maturidade democrática parecia 
ter sabido superar e exorcizado para sempre.

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