8.02.2019

Ex-delegado conta em detalhes como os corpos eram incinerados em usina

Reconstituição do crime aconteceu na Usina de Açúcar Cambaíba, em Campos. Guerra disse que os corpos chegavam amarrados em sacos.

Letícia Bucker   Do G1 Norte Fluminense
MPF explicou como era colocados os corpos (Foto: Letícia Bucker/G1)MPF explicou como os corpos eram colocados nos fornos (Foto: Letícia Bucker/G1)
Durou aproximadamente uma hora a reconstituição do caso sobre a incineração de militantes políticos contrários à Ditadura Militar, que foram torturados e assassinados na 'Casa da Morte' em Petrópolis, na Região Serrana do Estado, e queimados na Usina de Açúcar Cambaíba, em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. O ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo e ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), Cláudio Guerra, participou da ação e, detalhadamente, explicou como os corpos eram levados para as fornalhas da usina.
O vinhoto mascarava o cheiro dos corpos enquanto eram queimados (Foto: Letícia Bucker/G1) 
Claudio Guerra disse que espera o perdão de Deus
pelas atitudes cometidas (Foto: Letícia Bucker/G1)
O Ministério Público Federal (MPF), apoiado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), conduziu Cláudio Guerra, nesta terça-feira (19), até os fornos onde os corpos teriam sido incinerados para a reconstituição do crime. Manequins foram usados como modelos para que o ex-delegado explicasse como tudo acontecia. Guerra disse que os corpos chegavam em caminhonetes e eram queimados durante a noite, quando havia pouco movimento de funcionários. Pelo menos 12 pessoas teriam sido incineradas em Campos. A reconstituição fez o MPF concluir que era possível queimar os corpos nas fornalhas.
Os corpos teriam sido colocados nestes fornos da Usina Cambaíba em Campos (Foto: Letícia Bucker/G1) 
Os corpos teriam sido colocados nestes fornos da
Usina Cambaíba em Campos
(Foto: Letícia Bucker/G1)
“Os corpos chegavam em sacos plásticos pretos amarrados com cordas. Ninguém desconfiava que estávamos queimando pessoas. O movimento era disfarçado porque sempre haviam funcionários alimentando os fornos com lenha. O odor forte do vinhoto mascarava o cheiro”, explicou Cláudio Guerra.
De acordo com o procurador da república, Eduardo Oliveira, a ideia de incinerar corpos da Ditadura surgiu através de Cláudio Guerra e do coronel Freddie Perdigão Pereira, morto em 1998. Perdigão pertencia ao Exército Brasileiro e seria um dos chefes da 'Casa da Morte', onde, pelo menos, 22 presos políticos podem ter sido executados.
Ainda de acordo com o procurador, a intenção do MPF é estabelecer, ou não, uma ligação entre o Exército Brasileiro e a Usina, àquela época. “A gente pretende conseguir, até o final deste ano, dar uma resposta à sociedade se houve, ou não, incinerações em Campos. A família do proprietário da usina e as família das pessoas que desapareceram, estão há anos anos nesta incógnita. A nossa intenção é conseguir dar uma resposta e que a sociedade conheça os fatos”, comentou.

Cláudio Guerra disse que o Exército não é o culpado, mas os integrantes daquela época sim. “O que aconteceu é que erramos e agora temos que confessar e pedir perdão à nação. Hoje, a ideia é outra, as forças armadas são outras, há uma nova mentalidade, mas no passado houve o erro. Temos que confessar esses erros e tentar mudar. A minha confissão de participação é para tentar ajudar a esclarecer o que realmente aconteceu. Esta é uma história que precisa ser passada a limpo. Por isso a minha confissão. Os outros envolvidos não se expõem por temor a cadeia. Outras  pessoas também podem ajudar a contar essa história”, disse. 
Procurador da República, Eduardo Oliveira, perguntava ao ex-delegado, como eles levavam os corpos até à Usina (Foto: Letícia Bucker/G1) 
Procurador da República, Eduardo Oliveira,
perguntava ao ex-delegado, como eles levavam os
corpos até à Usina (Foto: Letícia Bucker/G1)
O procurador Eduardo Oliveira explicou que Cláudio Guerra confessou ser um braço do regime militar e também assumiu a autoria do assassinato do tenente Odilon, morto em Cambaíba. Depois de uma discussão na Usina, Cláudio Guerra sacou a arma e assassinou o tenente.
Perguntado como era voltar ao local onde ajudou a incinerar os corpos, o ex-delegado, que atualmente é pastor evangélico, disse que mantém a sobriedade enquanto ajuda a esclarecer os fatos, mas que espera o perdão de Deus.
“Deus perdoa os nossos pecados se nós os confessarmos sinceramente. Do homem, eu não sei o que vai acontecer. Só Deus que vai poder dizer. Processado eu não sei se vou ser, pois pela lei do tempo o crime está prescrito. Mas, passa um filme na minha cabeça”, comentou, Guerra.
“Pode ser que o MPF denuncie o ex-delegado. Nossa intenção é mover uma ação civil pública, pra responsabilizar o Governo por essas mortes, ou mesmo, denunciar criminalmente Cláudio Guerra e outros envolvidos. O fato dele estar colaborando não o isenta de uma ação criminal por parte do Ministério Público Federal. O MPF o considera assassino e quer vê-lo na cadeia, independente das razões dele”, disse Eduardo Oliveira.

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Manequins foram usados durante a reconstituição (Foto: Letícia Bucker/G1)Manequins foram usados durante a reconstituição (Foto: Letícia Bucker/G1)

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