4.18.2008

Saiba como evitar a dependência do álcool

Saiba como evitar a dependência do álcool

Prof. Doutor Daniel Serrão


Em artigo anterior anunciei que responderia à seguinte questão: beber vinho às refeições é benéfico para a saúde; porquê o abuso que atinge, tragicamente, uma parte das pessoas que consomem bebidas com álcool?

A esta pergunta radical têm sido dadas respostas várias, quase todas baseadas num argumento social que é assim desenvolvido: uma família de alcoólicos gera filhos alcoólicos e num ambiente profissional e social, onde o abuso de bebidas com álcool é uma regra de convivência, os que chegam de novo são naturalmente integrados numa cultura de abusadores de bebidas com álcool; nestes ambientes a embriaguez é socialmente tolerada, é aceite como banal, é até aplaudida como ritual de entrada no grupo profissional e social.

Noutros tempos, os podadores de vinhas no Douro recebiam, como parte do seu salário, que era baixo, um garrafão de cinco litros de vinho maduro tinto de gradua­ção alcoólica elevada (12 a 14º) e acabavam dependentes de álcool.

Estas respostas, porém, não tinham carácter científico e nem sequer eram suportadas por averiguações, empíricas ou epidemiológicas, conclusivas. Sabíamos, sim, que nos hospitais da Região Duriense era sempre elevado o número de homens que acabavam os seus dias com a descompensação da cirrose hepática alcoólica. Como tinham ascite e eram picados para aspirar um líquido, levemente amarelado, mas límpido, a situação era conhe­cida, na zona, como «barriga de água» e o povo já sabia que viveriam pouco tempo; mas não relacionavam a doença com o abuso de bebidas com álcool, em especial a aguardente em jejum, mais cinco litros de vinho por dia.

Actualmente, a investigação científica traz-nos novas vias para o entendimento desta questão.

1 - O período da adolescência, definido como o intervalo de tempo entre o início das alterações físicas da puberdade e a assunção de rôles sociais de adulto, ou seja, entre os 9-12 anos e os primeiros anos da década de vinte, é o período crítico. Sabe-se, hoje, que o cérebro humano vai apresentar certas alte­rações de maturação estrutural e funcional que precedem as modificações dependentes das acções hormonais, masculinas ou femininas. Outras, porém, são consequência da impregnação hormonal do tecido cerebral, como, por exemplo, as motivações românticas, o interesse sexual, a intensidade emocional, o risco de doenças dos afectos nas raparigas e a procura de riscos (a adrenalina...) nos rapazes.


2 - A região do hipocampo e da amígdala cerebral completam, neste período, a sua maturação, que pos­sibilitará a aprendizagem emocional do adolescente, pelo que, no plano emocional, há risco de mau funciona­mento das estruturas cerebrais referidas. De facto, está demons­trado que um defeito geneticamente provocado, nestas estruturas cerebrais, predispõe para a transição do uso em abuso. A causa está no défice da aprendizagem emocional, com pouca ou nenhuma compensação afectiva, com o uso, e na procura desta compensação, no abuso.

Já em 2000, no Journal of Psychoactive Drugs, Kenneth Blum e colaboradores tinham apresentado o seu conceito de «Síndrome de Deficiência Compensatória» como um modelo biogenético dos comportamentos de dependência. Em particular da dependência do álcool.

A convicção mais popular é a de que o alcoolismo é um comportamento «aprendido» e expresso como sintoma ou consequência de um defeito de carácter subjacente à pessoa que, deste modo, manifesta uma vontade destrutiva em resposta a problemas psicológicos ou sociais.

Mas os defensores do novo conceito, RDS (do inglês Reward Deficiency Syndrome), consideram que o alcoolismo é, primariamente, uma consequência de uma alteração biogénica que condiciona uma resposta aditiva primária num consumidor que é biologicamente susceptível, independentemente do seu carácter e da sua personalidade. Este novo conceito surgiu da descoberta da associação de uma anomalia genética específica com os comportamentos impulsivos, aditivos e compulsivos. As pessoas com estes comportamentos tinham mutações do gene responsável pela produção, por certas células cerebrais, do receptor D2 para a dopamina que é colocado na membrana celular.

A mutação impede que a pessoa controle ou modifique comportamentos baseados em desejos aberrantes.

O desejo excessivo de álcool pode, portanto, resultar de «mau» funcionamento de um conjunto de genes que promovem a sensação de bem-estar por meio de interacções dos neurotransmissores no sistema mesolímbico que condicionam uma normal circulação de dopamina e sua captura por grupos de células neuronais especializadas e com o receptor adequado.

Em muitos estudos experimentais, no rato, provou-se que o álcool, em doses excessivas, aumenta a quantidade de dopamina e serotonina extracelular no cérebro, «corrigindo» o défice destes neurotransmissores nas pessoas com defeito genético. Este defeito pode ser demonstrado a partir dos estudos de polimorfismo genético do lócus do receptor D2 situado no cromossoma 11.


3 – Tal como em quase todas as doenças de causa genética o gene contribui com a informação, mas o efeito final depende muito das acções epigenéticas, ou seja, do ambiente bioquímico das células e, mais tarde, do ambiente fami­liar e social que envolve a pessoa. Portanto, mesmo as pessoas com defeito genético, embora te­nham uma «síndrome de deficiência compensatória», podem não se tornar bebedores compulsivos e excessivos, se o meio familiar e social os proteger particularmente, conseguindo que recebam, por outras vias, a compensação afectiva que lhes falta. Nas pessoas sem defeito genético mesmo um ambiente familiar e social propenso ao abuso de álcool pode não conseguir criar bebedores excessivos desde que, na adolescência, que é um período de deficiente compensação afectiva de natureza funcional, não genética, haja uma adequada acção educativa.

Por isso a LASVIN, que tem no seu programa de acção a luta contra os malefícios do álcool, acredita fortemente na força da educação do beber para a protecção do abuso, mesmo nas pessoas com predisposição genética.

Assim, no dia 13 de Dezembro irá realizar um grande encontro com a Juventude, numa discoteca do Porto, conhecida por ser «limpa», com o slogan: Aprenda a beber, beba e fique feliz. Nesse encontro serão apresentados os fundamentos científicos do benefício para a saúde do uso moderado de vinho às refeições, ao longo da vida, e os malefícios do abuso de bebidas alcoólicas. Será ainda ensinado como distinguir e escolher os diversos vinhos portugueses usando os nossos órgãos sensoriais. Finalmente, haverá uma aula prática do uso do vinho a uma refeição, seguindo-se a festa com alegria e sem embriaguês.

Esta reunião festiva com a juventude servirá de pre­tex­to para a apresentação de um livro traduzido do original Inglês com o título: Éduc’Álcool, que é um manual para guia dos pais e professores que queiram proteger os adolescentes do risco de ficarem dependentes de álcool. Contém regras simples, objectivas e claras para que pais e professores saibam como falar aos jovens sobre o uso e o abuso das bebidas com álcool.

Os números estatísticos que são referidos no livro são do que se passa no Canadá, onde o livro foi publicado originalmente; mas a situação em Portugal não será muito diferente e começa a ser tema preocupante de saúde pública e de prevenção do risco de morte na estrada dos nossos adolescentes, em especial em veículos de duas rodas.

Sei bem que o adolescente adora o risco, porque é no risco que completa e activa as estruturais neuronais da compensação afectiva. Dar-lhes a conhecer em que medida o desejo exagerado da compensação afectiva pelo álcool em excesso é um marcador de imaturidade biológico-estrutural do seu cérebro emocional e provan­do-lhes que o abuso de álcool vai impedir que a maturação aconteça e que possam vir a ter uma vida afectiva e sexual compensadora é caminho seguro para uma utilização inteligente das bebidas com álcool e para a escolha do vinho que vale muito mais do que o álcool que contém.

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