Já existe até consórcio para fazer plástica. Mas casos recentes lembram que toda cirurgia pode trazer perigo.
A recepcionista Regiane Aparecida Bauer Lopes, de 27 anos, passou mais de dois anos juntando dinheiro para realizar um sonho: fazer uma série de plásticas. Planejou eliminar primeiro as gordurinhas do abdome e das costas. Mais tarde, colocaria próteses de silicone no bumbum e nos seios.
Regiane pagou o preço do corpo perfeito com a própria vida. Ela morreu no último dia de janeiro, durante uma lipoaspiração no Hospital e Maternidade Máster Clin, na capital paulista.
De acordo com Paulo Sanches, porta-voz da clínica, a recepcionista não resistiu a uma parada cardiorrespiratória. Desde a semana passada, a polícia e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo investigam as razões da tragédia. A fixação de Regiane pela imagem reproduz o sentimento de muitos brasileiros. Mulheres e homens.
Mais de 750 mil cirurgias plásticas são realizadas no país a cada ano. Algumas clínicas oferecem as operações como se fossem simples procedimentos cosméticos. Pacientes ignoram ou menosprezam os perigos. "Ainda que todas as precauções necessárias sejam tomadas, não existe risco zero numa cirurgia", afirma o médico José Yoshikazu Tariki, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).
Escolher uma clínica séria e médicos experientes reduz os riscos. Mas não os elimina. Em 2004, ao estudar 400 mil cirurgias plásticas feitas nos Estados Unidos, a Sociedade Americana dos Cirurgiões Plásticos descobriu que em 0,34% houve sérias complicações (1 a cada 298 operações) e que em 0,0019% os pacientes morreram (1 óbito a cada 51.459 cirurgias).
Um novo estudo, de outubro de 2007, apresentou números semelhantes. Não há estatísticas sobre o assunto no Brasil. Se a proporção for a mesma dos Estados Unidos, isso representaria 2.500 complicações sérias em cirurgias plásticas, de infecções a problemas cardíacos e respiratórios, e pelo menos uma dúzia de mortes por ano. "Como a maioria das pessoas operadas é jovem e aparentemente saudável, teoricamente o risco da cirurgia pode ser considerado baixo", diz Tariki, da SBCP.
"A morte de um paciente é sempre trágica e devastadora para todos os envolvidos, particularmente para a família do paciente e para a equipe médica", afirma Richard D'Amico, ex-presidente da Sociedade Americana dos Cirurgiões Plásticos. "Mas não queremos amedrontar desnecessariamente as pessoas. Apesar de as mortes serem raras, a decisão de se submeter a uma plástica é séria".
As cirurgias estéticas se tornaram populares desde que algumas celebridades passaram a mostrar orgulho de ter se tornado "viciadas" em bisturis.
Recentemente, o Congresso Nacional permitiu a inclusão de cirurgias plásticas nos planos de consórcios.
As regras foram regulamentadas pelo Banco Central na semana passada. Assim como na compra de um automóvel, a proposta é que o paciente pague as mensalidades e só vá ao centro cirúrgico quando for sorteado. "Isso fere nosso código de ética.
Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de março de 2008, veda qualquer relação dos médicos com financiadoras e consórcios", afirma Tariki. "Imagine um paciente que faz um plano de 50 meses.
Quem garante que ele vai estar em condições de operar quando for sorteado?" A preocupação da SBCP e do CFM é que o descuido de pacientes desavisados e de médicos de conduta duvidosa aumente com a adoção dos consórcios.
Em procedimentos cirúrgicos que envolvem anestesia ou sedação, mesmo naqueles realizados em locais aparentemente seguros e com profissionais considerados confiáveis, está embutido o risco de reações súbitas e graves. Mesmo quando é apresentada sob adjetivos atraentes como "smart" (esperta) ou "light" (leve), a lipoaspiração, cirurgia plástica mais procurada no Brasil, não é um procedimento simples.
Como outras cirurgias, traz perigos nada desprezíveis: choque anafilático, infecções, necrose da pele, embolia pulmonar. A estudante Priscila de Sousa Lima acreditava não correr riscos por ter escolhido uma das clínicas mais badaladas do Brasil, a Santé, na Zona Sul de São Paulo, e o experiente cirurgião Leonard Bannet. Priscila tinha acabado de completar 18 anos quando procurou a Santé. Havia parado de amamentar a filha Camille por aqueles dias.
Os 26 quilos adquiridos durante a gravidez pesavam em sua autoestima. No dia 25 de setembro do ano passado, a adolescente de 1,65 metro de altura entrou no centro cirúrgico com cerca de 74 quilos. Seria submetida a uma mamoplastia (plástica nos seios) e à lipoaspiração nas costas, nas pernas e no abdome.
Em linguagem médica, Bannet explicou: "No finalzinho da cirurgia, a Priscila teve sialorreia (produção excessiva de saliva) intensa. Houve queda da oximetria (grau de saturação de oxigênio no sangue), da frequência cardíaca e da pressão.
Mas o quadro foi revertido em menos de cinco minutos", diz Bannet. "A cirurgia começou cerca de 23h30 e terminou umas 6 horas da manhã. Passaram 15, 20, 40 minutos e ela não acordava. Depois de umas duas horas pedi a transferência da paciente para a UTI do Hospital Alvorada, que tem convênio com a Santé e fica no mesmo prédio". Pelos registros do Hospital Alvorada, Priscila deu entrada na UTI apenas às 13h30 do dia 26 de setembro. Ela estava em coma. Neurologistas chamados pela Santé concluíram que Priscila tinha entrado em "estado de mal epilético", problema descrito na literatura médica como "convulsões contínuas persistentes ou episódios graves consecutivos sem a restauração da consciência".
ÉPOCA teve acesso a um relatório sobre o coma de Priscila. A hipótese de epilepsia é pouco provável. Priscila está em coma desde a cirurgia, há mais de quatro meses. Até agora, a família diz não ter conseguido respostas satisfatórias sobre as causas da tragédia. "Minha filha entrou na Santé andando, rindo.
A minha intenção não é culpar ninguém. Mas, na Justiça, vou descobrir o que realmente aconteceu", diz a empresária Marisa Ramos de Sousa. Leonard Bannet, que operou Priscila, afirma acreditar que a paciente já era epilética e que a doença só se manifestou durante a cirurgia.
ÉPOCA teve acesso a um relatório sobre o estado de saúde de Priscila. O documento, assinado pela neurologista Samira Luisa dos Apóstolos Pereira, do Hospital Sírio-Libanês, foi analisado pelo médico Felipe Fregni, professor de neurologia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
A opinião de Fregni: "A queda da pressão levou à diminuição do fluxo sanguíneo e causou lesão em áreas nobres do cérebro. O ponto é descobrir se a queda da pressão foi consequência da anestesia - portanto, poderia ocorrer em qualquer cirurgia - ou se houve um desequilíbrio químico na liberação de substâncias na circulação por causa da extensão da mamoplastia e da lipoaspiração. Na medicina não podemos dizer que alguma coisa é impossível. Mas, caso a paciente fosse epilética, as crises teriam se manifestado antes".
Fonte: ÉPOCA - Portal Médico
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